Crato. Um ofício que acabou se tornando um hobby. Aos 80 anos, a aposentada Raimunda Maria de Freitas, conhecida por "Mundinha", residente em Crato, ainda costura bonecos. Há mais de cinco anos começou a costurar as calungas e tem feito sucesso com o seu trabalho. Uma atividade que considera especial, para lembrar da infância em Caririaçu. A mulher aprendeu com a mãe esse ofício e nunca esqueceu.
O primeiro boneco confeccionado pela artesã foi do Padre Cícero, um ato de devoção ao santo popular tão falado durante a sua infância no sertão. Depois vieram outros personagens famosos, como Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré, Lampião e Maria Bonita e até mesmo o Beato José Lourenço, as inspirações na cultura sertaneja que ela tanto aprecia.
"Eu fazia os bonecos para lembrar dos tempos da minha infância, da minha mãe querida, que era uma santa. Ela sentava no chão com seu balaio e os pedaços de pano e costurava a mão", relata Mundinha.
As roupas eram poucas. Ela lembra que sua primeira sandália foi comprada quando tinha dez anos e foi uma felicidade só. Tempos difíceis, mas vividos com muita alegria, ao lado dos pais e dos dez irmãos.
Marcantes
Dona Raimunda Maria saiu de Caririaçu aos 18 anos de idade, para cuidar das crianças do fazendeiro para o qual seu pai vaqueiro trabalhava. Mas nunca esqueceu da vida feliz na fazenda Serra Verde, e, toda vez que costura, volta no tempo e relembra parte da infância.
Os bonecos confeccionados ficaram marcados na região e famosos em outros Estados. Muitas pessoas já passaram na casa dela para levar uma lembrança. Além dos personagens sertanejos, ela já fez o ex-presidente Lula, o cantor Michael Jackson, a turma do Chaves, o jogador David Luiz e até mesmo a presidente Dilma Rousseff.
Com uma alegria de viver de dar inveja a qualquer pessoa, além do seu artesanato de bonecos, ela adora fazer poemas. Mundinha se acha ainda uma criança, "Todos temos dentro de nós uma criança, eu ainda sou uma criança, lá no meu sertão. A criança sertaneja é feliz de qualquer maneira", enfatiza.
Poesia
Quando criança, o pai lhe ensinou a escrever o nome. Mas aprendeu a ler oficialmente aos 60 anos, terminou o ensino médio aos 63 e não parou mais de escrever. Ela possui um caderno só de poemas e pretende lançar ainda um livro sobre a sua história, que já está escrevendo. Os seus versos ficarão marcados. A lira da bonequeira traz a sua história de vida e a percepção de mundo, em forma de poesia.
Desafio
A brincadeira para as Bonequeiras do Pé de Manga já dura mais de dez anos. A sombra da árvore nem existe mais, mas elas estão criativas, produtivas e felizes com o trabalho que destacou o grupo, também em Crato.
O compromisso de fazer o que se gosta se tornou uma atividade artesanal de resgate de uma tradição, além de se utilizar o produto final como instrumento terapêutico, por meio do Tatadrama, que é uma forma de Psicoterapia. A ideia de confeccionar as bonecas veio a partir de uma psicóloga de São Paulo, Elizete Leite. Não por acaso, a sua prima, Gertrudes Leite, foi a grande contemplada com uma mudança de vida, a partir do momento em que aceitou o desafio de pesquisar e desenvolver a arte.
A alternativa redimensionou o cotidiano de dezenas de mulheres que já passaram pela Associação das Bonequeiras do Pé de Manga.
O exercício de buscar o aprimoramento, as lições de empreendedorismo, participação em feiras de vários Estados e a satisfação de saber que as bonequinhas estão em Cuba, São Paulo, e outras localidades do mundo, traz um alento para as mulheres. Algumas delas estão no grupo desde que foi criado, no bairro São Miguel. O refúgio para a atividade concentrada era a sombra das mangueiras.
Produção
Com agulhas, linhas e outros artefatos, a depender do modelo de boneca, as mulheres trocavam ideias, inspiravam e davam dicas uma as outras. Isso acontece hoje em dia, mas em menor intensidade, por conta da experiência acumulada.
São mais de 13 mil bonecas confeccionadas para o projeto voltado à terapia do Tatadrama. Atualmente há uma parceria com o Geopark Araripe. A artesã Maria do Socorro Silva afirma que, aos poucos, foi conquistando sua liberdade para poder produzir. Era difícil até elas mesmas acreditarem no seu potencial produtivo. "Sempre gostei das bonecas e hoje faço com o maior gosto. Me sinto bem fazendo", conta com alegria.
Atualmente, a anciã já não tem a mesma energia na produção. Porém, o tempo fez com que aprimorasse o esmero, a delicadeza e cada vez mais se sente inspirada para acrescentar ao mundo toda a riqueza lúdica percebida das bonecas.
Quando conversa, tem o dom de ensinar. Com a atividade artesanal foi amealhando conhecimentos que não serviram apenas para se refinar na arte, mas também para viver os altos e baixos da vida. Dona Raimunda ensina a ser paciente, mas, muito mais do que isso, a não perder jamais a alegria da fantasia. Assim, atravessou os anos de existência, da mocidade até os tempos de maturidade, com uma independência e sensibilidade que se converteu no bem viver.
Tempo
18 Anos foi a idade que dona Mundinha saiu de Caririaçu. A arte herdou da mãe e foi recorrendo à criatividade para expandir a produção que nunca parou
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