Na comunidade que cresceu beirando o mar, cresceu também José Osmir. É no Titanzinho que, dos 49 anos de vida, ele vive há 42. Membro da Associação dos Moradores, o pequeno empresário - ex-pintor industrial - aprendeu, com o tempo, que algumas mudanças só chegaram ali com reivindicação coletiva. Outras ainda são motivo de cobrança, mas, na luta comunitária, José conta que sente falta de iniciativas do poder público que efetivem a participação popular na construção das políticas municipais e estaduais. A comunidade continua falando, mas quer ser ouvida na mesma proporção.
"Faltam ferramentas de participação, de apoio, de incentivo por parte do Governo (do Estado) e da Prefeitura (de Fortaleza). O que falta aqui nesse bairro é um colégio de Ensino Médio. Não tem nenhuma farmácia, nenhum banco. As comunidades estão desamparadas. O poder público só lembra que o Titanzinho existe na época de política, porque aqui é curral eleitoreiro, aí chove de candidatos", critica.
Atualmente, a Prefeitura de Fortaleza e o Governo do Estado têm canais de comunicação que se propõem a incentivar o diálogo entre a população e os gestores. Além das ouvidorias, a Coordenadoria Especial de Participação Social, em âmbito municipal, e a Assessoria Especial de Acolhimento aos Movimentos Sociais, coordenada pelo vereador licenciado Acrísio Sena, ligada ao Executivo estadual, são os órgãos responsáveis por essa missão, cuja efetividade ainda é questionada pela sociedade civil. Para alguns, à medida que as demandas não têm desdobramento prático e falta pluralidade de representação nesses espaços, o diálogo acaba não sendo plenamente democrático.
Orçamento
Criado pelo prefeito Roberto Cláudio, o Ciclo de Planejamento Participativo é considerado "incógnita" pela advogada Luanna Marley, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), articulação que dá suporte a movimentos sociais.
"A gente tinha o orçamento participativo, que tinha uma metodologia que passava por assembleias deliberativas, e mesmo no orçamento participativo havia desafios, dificuldades em relação à implementação, mas havia um mecanismo de diálogo com a população e os movimentos sociais. Qual é a metodologia de participação popular e política que a Prefeitura tem e em que medida isso chega à população?", questiona.
No modelo da atual gestão municipal, "a população tem a oportunidade de eleger as demandas consideradas prioritárias para o seu bairro e que vão fazer parte da Lei Orçamentária Anual (LOA)", informa a Coordenadoria. Em 2015, 2.148 pessoas participaram das assembleias de eleições das demandas prioritárias nas seis regionais da Capital. No total, 463 demandas foram cadastradas, sendo 140 eleitas e encaminhadas à Secretaria Municipal do Planejamento, Orçamento e Gestão (Sepog) para avaliação técnica, financeira e jurídica da viabilidade e inclusão na LOA de 2016.
Além disso, segundo o coordenador do Planejamento Participativo da Prefeitura, Sildácio Matos, o Ciclo de Planejamento Participativo muda "as formas de administrar a participação social dentro do Município", elegendo os agentes de cidadania e controle social e os conselheiros do Conselho de Planejamento Participativo, criado em 2014.
"Os antigos delegados do orçamento participativo passaram a ser denominados agentes de cidadania e controle social. E foi determinação do prefeito Roberto Cláudio que reformulássemos o processo desses antigos delegados, atuais agentes", detalha.
Eleição
Para a eleição dos agentes, Fortaleza foi dividida em 32 territórios, cada um com cerca de quatro bairros. A cada cinco mil habitantes, um agente é eleito, totalizando 490. Além disso, no Ciclo de Planejamento Participativo, são eleitos 32 conselheiros e 32 suplentes para o Conselho de Planejamento Participativo, um para cada território, e 26 conselheiros indicados pela Prefeitura, um por cada órgão municipal.
"Esse modelo possibilitou a participação de mais de 13 mil pessoas, somente nas assembleias eletivas, que elegeram 468 agentes. Esses agentes, por sua vez, elegeram entre si, também em assembleia, os 32 conselheiros municipais do Planejamento Participativo", diz a Coordenadoria, em nota.
A oposição, porém, não reconhece o funcionamento do Ciclo como efetivamente democrático. Para o vereador João Alfredo (PSOL), "na Prefeitura de Fortaleza, a participação popular é para inglês ver". "Foi feito um conselho de governo que se reúne uma vez por semestre com o prefeito. A maioria dos membros é escolhida pelo próprio prefeito, não são representações da sociedade civil, são personalidades, amigos, pessoas próximas, os amigos do rei", ironiza.
Na comparação com o orçamento participativo, João Alfredo diz que o atual modelo é "um retrocesso". "O orçamento participativo, uma criação do PT lá no Rio Grande do Sul, na época em que o PT era PT, foi inclusive disseminado no Brasil todo e outras gestões, de outros partidos, adotaram. Essa nova forma que a Prefeitura criou nós nem sabemos como se dá", opina.
O coordenador do Planejamento Participativo diz que, neste ano, a ideia é introduzir eleições das demandas prioritárias por bairros na internet, visando o orçamento de 2017. "A partir de março, você pode cadastrar até três demandas que você julgue prioritárias para seu bairro, regional ou território no site da Prefeitura. Nós vamos divulgar uma data com o dia das eleições, em que cada regional vai poder votar as demandas, e as mais importantes vão para a Sepog".
Conferências
As conferências municipais também são alvo de críticas. Luanna Marley, advogada da Renap, chama a atenção para o fato de que acontecem depois das discussões orçamentárias. Assim, as demandas que resultam delas acabam nem chegando à lei orçamentária do ano seguinte.
"Houve a Conferência Municipal de Mulheres, LGBT, nos dias 30 e 31 haverá a de Habitação. Mas a Conferência de Habitação limita o número de delegados que podem participar. Diante da grande demanda por direito à moradia, inclusive por várias violações do próprio Estado e da Prefeitura, seria fundamental que as comunidades participassem em maior número de conferências como essas", defende.
Sildácio Matos, como representante da gestão municipal, reconhece que as conferências devem ser mais efetivas. "Temos que avançar nessa questão das conferências, a participação social tem que ser mais fomentada, e isso está encaminhado. As lideranças políticas têm ido às comunidades", argumenta.
Ele acrescenta que a Coordenadoria Especial de Participação Social realiza mobilizações e reuniões nas comunidades. As mobilizações, diz a Prefeitura, têm o objetivo de divulgar e convidar a população a participar das inaugurações e eventos da gestão. Já reuniões nas comunidades são solicitadas pelas lideranças para que a gestão leve informações sobre obras e ações já realizadas e/ou em andamento na cidade. Em 2015, foram contabilizadas 141 mobilizações e reuniões em comunidades da Capital.
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