segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Burocracia custa caro à administração pública

O professor Vladimir Spinelli afirma que servidores públicos não compreendem como o excesso de burocracia prejudica a relação custo-benefício ( FOTO: TUNO VIEIRA )
Criada na tentativa de reduzir a burocratização na administração pública, a Comissão de Juristas da Desburocratização do Senado Federal tem até dezembro deste ano para elaborar alternativas à legislação com esse objetivo e reduzir o impacto financeiro provocado pelo problema. Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste apontam, contudo, que o processo tem de ir além da atualização de leis e avançar também sobre o ponto de vista da transformação cultural do serviço público e da sociedade.
O professor Vladimir Spinelli, diretor do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará (UECE), afirma que a burocracia na administração pública brasileira funciona como "burrocracia", alegando que mecanismos de controle criados mais atrapalham do que ajudam. "Em vez de facilitar o processo, torna tudo mais difícil. Transformam em processos muito longos e invisíveis, pois obedecem a pontos da legislação que o estrangulam", salienta.
Licitações
Vladimir Spinelli cita que a forma como é utilizada a Lei de Licitações é exemplo de quando o mecanismo de controle é mais responsável por atrapalhar o processo, além de encarecê-lo. "A Lei de Licitações, quando foi criada, eu dizia que estávamos tentando criar uma legislação por causa do princípio de que todo servidor público era ladrão. E eu estava certo. Ela hoje mais embaraça do que ajuda no processo. Permite todos os desvios, torna mais caro o processo e não dá a necessária transparência".
Na visão de Spinelli, qualquer avanço assegurado pela comissão do Senado só será efetivo se for buscado impacto no cotidiano da administração pública. "Essa nova ideia no Senado sempre vai ser bem vinda, mas precisa mexer com as repartições. Se elas não assumirem esse papel que é delas, não adianta ter uma lei mandando. A Lei de Licitações não é uma má lei, mas há sempre quem tenha mais agilidade que ela para burlar", explica.
O mais grave da burocracia, diz Spinelli, é o impacto financeiro. "Se fôssemos fazer uma estrada daqui para Sobral e ela fosse executada pelo serviço público, entraria no processo licitatório, ampliaria os gastos e, daqui a talvez um ano, começariam as obras. O que aconteceria se fosse executada pelo serviço privado? Estaria pronta", compara.
Precificar
O professor defende que a ausência da noção de quanto custa a manutenção de um aluno numa universidade pública ou de um paciente num hospital, por exemplo, afeta a capacidade do serviço público em compreender como o excesso de procedimentos burocráticos prejudica a relação custo-benefício.
"No serviço público não tem estabelecimento de preço. A minha ideia é precificar. Um aluno chegar ao final do semestre e ter uma fatura de quanto ele custou ao final do semestre. Isso é tanto para o lado do aluno quanto para o lado da universidade. Ele pode estar tendo custos maiores sem que tenham resultados para aqueles custos", ressalta.
Especialista em administração pública, o professor Matias Pereira, da Universidade de Brasília (UnB), argumenta que a lógica da burocratização só será superada quando todos os níveis do serviço público adotarem a meritocracia como meta. Ele defende que a missão de desburocratizar passa essencialmente pela capacidade em reduzir o excesso de gestores despreparados à frente da máquina pública.
"Se você não privilegiar esse aspecto e não parar com nomeações de cunho político, não vamos chegar a lugar algum. Uma administração conduzida dessa forma por pessoas incompetentes não vai a lugar algum. É uma administração que não responde as necessidades da população e só vai ser alterada quando a população despertar para isso".
O professor Álvaro Martim Guedes destaca que muitos setores da gestão não pensam na inovação e tecnologia como aliadas da desburocratização. "No Brasil, o setor público, no sentido de uma visão mais abrangente, teve um avanço muito forte nos anos 90, mas não foi feita a continuidade Não há inovação, atualização. É um processo que deve ser permanente", frisa.
Martim Guedes completa que é preciso ter noção de que simplificar a administração é baratear custos. "Não precisa de um cartório para autenticar a cópia de um documento. Basta o servidor checar. Imagina a redução de custos se o processo fosse direto. Já existe assinatura eletrônica, autenticidade por meio do espaço eletrônico, mas os mecanismos são pouco aproveitados", lamenta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário