Como percebeu o cenário de funcionamento da Câmara Federal ao chegar, como parlamentar novato, a essa experiência no Legislativo?
Confesso para você que 2015 foi um ano bastante complexo na vida do País e o parlamento foi esse espaço de complexidade da situação política, econômica, do processo legislativo, até da judicialização, já que terminamos o ano com a República um tanto quanto judicializada. Diria que foi um ano de atividade parlamentar extremamente rico, do ponto de vista da dinâmica do parlamento e da atividade parlamentar, e me senti muito útil e produtivo no debate. Foi um ano de muito aprendizado, de muito trabalho, e que com certeza vai ficar na memória do meu mandato como um ano singular.
Em um balanço que fizemos da produção legislativa, contabilizamos, entre as proposições de autoria do senhor, oito projetos de lei, seis projetos de indicação, um projeto de decreto legislativo, cinco emendas na comissão e 90 requerimentos. O senhor falava também de 47 pronunciamentos. Diante desses números, quais são os maiores desafios para acompanhar e fazer tramitar tantas matérias?
Foquei a minha agenda parlamentar em algumas áreas que considero estratégicas para o Ceará. Quero ressaltar a área da saúde, que foi a agenda que norteou a minha vida; educação; ciência e tecnologia; a questão da segurança hídrica e a questão energética, principalmente no que diz respeito às energias renováveis, que são um grande potencial para o Ceará e para o Nordeste. Nesse processo todo, tive o privilégio de ser eleito presidente da Sub-comissão Permanente de Saúde. Nessa comissão, pautamos algumas agendas legislativas importantes, entre audiências públicas, debates sobre o financiamento do SUS, debates sobre a questão do funcionamento de sistemas de saúde, acompanhamos temas importantes, como a questão dessa situação grave da saúde brasileira com o aparecimento da microcefalia em função do vírus zika. Dentre os projetos que apresentei, queria destacar dois que considero importantes. Um, que é o projeto de lei 1645/2015, propõe que a gente crie um contrato organizativo interfederativo de ação pública entre o Ministério da Saúde, os Estados e os Municípios, para que a população não fique, às vezes, vulnerável nessa relação de um município para o outro, e que sejam garantidas as responsabilidades sanitárias dos entes da federação nessa relação. O outro projeto de lei que estamos apresentando é para criar o plano decenal da saúde. Hoje, os planos de saúde não são planos de Estado, são planos de governo e, muitas vezes, vulneráveis, porque quando muda o ministro, o secretário de Estado, muda o plano. Queremos um plano decenal, a exemplo do que aconteceu na educação, que possa ser votado nas casas legislativas criando um plano de Estado, com ações estratégicas de curto, médio e longo prazo.Em dezembro, durante o Fórum Internacional de Sistemas de Saúde Comparados, em Brasília, especialistas apontaram o financiamento adequado do SUS como um dos maiores desafios para o Sistema Único de Saúde do Brasil hoje. Como o senhor avalia a urgência desse financiamento?
O governo federal definiu a base do financiamento em cima do que a gente chama de receita corrente líquida, o que dá, a preço desse ano, em torno de R$ 110 bilhões. Nós entendemos que esse recurso precisa ser aumentado. O governo está trabalhando o orçamento do próximo ano com 13,2% da receita corrente líquida, e nós estamos propondo que vá para 15%, aumentando aí em torno de R$ 13 bilhões. É evidente que, para que a gente aumente os gastos, precisamos dizer de onde vamos tirar. O orçamento que foi aprovado para o próximo ano é um orçamento que já leva em consideração a possibilidade de aprovação da CPMF, uma contribuição financeira, e nós estamos defendendo que, se for aprovada a CPMF, os recursos já sejam destinados de forma tripartite. Uma parte para a União, uma para os Estados e outra para os Municípios. O maior estrangulamento da Saúde hoje se encontra nos municípios. A emenda constitucional 29, que se tornou lei complementar 141, define os percentuais de gastos nos orçamentos dos Municípios, Estados e da União com saúde. Os Municípios têm que gastar 15% do seu orçamento, os Estados, 12%, e a União é essa equação que falei, em função da receita corrente líquida. Nós estamos propondo, numa perspectiva da CPMF, um aporte a mais para os Municípios, porque a maior parte deles está gastando 25%, 30% com Saúde, o que compromete outras áreas. Como a Saúde é uma necessidade de relevância pública, os Municípios acabam comprometendo mais do que é possível do orçamento com Saúde. Precisamos melhorar o cofinanciamento federal com Saúde para os Municípios.
