segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Formação de lideranças nacionais enfrenta crise

O ex-ministro Ciro Gomes é apontado como nome que teve projeção nacional, mas não teve espaço suficiente nos partidos pelos quais passou ( FOTO: HERMÍNIO OLIVEIRA )
A ausência de programas de formação mais profundos elaborados pelos partidos políticos, a quase inexistência de parlamentares no Congresso Nacional com ideais claros de projetos para a nação e a incapacidade de diversas grandes personalidades no âmbito estadual em galgar espaços mais amplos têm criado obstáculos enormes para o surgimento de lideranças com representação nacional e melhor capacidade para apontar saídas para a crise atual. 
A análise de especialistas em Ciência Política é que a democracia brasileira enfrenta momento de nebulosidade na formação de nomes com peso nacional, resultando em várias incógnitas sobre quando alguma personalidade política conseguirá outra vez reunir condições para se viabilizar como maior representante de determinado projeto, seja ele de esquerda, centro ou direita. 
Doutor em Ciência Política, o professor André Pereira, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), afirma que a formação de lideranças em âmbito estadual não cessou, mas ressalta que a maioria não consegue avançar pelo território nacional por ser naturalmente mais difícil garantir que o mesmo peso conquistado junto ao eleitorado de determinado estado se estenda aos eleitores de outras regiões. “(Alguns) partidos têm dificuldades porque são formados por lideranças locais. PMDB, DEM são partidos com lideranças de estados. Eles não conseguem ultrapassar o plano local”, pontua.
Poder nos estados 
André Pereira destaca que, para algumas lideranças, manter o poder nos estados é muito mais cômodo. Ele cita que o atual governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, já está no terceiro mandato, possui influência política forte na região, mas preferiu nunca se arriscar em âmbito nacional para evitar até perder força no reduto eleitoral de origem. “A política nacional não é para qualquer um. É muito mais fácil construir a força no Estado, tentar se projetar dentro do partido. Antônio Carlos Magalhães fazia isso, Sérgio Cabral tenta fazer isso querendo ganhar força dentro do PMDB”, explica. 
O cientista político ainda lembra que Ciro Gomes também já tentou essa projeção nacional anteriormente, mas nunca conseguiu. André Pereira frisa que o fortalecimento de qualquer liderança sobre todo o território nacional ainda depende muito do investimento que o partido faz e cita que o ex-ministro foi vítima da falta de mais espaço nas legendas que já ingressou. 
“Ciro foi vítima desse processo. Quando ele começou a tentar investir nesse caminho, acabou sendo impedido porque não teve, por exemplo, as condições que o Lula teve dentro do PT, que sempre insistiu no nome dele. Para ter essa projeção, na maior parte das vezes, você tem que ter cargo. Tem que ficar aparecendo, tem que sempre se projetar como liderança, ficar insistindo”, esclarece.
O docente completa que a dificuldade na formação de lideranças nacionais provocou ao longo da história brasileira o investimento em apadrinhados políticos, fragilizando a capacidade destes em sustentar o legado dos antecessores. “É mais fácil acontecer o que várias vezes aconteceu, que é lançar o poste. Lula elegeu a Dilma. É o poste mais conhecido. É bem mais fácil investir no poste, até na expectativa de que essa figura saia depois e o que está lá volte. Isso é o mais comum na política brasileira”. 
Preparação
O cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), classifica como grande problema o fato de os partidos não se preocuparem com a formação a longo prazo de lideranças nacionais. “Lula competiu, competiu, e finalmente chegou lá. Mas era o único que o PT preparou. Desde então o PT não preparou nenhum. Dilma não foi preparada. O partido tem que preparar lideranças”, avalia. 
David Fleischer lembra que, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conquistou espaço dentro do PSDB e se credenciou à disputa pela presidência da República, antes ele se consolidou à frente do Plano Real. Para o professor, as personalidades políticas hoje enfrentam série de obstáculos para se colocar como principais idealizadores de projetos primordiais ao desenvolvimento do País, dificultando a capacidade de atração do eleitorado em nível nacional. 
O docente ainda pontua que as maiores lideranças não conseguem atualmente conquistar o consenso nem mesmo nos próprios partidos. “Michel Temer tenta se jogar para assumir esse papel. É um político experiente, mas não pode dizer que é um líder nacional de consenso, porque não consegue apoio nem de todo o PMDB. O PMDB tem 27 tendências, porque cada estado é uma tendência”, diz Fleischer.
O cientista político Ricardo Ismael, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, analisa que o perfil de quem compõe o Legislativo é o que mais denuncia a dificuldade atual para o aparecimento de grandes lideranças. “O problema maior é no Parlamento. O Parlamento, nos últimos anos, tem tido um papel muito subordinado ao Executivo que inviabiliza as chances de qualquer parlamentar ganhar espaço de mais destaque”, defende. 
Ricardo Ismael afirma que, no regime militar, o Congresso Nacional cumpria papel substancial na formação de lideranças. “Eram ali que tinham as referências da resistência democrática. Hoje eu acho que isso mudou. O Executivo ganhou poderes legislativos. O Legislativo ficou muito mais acanhado nessa relação entre os três poderes. A rigor, as pessoas não dão muita bola mais para deputados e senadores”. 
Diálogo
Para Ricardo Ismael, o cenário só mudará quando o Legislativo passar a atuar de acordo com a pauta própria. “Quando você olha a relação da presidência com o Congresso Nacional ou a relação governador com as assembleias legislativas, vai perceber que geralmente é o governador que faz a pauta, quem gera a discussão. Isso só vai mudar se o Parlamento fortalecer as ações legislativas, se ampliar canais de diálogo com a sociedade”, alega.
Osmar de Sá Ponte, professor da Universidade Federal do Ceará, corrobora a avaliação dos demais ao afirmar que o corporativismo dos partidos o tornam estruturas limitadas na formação de lideranças nacionais. “Todos os partidos, sem exceção, são corporativos. Não tem político propondo uma pauta que transcenda a interesses menores, comprometendo a construção de um futuro promissor”, reforça.
Por essa razão, Osmar Ponte diz não acreditar que a mudança neste cenário venha dos partidos políticos. “É a sociedade civil que precisa chamar para si esse debate estratégico. A sociedade tem de exigir desses partidos que compreendam que a população está carente de projetos nacionais. Se não partir da sociedade, eu não creio”, pontua.

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