SANTANA DO CARIRI
Tráfico afeta Paleontologia local
Cientistas locais reclamam da apreensão de fósseis, que acabou sendo destinada para universidade paulista
Santana do Cariri. Peças levadas do Cariri, que dariam para fazer um museu, foram apreendidas em São Paulo, há cerca de dois anos, e depois repassadas para a Universidade de São Paulo (USP). Trata-se de quase 3 mil fósseis contrabandeados, entre esses achados raros, e apreendidos pela Polícia Federal no interior de Minas Gerais.
Uma quadrilha internacional, formada por 13 pessoas, agia na região e estava transportando o material que teria como destino um museu particular dos Estados Unidos. Até a próxima quarta-feira, a Universidade Regional do Cariri (Urca), deverá encaminhar pedido formal à Justiça Federal, em São Paulo, para solicitar o encaminhamento das peças levadas da Bacia Sedimentar do Araripe, para o Museu de Fósseis de Santana do Cariri.
Segundo o pesquisador e coordenador do Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca), Álamo Feitosa, o documento está sendo finalizado e passará por uma revisão final da até a próxima terça-feira, com encaminhamento no dia seguinte. Na solicitação estará contida a justificativa com as condições propícias para que o material seja encaminhado para a própria região, inclusive da necessidade de pesquisas. Entre os fósseis apreendidos foi descoberta uma peça rara de um fóssil de pterossauro, o Tupandactylus imperator, de 115 milhões de anos, da formação Crato.
Solicitação
No caso específico do Tapejara, o fóssil completo do réptil foi encontrado na cidade de Nova Olinda. Segundo o professor, a solicitação é para que as peças pertençam à região. Para ele, há um dever ético da USP devolver o material. Ao mesmo tempo, afirma que juridicamente o material poderia ser encaminhado a qualquer instituição científica.
"Na verdade, temos aqui atualmente pesquisadores da área, além de estarmos na área do Geopark Araripe, o único das Américas, com chancela da Unesco, além de contamos com um Museu de Paleontologia do período cretáceo", justifica o professor, ao estranhar o que levou as autoridades encaminharem as milhares de peças de diversos fósseis para São Paulo.
O material solicitado à PF de Juazeiro do Norte, para que encaminhasse a solicitação para a Polícia em São Paulo, aconteceu dois dias após a apreensão, conforme Álamo. Na semana passada, os fósseis foram repassados para a universidade paulista, causando uma preocupação em relação à possível perda do material científico para o Cariri.
No início deste mês foi anunciado, em Recife, no Estado de Pernambuco, uma espécie rara de pterossauro, o Maaradactylus kellneri, encontrado em Santana do Cariri e pela primeira vez descrito por uma equipe de pesquisadores do Nordeste. Um estudante de mestrado da região tem como tese o estudo da peça, com cerca de 95% de preservação. O material, após os estudos, será encaminhado para compor o Museu de Paleontologia, em Santana, que abriga mais de 10 mil peças.
Com o pterossauro encontrado em São Paulo, essa passa a ser a 25ª espécie rara de réptil voador achada na área do Araripe. Para Álamo, é lamentável que isso esteja acontecendo, pelo não reconhecimento de autoridades da importância do que atualmente representa a região, com reconhecimento mundial em relação ao seu potencial.
Quadrilhas
Mesmo com a suspeita de ainda existirem quadrilhas especializadas de tráfico de fósseis na área da Bacia Sedimentar do Araripe, a luta agora é ampliar os grupos de pesquisas e trabalhos educacionais. Para o pesquisador da Urca, coordenador de uma das maiores pesquisas controladas que vem sendo realizada no Nordeste, deverá haver uma resposta para o encaminhamento desse para a USP.
A descoberta da atuação de uma quadrilha internacional com ramificações no Cariri, com oito brasileiros, três alemães e dois franceses aconteceu em 2012. "Juridicamente poder estar certo em transferir para uma instituição de pesquisa, mas do ponto de vista ético, deve vir para a região, onde há um projeto de desenvolvimento sustentável", diz. Ele destaca a grande visitação existente no Museu de Paleontologia, por onde circulam em média cerca de 17 mil pessoas por ano. Em 2013, estiveram no espaço pessoas de 11 países diferentes.
Álamo não descarta a possibilidade de existir laboratórios para a preparação dos fósseis para servir ao tráfico na região e diz que o trabalho educativo que vem sendo realizado, com projetos desenvolvidos por meio do Geopark e da Urca, aliados à pesquisa que tem se ampliado a cada ano no Cariri, contribuído para a redução drástica do contrabando na região. As peças apreendidas e entregues à USP vão desde insetos, plantas, crocodilos, pterossauros e peixes.
O material foi achado na cidade de Curvelo, interior de Minas Gerais e se encontrava em meio às pedras comuns, embalado para ser encaminhado pelos portos do Rio de Janeiro e São Paulo. A polícia chegou à quadrilha por meio de denúncias feitas inicialmente por autoridades francesas, que apreenderam fósseis brasileiros. As investigações foram aprofundadas no Brasil, inclusive com escutas telefônicas, para chegar à rede de tráfico. Para o professor, resta a resposta do encaminhamento dos fósseis para a USP. Ele disse que a região tem condições suficientes para abrigar o material.
Álamo cita o trabalho desenvolvido pela Polícia Federal e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que tem um convênio com a Urca, no intuito de desenvolver o trabalho educativo. O Departamento Nacional de Proteção Mineral (DNPM), com escritório no Cariri, acompanhou os trabalhos e prestou informações para facilitar nas investigações. Um dos integrantes do grupo, o brasileiro Pedro Luiz Novaes, geólogo de São Paulo, chegou a ser preso, julgado e condenado a três anos. Ele pode responder em liberdade, com o pagamento de R$ 2 milhões de fiança, mas recorreu da sentença e aguarda em liberdade.
Para o chefe do DNPM no Cariri, Artur Andrade, há muita dificuldade de inibir totalmente o tráfico na região em virtude da amplitude da área e da infraestrutura insuficiente. São apenas três técnicos. Ele disse que ainda há muita gente conivente com o tráfico, por se tratar de uma região pobre. (E.S)
Ética
“Juridicamente pode estar certo transferir uma instituição de pesquisa. Do ponto de vista ético, deve vir para a região”
ÁLAMO FEITOSA
Pesquisador da URCA
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