ATÉ 2030
Planeta terá déficit de 40% de água
21.03.2015
Diante da crise hídrica, estudo da Unesco sugere a necessidade de se aprofundar na gestão do uso da água
Paris. A população mundial deverá enfrentar um déficit de 40% no abastecimento de água até 2030, caso não tome medidas drásticas para melhorar a gestão do recurso natural. Essa é a conclusão do Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos - Água para um mundo sustentável, lançado em Nova Délhi, na Índia, pela Unesco.
O relatório, que faz parte das ações atreladas ao Dia Mundial da Água, 22 de março, aponta medidas para que a comunidade internacional elabore um novo programa de desenvolvimento.
O estudo atribui a vários fatores a possível falta de água, entre eles, a intensa urbanização, as práticas agrícolas inadequadas e a poluição, que prejudica a oferta de água limpa no mundo.
A organização estima que 20% dos aquíferos estejam explorados acima da capacidade. Os aquíferos, que concentram água no subterrâneo e abastecem nascentes e rios, são responsáveis hoje por fornecer água potável à metade da população mundial e é de onde provêm 43% da água usada na irrigação.
De acordo com o relatório, 748 milhões de pessoas em todo o mundo ainda não têm acesso à água potável. Por outro lado, a água nunca foi tão consumida.
Até 2050, a agricultura, setor que mais consome água, deverá produzir 60% mais alimentos do que hoje. O estudo destaca ainda que a demanda por bens manufaturados vai aumentar, pressionando ainda mais os recursos hídricos.
A estimativa é de que, até 2050, a demanda mundial de água pela indústria tenha um aumento de 400%. O estudo da Unesco chama a atenção para o grande volume de água usado para geração de energia (usinas térmicas) e destaca a necessidade de estímulos a fontes renováveis, como subsídios para as fontes eólica e solar.
Acesso universalizado
Segundo o levantamento, o mundo precisa investir US$ 53 bilhões por ano, durante cinco anos, para universalizar o acesso à água tratada e ao saneamento. O valor equivale a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) global em 2010. Em países em desenvolvimento, o investimento pode trazer um retorno estimado entre US$ 5 e US$ 28 por dólar.
"Investir na melhoria da gestão da água e serviços de saneamento é pré-requisito para a redução da pobreza e o crescimento econômico sustentável. As pessoas pobres são beneficiadas diretamente com a melhoria dos serviços de água e esgoto, têm melhorias na saúde e redução das despesas com doenças, além de aumentar a produtividade e economizar tempo", diz o texto da Unesco.
A intenção do relatório é criar um objetivo em relação ao uso da água. A proposta seria fixar metas sobre temas como governança e qualidade da água, gestão de águas residuais e prevenção de desastres naturais.
De acordo com a oficial de Ciências Naturais da Unesco na Itália, Angela Ortigara, integrante do Programa Mundial de Avaliação da Água (cuja sigla em inglês é WWAP) e que participou da elaboração do relatório, a intenção do documento é alertar os governos para que incentivem o consumo sustentável e evitem uma grave crise de abastecimento no futuro.
"Uma das questões que os países já estão se esforçando para melhorar é a governança da água. É importante melhorar a transparência nas decisões e também tomar medidas de maneira integrada com os diferentes setores que utilizam a água. A população deve sentir que faz parte da solução", afirmou.
Cada país enfrenta uma situação específica. De maneira geral, a Unesco recomenda mudanças na administração pública, no investimento em infraestrutura e em educação.
"Grande parte dos problemas que os países enfrentam, além de passar por governança e infraestrutura, passa por padrões de consumo, que só a longo prazo conseguiremos mudar, e a educação é a ferramenta para isso", diz o coordenador de Ciências Naturais da Unesco no Brasil, Ary Mergulhão.
No Brasil, a preocupação com a falta de água ganhou destaque com a crise hídrica no Sudeste. Antes disso, o País já enfrentava problemas de abastecimento, por exemplo no Nordeste.
Ary Mergulhão diz que o Brasil tem reserva de água importante, mas deve investir em um diagnóstico para saber como está em termos de política de consumo, atenção à população e planejamento. "É um trabalho contínuo. Não quer dizer que o país que tem mais ou menos recursos pode relaxar. Todos têm que se preocupar com a situação".
Iniciativa
O relatório da Unesco destaca as iniciativas de um programa batizado de "Rio Rural", realizado na região Norte do Estado fluminense. O programa, que até 2018 receberá recursos do Banco Mundial, é voltado para a produção agrícola na região, tentando reverter o esgotamento dos recursos hídricos.
"Como a maioria das tecnologias mais sustentáveis tem custos mais elevados de imple-mentação e baixo impacto sobre a renda rural, é fundamental estabelecer um sistema de incentivo financeiro para apoiar a sua adoção", afirma o trabalho.
Com apoio do Banco Mundial, governos federal, estadual e do setor privado, a previsão é de que o programa Rio Rural receba um total de US$ 200 milhões até 2018, atingindo uma área de 180 mil hectares e 78 mil agricultores.
Consumo per capita cai 35% em 20 anos na Dinamarca
Copenhague. A falta de água já foi um problema para a Dinamarca, que hoje, com a Alemanha, encabeça a lista das nações consideradas referência na Europa no que diz respeito ao sistema de abastecimento. Depois de enfrentar um período de escassez do recurso, na década de 1970, o país nórdico vivenciou uma ampla reforma no setor, que gerou melhorias na qualidade da água e na eficiência do sistema, a queda no percentual de perda por vazamentos e uma redução de 35% no consumo per capita de água por ano.
Até a década de 1980, cada cidadão dinamarquês consumia, em média, 60 mil litros de água por ano, cerca de 164 litros por dia. Atualmente, o consumo médio é 39 mil litros de água por ano, 107 litros por pessoa/dia. No Brasil, o consumo médio atual chega a 166,3 litros per capita/dia.
Para o especialista em políticas ambientais da Universidade de Aarhus, Mikael Skou Andersen, o ponto central da reforma conduzida pelo governo foi o repasse do custo real da água para os consumidores, o que, na Europa, é chamado de "preço cheio da água". Além de pagar pelo que consome, o cidadão, na Dinamarca, paga taxas ambientais e de serviços. "Com a elevação no preço, pudemos observar uma redução considerável no consumo", enfatizou.
A diretiva-quadro sobre água da União Europeia (principal instrumento do bloco em relação à gestão da água), lançada em 2000, estipula a introdução do chamado "preço cheio da água" em todos os países-membros, como forma de estimular o uso racional do recurso. Entretanto, muitos deles ainda não conseguiram cumprir o estabelecido. Na Irlanda, por exemplo, onde a água era fornecida gratuitamente aos cidadãos até outubro do ano passado, a escassez levou à implementação de um sistema de cobrança, o que tem gerado amplos protestos populares.
O pesquisador acredita que o modelo aplicado na Dinamarca poderia ser seguido por países maiores, como o Brasil. "O governo poderia optar pela redução de outras taxas, ou mesmo oferecer um subsídio, o que chamamos de cheque verde, para famílias de baixa renda".
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