terça-feira, 1 de setembro de 2015

Sistema está em colapso, afirma juiz da Infância

Do ano passado até agora, já ocorreram 40 rebeliões. Entre os meses de abril e maio, três das seis unidades estão interditadas, Dom Bosco, Patativa do Assaré e Dom Aloísio Lorscheider, por isso não podem mais receber ninguém
"O sistema de ressocialização para adolescentes e jovens em conflito com a lei no Ceará está em colapso desde o ano passado e o que vivenciamos hoje é uma verdadeira tragédia humana". O desabafo é do titular da 5ª Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, Manuel Clístenes Gonçalves. Segundo ele, a rebelião ocorrida na noite da última sexta-feira (28), no Centro Educacional São Miguel, no Passaré, teve a superlotação como principal motivador. Naquele dia, aponta ele, a unidade acolhia o quádruplo de sua capacidade de 60 jovens.
"Não tem como sustentar. Do ano passado para cá, já são 40 rebeliões, e note que desde abril/maio, três das seis unidades estão interditadas - Dom Bosco, Patativa do Assaré e Dom Aloísio Lorscheider - e não podem mais receber ninguém", informa ele.
Os três centros que sobraram, afirma, o São Miguel, o Passaré e o São Francisco, estão nas mesmas condições, ou seja, têm capacidade para 200 e somam 660 internos, sendo o primeiro com a situação mais agravada. "Estão com suas estruturas destruídas, insalubres e não têm contribuído com a ressocialização de adolescentes e jovens infratores", analisa o magistrado.
Falido
O sistema, frisa, está desde 2011 em franca deterioração e, do ano passado para cá, entrou em esgotamento total. "Com a interdição de três, houve outro fator muito ruim: a mistura de idades e de situações diferentes. Ali, antes não tinham registros de incidentes mais graves, passaram a ter, culminando com o que se viu no fim de semana e mais: dos 240 internos, 68 fugiram e um foi morto (o adolescente Malcom Jonas Lima do Nascimento, 17, filho do presidente da Central Única das Favelas - Cufa, Preto Zezé). A sociedade está ainda mais preocupada e volto a repetir: estamos diante de uma tragédia anunciada há quatro anos. O filho do Zezé é apenas mais uma vítima desse sistema falido", ressalta.
O juiz diz que não há mais medidas paliativas que possam ser tomadas e que a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) precisa adotar atitudes que resolvam os problemas. "Existe a promessa de inaugurar o Centro de Canindezinho, no entanto, corre o risco de começar já com problemas. Já estamos avisando sobre a questão e o governo foi levando".
O alerta de entidades não é de hoje. No início de março, uma petição, elaborada pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), pelo Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), foi enviada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pedindo medidas necessárias para proteger a vida e a integridade física dos adolescentes privados de liberdade no Ceará.
Entre os problemas relacionados, estão possível prática de tortura como forma de sanção disciplinar, abolição do isolamento compulsório ilegal de adolescentes internados, a chamada "tranca", possíveis crimes administrativos, falta de profissionais e infraestrutura física precária.
Paredes
"No São Miguel, transformaram uma sala de aula em dormitório e os internos derrubaram paredes que separavam os quartos e fizeram um salão onde circulam sem problemas", diz Clístenes. Para representantes do Fórum, o sistema chegou ao ápice e não funciona mais. Na época, o assessor jurídico do Fórum DCA, Rafael Barreto, chamou atenção para o fato de que nas três unidades interditadas parcialmente pela Justiça, mais de 140 adolescentes fugiram nos último anos. Nos outros três, a lotação supera 400%, com fugas e motins diários, conforme o documento entregue ao CIDH.
Manuel Clístenes volta a focar na questão da necessidade urgente de novos equipamentos. "Faz um tempo que a sociedade aguarda por um dos três prometidos pelo governo. "Não se sabe nem que será transferido para o de Canindezinho, se os de menor idade ou os acima de 18. Eu defendo que os mais novos sejam os preferidos, porque, mesmo já constatando algumas vulnerabilidades nesse que ainda nem foi entregue, essa faixa etária mais nova tem maior probabilidade de ressocialização. Não que os outros não tenham, mas esses têm mais chances".
A STDS coordena 15 centros educacionais, sendo nove na Capital e seis no Interior - Crateús, Iguatu, dois em Sobral e mais dois em Juazeiro do Norte. Hoje, as nove unidades de Fortaleza ofertam 500 vagas e reúnem 817 internos. No Interior, são 141 vagas e apenas 87 internos

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