segunda-feira, 2 de março de 2015

Agricultura Familiar é vítima da seca


A pesquisa quer disponibilizar aos governos informações para lidar melhor com os pequenos produtores

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Agricultores familiares têm investido em quintais produtivos
FOTOS: FABIANE DE PAULA
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A criação de pequenos animais adaptados ao clima semiárido, como caprinos e ovinos; e o cultivo de palma e mandacaru são ações comuns entre os pequenos
Iguatu. Qual o impacto da seca na vida do agricultor familiar? O tema da estiagem ganha cada vez mais importância no Ceará depois de três anos consecutivos de seca e a possibilidade de o fenômeno meteorológico se repetir em 2015.
Apesar de ser um fato histórico, o governo do Estado não tem real conhecimento do que pensa, como age e reage o pequeno produtor rural para se defender da falta de água, da queda da produção agrícola e da dificuldade em alimentar o rebanho.
Para tentar entender o real impacto da estiagem entre os agricultores familiares e fornecer subsídios aos gestores públicos está em curso, no Estado, uma pesquisa inédita que procura dar voz aos pequenos produtores rurais.
O objetivo da empresa MGov é, a partir da coleta de dados, apresentar um perfil ao setor público que terá informações para traçar políticas públicas que podem auxiliar a melhorar a qualidade de vida da população sertaneja e solucionar problemas recorrentes.
Telefone celular
O curioso é que a ferramenta de coleta de dados é o telefone celular. Afinal, há um ponto em comum entre os agricultores: a ampla maioria dispõe de aparelho de telefonia móvel. A pesquisa foi iniciada em 2014, com 700 produtores em 54 municípios cearenses e quatro mil entrevistas. Para este ano, a meta é mais audaciosa. Os dados serão aplicados em 61 municípios com a participação de quatro a cinco mil agricultores familiares.
"A pesquisa dá voz a quem não tem como se expressar", observa um dos coordenadores do trabalho e sócio da MGov, Rafael Vivolo. "Vamos captar as informações a partir da respostas dos agricultores e repassar de forma esquematizada os dados para os gestores, que poderão adotar políticas públicas, fazer correções de projetos e programas em andamento".
A empresa idealizadora do projeto tem sede em São Paulo e a equipe é liderada pelo economista, Guilherme Lichand, que trabalhou no Ceará em projetos realizados pelo Banco Mundial de superação da pobreza. Essa experiência despertou a atenção do pesquisador, que passou a estudar o tema da psicologia da escassez e a seca no Ceará.
"Até que ponto a seca afeta a vida dos agricultores e os impede de superar obstáculos, a pobreza?", frisou Lichand. "A pesquisa procurar encontrar respostas para essas indagações, dentre outras".
Os pesquisadores acreditam que a falta de conhecimento do governo do Ceará sobre os impactos na vida dos pequenos produtores rurais inviabiliza o desenvolvimento de políticas públicas capazes de atender às reais necessidades dos agricultores. O presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Eduardo Sávio Martins, entende que a pesquisa dará elementos importantes sobre como o setor público deve desenhar as suas políticas governamentais.
Plano
Nesta semana, o governador Camilo Santana lançou um plano de emergência para a seca. As ações repetem modelos antigos implantados ao longo dos períodos de estiagem, baseados no tripé: perfuração de poço profundo, instalação de adutoras e ampliação de distribuição de água por caminhões-pipa. Além dessas ações, também há estudos para construção de açudes e implantação de projetos produtivos localizados.
A pesquisa promovida pela MGov tem financiamento e participação de pesquisadores das universidades de Harvard (Cambridge, Estados Unidos) e de Warwick (Inglaterra).
O planejamento da empresa prevê a continuidade do estudo nos próximos anos, com a adesão de novos apoiadores públicos brasileiros.
A seleção dos agricultores é feita mediante parceria com a extensionistas da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce).
O estudo tenta captar a percepção do agricultor familiar sobre a estiagem, risco de perda da lavoura, qualidade dos programas governamentais como Garantia Safra, Hora de Plantar (distribuição de sementes) e o impacto na memória e no desvio de atenção acerca da realidade social que lhe cerca. É traçado um perfil do entrevistado e tenta se obter dele informações sobre crença na previsão climática, influência do Dia de São José na quadra chuvosa, decisão de plantar em maior ou menor área em relação ao ano anterior.
Falta de informações
"Os dados são repassados para Ematerce, Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), e Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA)", observou Rafael Vivolo. Na primeira rodada de pesquisa, constatou-se que 45% dos entrevistados não se inscreveram no Garantia Safra. "Havia vagas, mas faltou informação, conhecimento por parte dos agricultores", observa. Muitas informações sobre programas e campanhas governamentais deveriam ser enviadas por meio de mensagens de voz e de texto em smartphones diretamente para os agricultores. "É um custo reduzido, que poderia ampliar as informações", defende Lichand.
Os coordenadores da pesquisa destacaram quatro pontos: o programa Hora de Plantar funciona melhor nos municípios mais secos; as informações sobre as previsões da Funceme afetam a decisão dos agricultores sobre plantio; a divulgação de preço dos grãos pode evitar perda no momento de comercialização no campo; e a preocupação com a seca reduz as chamadas funções executivas do cérebro (atenção, memória, controle de impulsividade) para tarefas não relacionadas com o uso da água.

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