Já falamos de proposições de autoria do senhor. Como parlamentar em primeiro mandato, é difícil conseguir articulação para fazer esses projetos avançarem na Câmara?
A Câmara é um espaço muito rico. Muitas vezes, as pessoas olham muito o plenário da Casa, mas é interessante que você tem deputado que tem perfil de plenário, tem deputado que tem perfil das comissões, tem deputado que tem perfil de articulação, então são vários espaços. Eu me senti muito acolhido, não só pela bancada do PT, mas pela área da saúde e outras nas quais já tinha militância, como educação, ciência e tecnologia. Esse espaço de produção legislativa nas comissões é muito rico. Outra coisa são as audiências públicas. A gente aprende muito nas audiências públicas, porque são espaços para os quais a gente traz a sociedade, traz o governo para debater temas. E é importante, porque constrói uma agenda. Outro espaço são as frentes parlamentares, que é um diálogo da Casa com a sociedade civil. E tive oportunidade de participar de três momentos importantes: duas CPIs - fui relator da CPI de órteses e próteses, e foi importante porque nós, a partir de denúncias da máfia de órteses e próteses, pudemos mergulhar profundamente nessa realidade do País; propusemos uma série de leis e normas para regular esse setor. Outra CPI que está sendo concluída é a do crime cibernético, e foi muito importante para mim mergulhar no marco civil da internet brasileira e ver no que o Brasil avançou. Fui relator também de uma proposta de emenda constitucional que cria a estrutura orgânica da advocacia pública brasileira. A Câmara tem esses espaços. Realmente foquei muito na saúde, mas aparece espaço em várias áreas, que, se você estudar, ler, debater e tiver a capacidade de dialogar com a sociedade, termina contribuindo em outras áreas e crescendo muito em espaço de atuação legislativa.
O senhor teve alguma decepção?
A minha surpresa negativa foi o espaço do plenário. A forma arrogante, prepotente e, muitas vezes, autoritária como o (presidente da Câmara) Eduardo Cunha conduziu a agenda legislativa empobreceu muito o debate da agenda de plenário. Diria que se a gente teve um espaço rico de produção legislativa nas comissões, nas audiências públicas, acho que o espaço do plenário foi muito pobre. De forma autoritária, Cunha usou de várias manobras para impor uma agenda conservadora. Diria que essa legislatura foi, nos últimos anos, uma das que mais tiveram uma agenda conservadora sendo pautada. E o Eduardo Cunha, para pautar essa agenda conservadora, inibiu o debate, foi de forma muito autoritária, o que acho que empobreceu esse espaço importante que é o plenário. Termina tendo uma agenda em que você orienta os partidos e todo mundo, mais do que debater, discutir e aprofundar os debates, segue as orientações partidárias. Esse foi um lado da surpresa negativa, o lado pobre e autoritário da forma como o presidente da Casa conduziu as votações em plenário. E isso se mostrou, inclusive, pela forma como, mais recentemente, usou a presidência da Casa para fazer manobras não só em plenário. O STF reprovou a forma como ele conduziu a votação para a comissão da análise do impeachment. Fez votação secreta, que não era necessário, e também chapas duplas, quebrando o regimento no qual você apresenta (os nomes) pelos partidos, pelos blocos de líderes, além do conjunto de manobras que fez no Conselho de Ética impedindo a investigação.
O senhor é membro suplente do Conselho de Ética da Câmara, acompanha todo o processo, as sessões. Depois da admissibilidade do parecer do relator Marcos Rogério pela continuidade das investigações contra o deputado Eduardo Cunha, como percebeu o pedido da PGR de afastamento dele do cargo de deputado federal?
