terça-feira, 31 de março de 2015


CENTRO-SUL E CARIRI

Procissão e penitência se mantêm

31.03.2015

O evento tem caráter religioso popular e cultural e abre os ritos da Semana Santa, na comunidade

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Os penitentes são homens simples e abnegados, profundamente identificados com as crendices, superstições e dogmas
FOTO: LEANDRO CORREIA
Várzea Alegre. Os tempos modernos de comunicação instantânea, equipamentos eletrônicos e avanço da informatização mudam hábitos e costumes em todos os lugares. Entretanto, a cultura popular resiste e em algumas localidades mantêm a tradição. Um exemplo vem desta cidade, que promove, a cada ano, o Encontro de Penitentes das Regiões Centro-Sul e Cariri e a Procissão do Fogaréu, que reuniu mais 200 participantes neste ano.
O evento tem caráter religioso popular e cultural, realizado pela Secretaria de Cultura e Turismo do município. Abre os ritos da Semana Santa, na comunidade. Neste ano, nove grupos de penitentes deste município e das cidades de Barbalha e de Lavras da Mangabeira saíram às ruas emocionando os participantes e os moradores que ocuparam as vias por onde a caminhada seguiu. No cortejo, há o ritual da autoflagelação.
Quem não seguiu por meio da procissão, neste fim de semana, acompanhou a passagem dos penitentes nas calçadas, elogiando os benditos e admirando a tradição que remonta aos tempos medievais. "O nosso esforço é para manter viva a cultura, as tradições e as manifestações populares", frisou o secretário de Cultura do Município, Milton Bezerra.
O evento é idealizado com o objetivo de fortalecer a cultura popular, promover um intercâmbio entre os grupos, e principalmente, preservar a tradição popular. Também é caracterizado pela Procissão dos Penitentes, que segue pelas ruas da cidade carregando tochas, entoando benditos e realizando o ritual da autoflagelação. A caminhada nesta cidade é pioneira. Em Barbalha ocorre a procissão na próxima Quinta-feira Santa.
Os penitentes são homens simples e abnegados, profundamente identificados com as crendices, superstições e dogmas. Movimento remonta à era medieval. Desde o século XVII que existe a Ordem dos Penitentes no Nordeste do Brasil. Acredita-se que os primeiros penitentes na região do Cariri surgiram por volta de 1850 e, posteriormente, em Várzea Alegre, sendo considerada uma cultura secular.
A memória que retrata a mística dessa cultura secular praticamente dilui-se no tempo. Entretanto, há resistência, em Várzea Alegre e em outras cidades, de alguns grupos, que, mesmo diante das dificuldades, ainda mantêm-se ativos. O secretário de Cultura, Milton Bezerra, mostrou preocupação com a falta de renovação. "Os penitentes estão idosos, alguns, por problemas de saúde, não participam mais", frisou. "Os jovens não querem seguir o rito dos mais velhos".
A Semana Santa é período de orações, jejum, penitência, de manifestações de religiosidade cultural e popular. O Encontro dos Penitentes e a Procissão do Fogaréu, que percorreu ruas e igrejas desta cidade, assinalam a abertura dos ritos desse período santo para os cristão católicos. Em 2014, o evento reuniu 12 grupos oriundos das regiões Centro-Sul e Cariri, três a mais do que neste ano.
A procissão partiu da Capela de São Vicente de Paulo. Pelas ruas da Cidade, o povo acompanhou os grupos que levavam tochas acesas e cantavam benditos. O encerramento da caminhada foi na Capela de São Francisco de Assis, no bairro Betânia, onde alguns dos integrantes de grupos de penitentes procederam a autoflagelação, um dos rituais mais antigos desse segmento religioso.
Para o prefeito Vanderlei Freire, a integração dos grupos de penitentes da região representa a manutenção de uma das culturas populares mais antigas. "Foi uma troca de experiência excepcional", frisou. "O município foi pioneiro em reunir e incentivar a participação desses grupos, com o objetivo de valorizar a cultura dos penitentes na região".
Neste ano, o evento contou com a participação da coordenadora de Cultura Popular de Barbalha, Maria Gorete; do turismólogo de Barbalha, Rodrigo Torres; do educador patrimonial do Banco do Nordeste de Lavras da Mangabeira, Regi Belizário; e da secretária de Cultura de Lavras da Mangabeira, Cristina Couto.
De Barbalha, vieram quatro grupos: Irmandade do mestre José Galego e Santas Missões, do mestre Olímpio, do Sítio Lagoa; Inselências de mestra Terezinha e Irmãos da Cruz, do mestre Antônio, do Sítio Cabeceiras.
Do município de Lavras da Mangabeira, vieram dois grupos: mestre Vicente Vieira, do sítio Oitis; e mestre Luiz Geraldo, da Vila Mangabeira. Da cidade de Várzea Alegre compareceram os grupos do mestre Tico de Manuel Vicente, da Vila Riacho Verde; do mestre Francisco Adriano, do Sítio Jatobá; do mestre Vicente Barbosa, do bairro Riachinho.
Vestidos a caráter, batas vermelhas, pretas, os penitentes conduzem a cruz, tochas de fogo, chicotes e entoam benditos. Na capela da Betânia, realizam o ritual da autoflagelação (batem com chicotes com pontas de ferro nas próprias costas) e em seguida rezam um terço. "Antes, a gente só fazia a penitência para Deus, isolado, pedindo perdão pelos pecados, em uma estrada, próximo de um cruzeiro, com a roupa levada escondida em um bornal e só a mulher sabia, que dava banho de água de sal nas costas", contou um dos penitentes de Barbalha.
FIQUE POR DENTRO
Ritual de fé, sacrifício e temor a Deus
Os penitentes são homens simples e abnegados, que mantêm a tradição. Identificam-se com crendices populares e dogmas religiosos. O ritual é próprio e os benditos são cantados em voz alta, misturando agudos e graves, que ecoam nas estradas e casas do sertão nordestino noite adentro. Usam sobre a roupa uma capa (opa) com cruzes e cores variadas. Fazem autoflagelação do corpo, costas, mãos e braços. É um mergulho fundo na alma, uma forma de espiar os pecados e rogar por almas alheias. A disciplina, ou seja, o sacrifício é realizado com um instrumento de cordas ou couro cru e pontas de ferro e, também, lâminas cortantes. O surgimento dos primeiros penitentes na região do Cariri data do ano de 1850, mas a primeira ordem só foi fundada em 1893, em Juazeiro do Norte, pelo mulato Manoel Palmeira. Espalharam-se pela região e chegaram até Várzea Alegre. No passado, tiveram apoio de líderes religiosos. Hoje, o ritual resume-se a cantar em portas de amigos, nos cruzeiros nas estradas e pedir esmolas para o desjejum na Sexta-Feira Santa.

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