segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Crise política amplifica traições partidárias

O deputado Domingos Neto diz que o recém-criado Partido da Mulher Brasileira ainda não definiu posição a seguir no Congresso Nacional ( FOTO: ÉRIKA FONSECA )
Em um cenário político conturbado e com desenrolar imprevisível, a lente que identifica aliados e opositores do Governo Federal por vezes carece de nitidez. Entre governistas convictos e oposicionistas ferrenhos, há uma nuvem de congressistas cuja postura é definida de maneira circunstancial. Um dos refúgios para esses deputados tem sido a estratégia do voto secreto, mas o mecanismo divide a opinião de cientistas políticos e parlamentares.
Na última quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inválida a votação secreta na Câmara Federal que escolheu a chapa para analisar o impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Articulada pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha, que faz oposição ao Palácio do Planalto, a chapa alternativa eleita se contrapunha à oficial, em que os integrantes foram indicados pelos líderes partidários. Na prática, a Corte Suprema deslegitimou o rito conduzido por Eduardo Cunha.
O deputado federal Domingos Neto (PMB), apesar de se intitular aliado do Governo Federal, diz que a votação foi secreta por ser considerada uma eleição. Ele acrescenta que o Governo Federal deve mostrar unificação de sua base aliada em outras votações na Câmara e não apenas naquelas referentes ao impeachment. O parlamentar também acredita que a presidente da República deve se aproximar do Congresso Nacional.
"Desde o Governo anterior que deve haver melhor diálogo. Nesse ano já mudou muitas vezes o núcleo de articulação política do Governo. Precisamos que tenha participação maior da presidente da República, chega um ponto que essa função é intransferível", reforça.
Outra característica do clima político atual é a falta de unidade das legendas. Esse fenômeno tem se ampliado com a criação de novas legendas. Domingos Neto, por exemplo, trocou recentemente o PROS pelo recém-criado Partido da Mulher Brasileira, o PMB. Questionado sobre a postura na nova sigla, da qual é líder na Câmara Federal, ele admite que a agremiação está dividida, uma vez que metade dos parlamentares filiados à legenda é oriunda na base aliada e o restante saiu das fileiras de partidos de oposição ao Governo.
"O nosso partido ainda não tem posição formada, existem pessoas que eram originariamente da oposição e outras do Governo, estamos iniciando as discussões sobre posições internas. O que já fechamos é que, se a pauta da Câmara for boa para o País, contará com nosso apoio", resume o líder do PMB.
Líderes
Na última semana, Domingos Neto participou de reunião com outros líderes e o presidente da Câmara Federal, o deputado Eduardo Cunha. No Facebook, o secretário do Turismo do Ceará, Arialdo Pinho, divulgou a notícia no seu perfil do Facebook insinuando que o parlamentar estaria apoiando Cunha. Na mesma rede social, Domingos Neto negou apoio ao presidente da Câmara e respondeu duramente as alfinetadas de Arialdo.
Para o deputado Arnon Bezerra (PTB), ao usarem votações secretas para trair o partido (da base e da oposição) ou o Governo, parlamentares prejudicam a imagem do Legislativo, mas pondera que não se deve polarizar o cenário entre aliados de Dilma e de Cunha. "O que a gente sente é que depõe demais contra o parlamento, há um fator marcante nesta disputa entre o Executivo e o Legislativo, mas existe nos simpatizantes do Cunha muita gente que vota com a Dilma", alega.
A despeito das traições pontuais de deputados, Arnon Bezerra explica que, nas situações decisivas, fica claro quem está a favor ou contra o Governo. "Base é base e oposição é oposição", sintetiza, defendendo que o Executivo deve reforçar o diálogo no Congresso Nacional. "A relação com o Legislativo sempre foi muito importante. Essa disputa passa mais por uma questão de vaidade", completa.
Aliado do Governo Federal, o deputado Chico Lopes (PCdoB) aponta que parlamentares com clareza do seu posicionamento não mudam o voto, independentemente de ser aberto ou secreto. "Para as pessoas que têm compreensão política e segurança, tanto faz ser secreto ou aberto, ele procede de uma única maneira. A política no Brasil se dá muito no toma-lá-dá-cá. Com esses processos em crise, se aguça cada vez mais", opina.
Chico Lopes avalia que o voto secreto também dificulta identificar com clareza quem está de fato ao lado do Governo. "No voto fechado, a sua palavra vale tanto quanto a do que traiu. Não é uma questão de ser valorizado, é de caráter", pontua.
Retaliação
O professor de Ciência Política Edir Veiga Siqueira, que leciona na Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que, em algumas ocasiões, o voto secreto tem o papel de proteger os congressistas das retaliações do Poder Executivo federal. "Imagina o cenário em que a Câmara Federal instaure o processo de impeachment, chega no Senado e ele nega, é de se esperar que o Governo vai punir os infiéis", exemplifica o pesquisador.
Na avaliação do docente, os eleitores devem "vigiar" seus representantes em votações relacionadas a políticas públicas. "Chamamos isso de controle vertical do representante. O voto secreto foi instaurado em temas em que deputados poderiam ser constrangidos pelo próprio Executivo, no caso, passando por cima da legislação", relata.
Já o cientista político Clésio Arruda, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), avalia que, pela complexidade dos acontecimentos recentes e pelo envolvimento do eleitorado nas repercussões dos escândalos, o voto aberto garante a transparência dos atos públicos. "A sociedade toda está tensionada e acompanhando os passos da política. Todos os parlamentares estão sob supervisão do eleitor, o voto aberto está se confrontando com a opinião pública", diz.
Barganha
O docente relata que o voto aberto diminui o jogo dúbio no Parlamento e obriga os deputados a considerar o impacto daquela decisão diante do eleitorado. "No voto fechado, aumenta o poder de barganha. No voto aberto, é a situação contrária, ele fica exposto e a tendência é de um voto ideologizado, porque ele tem que dar satisfação à opinião pública, fica mais difícil de entrar em contradição".
Clésio Arruda também aponta que o Brasil pode passar por um processo que ele chama de "paralisação da República" com a descoberta de tantos escândalos de corrupção que alteram o cenário político cotidianamente. "A tendência é que ele (Eduardo Cunha) arraste metade (da Câmara Federal, quando for afastado). É uma questão posta para a sociedade, é uma novidade política. Agora até a oposição está com situação difícil de articular com tantas denúncias em curso e outras que poderão vir", pontua o estudioso

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