A guerra não acaba nunca. Se na história a batalha tem desfecho, no cotidiano ela renasce. A memória a deixa viva. Embora encarado com discurso de valentia, o maior combate de todos os tempos entre nações, encerrado oficialmente há 70 anos, quando o Japão se rendeu aos Países Aliados - grupo ao qual o Brasil pertencia - ainda é motivo de dores e fortes lembranças. Entre os cearenses quase centenários que combateram na Segunda Guerra Mundial, hoje sobra o orgulho da sobrevivência e a intensa defesa do valor da paz.
O correr do tempo não apaga a experiência de quem, em plena juventude, viu de perto a morte, os golpes e as misérias provocadas pelo conflito, que durou cerca seis anos e envolveu mais de 70 países. Mas, hoje, são também outros temores que afligem os ex-combatentes e veteranos de guerra no Ceará. Receio que a ausência de preservação apague o episódio que envolveu 25.334 brasileiros e arrancou 377 cearenses da terra natal para seguirem rumo à Itália.
A notícia esperada por centenas de brasileiros e completamente temida por outros milhões chegou em agosto de 1942. O Brasil tomou lado e se posicionou oficialmente contra os países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão. A Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi, então, criada. Mas a partida das tropas ocorreu somente em julho de 1944.
Trajetórias
Não houve tempo para adeus entre o jovem de 26 anos Antônio Alexandrino Correia e a esposa, de 19 anos, Maria Consolação da Cunha, cearenses que em 1944 moravam no Rio de Janeiro, devido à convocação de Alexandrino - que já era militar - para a Guerra. Ao sair para mais um dia de treinamento, em julho de 1944, Alexandrino, que tornou-se coronel ao fim do combate, só iria rever a esposa e a filha, ainda criança, 12 meses depois.
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"Morri duas vezes nessa vida. Uma quando entrei na guerra e ouvi as bombas explodindo e outra quando reencontrei minha família no Brasil. Morri dessa vez de felicidade", relata o coronel reformado, agora, com 97 anos. A guerra trouxe dor e gerou certezas: "é preciso defender a manutenção da paz, por meio do diálogo e da garantia incessante da democracia".
O esquecimento desta etapa da história traz os riscos de repetição do que há de sombrio na experiência da guerra. O argumento é reiterado pelos pracinhas cearenses, que, ao longo dos anos, veem a memória ser renegada por parentes e pela coletividade. "Tenho várias medalhas, mas, em geral, nenhum filho me acompanhou nessas homenagens", conta o ex-combatente Raimundo Nonato Ximenes, hoje com 93 anos.
A trajetória vivida há sete décadas é revisitada de forma lúcida. A história é narrada também pelo olhar. Aos 21 anos, o jovem semianalfabeto foi retirado da agricultura em Groairas - cidade localizada a 220Km de Fortaleza - para servir ao Exército. Treinado para ir à Itália "teve sorte" e não embarcou.
Ao ex-combatente coube ficar na Capital e defender a orla, junto a outros soldados. Treinou, passou por sustos e vigiou. As ameaças iminentes de ataques dos países do Eixo à costa brasileira não deram descanso.
Processo
Quem viveu a guerra sabe que não há romantismos no conflito. O processo é traumático. Da escolha voluntária por "defender a pátria", feita aos 17 anos, o major José Maria Veras, que passou oito meses na Itália, lembra bem ainda hoje dos tiros de canhões ouvidos assustadoramente na fronteira das áreas ocupadas pelas tropas brasileiras.
O desejo entre os que guerrearam no passado - movidos por patriotismo, mas, sobretudo, pela necessidade de sobrevivência - é de paz. Há ainda muita torcida para que as marcas da história não se dissolvam no tempo. "Muitos disseram que éramos apenas 'bucha de canhão'. Isso dói. É preciso valorizar o que foi vivido", defende o pracinha Raimundo Ximenes, expondo o que talvez seja o maior desafio para a história coletiva. Não apagar a memória da maior guerra mundial que feriu e redimiu milhões.
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