É uma consequência de um conjunto de fatos que envolvem o deputado Eduardo Cunha. Em vez de estar preocupado em construir um ambiente para o enfrentamento da crise, ele aprofundou a crise política. Depois, mostrou-se que tinha um conjunto de evidências de envolvimento dele em fatos de corrupção dentro do governo, e ele passou a usar a presidência da Câmara para manobras regimentais, seja no plenário, seja na Comissão de Ética. Eu diria que a tendência é que, uma vez admitido (o parecer), sejam colocadas as evidências e seja discutida e votada a questão do decoro parlamentar, porque o que está em discussão é o fato de ele ter dito que não tinha conta no exterior e apareceram evidências que tem. Isso é uma falta de decoro importante. Acho que o que foi feito pelo procurador-geral da República é pelo fato de a gente estar entrando em um processo de judicialização da República brasileira. Esse ano foi muito rico nesse sentido. Primeiro, tivemos um senador que, em pleno exercício, foi preso, o Delcídio do Amaral; nós tivemos situações, agora, em que parte do processo do rito de impeachment foi judicializada e o presidente da Casa foi judicializado. Vamos aguardar para ver como o Supremo Tribunal Federal vai ver essa situação, mas há várias evidências da forma como ele conseguiu articular o fato de estar na presidência da Mesa Diretora da Casa para obstruir o andamento do processo no Conselho de Ética.
Essa judicialização é positiva?
Isso faz parte de um processo de amadurecimento democrático. Estamos vivendo um momento em que um poder está o tempo todo olhando para o outro, analisando. Acho que essa judicialização, de certa forma, mostra que algumas estruturas da democracia ainda estão muito incipientes. O processo de impeachment - que eu, como deputado federal, considero ilegítimo - está sendo judicializado. O presidente da Câmara tem uma série de problemas graves de corrupção que estão sendo apurados e faz de conta que nada está acontecendo, e isso levou à judicialização. Diria que a judicialização, de um lado, é a certeza de que as estruturas da democracia brasileira estão funcionando. Por outro, é ruim que isso aconteça, mas é melhor acontecer do que ter uma crise institucional. Pelo menos você tem ali a segurança de que os três poderes, trabalhando em harmonia, podem dirimir dúvidas em relação a situações de crise institucional, como está acontecendo.
Deputado, em setembro deste ano, a imprensa noticiou, de forma ampla, uma possível ida sua do PT para o PROS, inclusive para assumir a liderança do partido aqui no Estado. Isso não aconteceu. Mas, apesar de não ter acontecido, é alguém de indicação do senhor que ocupa essa liderança hoje. Isso é assunto encerrado ou ainda há a possibilidade de o deputado Odorico Monteiro migrar de partido?
Estou há 35 anos no PT. Construí o PT desde 1980 até hoje, então a minha história se confunde com a história do PT na Saúde. Não tem uma política de saúde do PT da qual eu não tenha participado. Participei da organização do plano de governo de todas as campanhas do Lula, fui eleito o primeiro presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde do PT. Evidentemente, quando saí das políticas públicas do Executivo e fui fazer disputa do espaço partidário, passei a vivenciar os traumas do que isso pode representar na minha relação com o partido. Fui perseguido na campanha, na pré-campanha; setores da direção do partido não queriam a minha candidatura. Praticamente não recebi apoio nem do partido estadual, nem do partido nacional. Depois da eleição, você permanece sendo (alvo) de disputa pequena. Isso termina trazendo um desgaste para a situação partidária. Parte dessa questão (de ir ao PROS) surgiu desse processo de desgaste nosso com a direção do PT, e, por outro lado, quando houve a saída do grupo do Cid e do Ciro (Gomes) do PROS, o partido procurou grupos políticos do Ceará que fossem novos, tivessem certa independência e pudessem dar continuidade ao esforço para que o partido não desaparecesse do Estado com a saída deles. E aí o Valdetário (Monteiro), meu irmão, que é o atual presidente da OAB, foi procurado pelo grupo, me procuraram também, e indicamos o nosso amigo Leandro Vasques para assumir a presidência do partido. Evidentemente, me convidaram para ir para o partido. Eu disse que não podia, porque sou do PT. Mas, como está sendo votada a janela (partidária), criou-se toda uma expectativa em torno disso. Eu diria que isso não está posto ainda dessa forma. É uma discussão em aberto, mas a relação que o nosso grupo está estabelecendo com o PROS tem sido muito boa. Minha formação é de centro-esquerda e eu vou tentar, para onde for ou dentro do PT, tensionar para construir políticas públicas nesse campo com o qual tenho mais identificação.
*Deputado federal
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