Juazeiro do Norte. Começa um trabalho de busca ativa dos casos de hanseníase neste Município. A cidade vivencia uma hiperendemia, a transmissão intensa e persistente da doença, que se arrasta por vários anos sem redução. Há mais de dez anos, está com os níveis acima de 40 casos por cada 100 mil habitantes, índice considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como hiperendêmico.
Foram registrados, nos últimos dez anos, 1.521 casos, por meio do Centro de Dermatologia Sanitária e Doenças Infecto-Contagiosas, local para onde são direcionados os casos para diagnóstico e acompanhamento na cidade. Até mesmo em crianças de 5 anos, a doença vem sendo diagnosticada. Em 2015, a taxa foi de 40.22, para cada 100 mil pessoas, índice considerado altamente preocupante para uma doença que já poderia ter sido erradicada.
Diagnóstico
O Estado do Ceará, segundo o médico Benjamim Ribeiro, vive uma realidade crítica em relação à doença. Há quase quatro décadas ele acompanha pacientes em Juazeiro do Norte. O dermatologista diz que a hanseníase é endêmica no Cariri há muitos anos e, para o tratamento, é importante que seja diagnosticada no começo.
O problema não está relacionado apenas à busca ativa da hanseníase, mas ao acompanhamento dos doentes, que têm de conviver com o preconceito, até mesmo por parte de muitos profissionais de saúde, e toda uma estrutura de atendimento que precisa ser melhorada no Município. Segundo o diretor do Centro de Dermatologia, Luiz Evandro de Freitas, recentemente foi realizado treinamento dos profissionais do Programa de Saúde da Família (PSF), para terem informações relacionadas à forma de atendimento desses pacientes.
O trabalho de busca ativa foi iniciado em escola da Vila Três Marias, comunidade da periferia. Em todos os bairros de Juazeiro houve registros da doença, no ano passado, com maior número no Limoeiro, com sete pessoas; e Centro, Aeroporto e Pio XII, com seis em cada um. No ano passado, foram registradas 107 pessoas com hanseníase na cidade, isso sem um trabalho mais amplo para busca de casos. Em 2014, foram 195. São mais de dez novos casos em Juazeiro, segundo o médico, a cada mês.
Identificação
De acordo com o membro da executiva nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Faustino Pinto, coordenador do núcleo Juazeiro do Norte, a situação é difícil. Ele afirma que com os trabalhos de busca ativa, há mais de dez anos, se chegou a identificar cerca de 600 casos por ano.
"Em Juazeiro do Norte, temos um problema muito maior, por não haver um local onde as pessoas façam um tratamento com a questão das incapacidades. Como é uma doença degenerativa, as pessoas atingidas, e que foram diagnosticadas tardiamente, ficam sem referência. O PSF (Programa Saúde da Família) não faz nem um curativo básico, imagine desses pacientes, que têm um tratamento prolongado, com feridas de difícil cicatrização", lamenta.
Ele ainda ressalta a carência de profissionais na área de Fisioterapia para esse tipo de tratamento das pessoas com uma forma específica de sequela.
Cura
Com o diagnóstico no começo, há possibilidade de 100% de cura, conforme o médico Benjamim Ribeiro. Isso, enquanto está só na lesão, sem ter evoluído para os nervos.
"Sempre foi um problema de saúde, por ser uma doença dermatoneurológica e não apenas um problema de pele. Ela tira o doente numa fase produtiva do mercado de trabalho, porque aleija. Atinge os nervos e cria defeitos sérios numa fase avançada da doença", explica.
Contaminação
Mas ele alerta que tem cura quando se faz o tratamento em um ano, numa fase mais avançada. Normalmente, a partir dessa fase, o doente não transmite mais. A doença ainda não foi erradicada porque o tratamento da hanseníase precisa de diversos profissionais, com o diagnóstico precoce. O período de incubação é muito longo, de até três anos, e o paciente normalmente não tem ideia de onde contraiu a doença. Caso saiba, deve haver busca ativa constante na área onde ele contraiu.
Para o médico, o centro de saúde não pode ser um mero distribuidor de medicamentos, como acontece atualmente no Brasil. O paciente precisa ter um atendimento nos postos de sua área, onde todos os meses ele deve ser acompanhado, além de receber o medicamento.
"Quando complica, mandam para o centro de referência. Tem que haver uma equipe completa, com médico, enfermeiro, atendentes, uma sapataria, um centro completo de prevenção de incapacidade, com uma pessoa que possa fazer os curativos do doente e adaptação de calçados", afirma. Em Juazeiro ainda há um centro, com uma equipe, realidade que não existe em outras cidades da região.
Índices
Mesmo assim, ainda registra índices além do aceitável pela OMS. Agora, segundo Luiz Evandro, vem sendo estruturada uma sapataria, onde são trabalhados calçados específicos para as lesões sofridas pelos pacientes.
Por ser uma cidade de população flutuante, a situação se agrava. Todos os dias Juazeiro do Norte recebe romeiros do Nordeste, principalmente, e cerca de 300 vans fazem o transporte diário de passageiros de vários municípios, para visitar o comércio, conforme Luiz Evandro. "Ainda não conta com um saneamento básico adequado. Tudo isso pode ser vetor para a hanseníase", diz.
Faustino atua na comissão do Ministério da Saúde que aprova indenização de pessoas que foram isoladas nas colônias. Ele afirma que é importante fazer a busca ativa, apontando novos casos e quebrando a cadeia de transmissão, "mas é necessário melhor acompanhamento, inclusive psicológico, fisioterápico, médico-cirúrgico, e isso não funciona aqui e nem no Estado. Para a gente de movimento social, é um crime ver que existem crianças com a doença. Se existe, é sinal de que tem adulto transmitindo, de uma forma multibacilar, na comunidade", ressalta.
Ele fala de recurso de R$ 300 mil aprovado para investimentos na área, há vários anos, e que ainda não foi utilizado nas ações. Segundo Luiz Evandro, esses recursos começam a ser aplicados. O Ministério também repassa, conforme Faustino, dentro de uma campanha nacional, de R$ 25 a R$ 30 mil, por município, para fazer mobilizações nas escolas. Para ele, as campanhas em Juazeiro do Norte são pontuais, e é preciso que a Unidade Básica de Saúde da Família tenha um trabalho de acompanhamento, com continuidade em todas as áreas.
Como a transmissão da hanseníase é interrompida 48 horas após o início do tratamento, o Brasil teria todas as condições para eliminar a doença. No entanto, o País concentra o maior número de casos em todo o mundo. Segundo a OMS, o Brasil é o único país que não está em processo de eliminação da hanseníase - uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para 2015.
Para a OMS, "estar em eliminação" significa registrar até dez casos da doença por cada 100 mil habitantes. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, em 2014, 31.064 casos novos de hanseníase foram identificados em todo o País, o que corresponde a um coeficiente de prevalência de 15,32 novos casos da doença por cada 100 mil habitantes. No Ceará, 2.027 novos casos de hanseníase foram identificados em 2014.
É uma doença infecciosa, de evolução crônica (muito longa) que acomete principalmente a pele e os nervos das extremidades do corpo. É transmissível por meio da respiração. Mas esse contágio tem algumas características especiais: a pessoa, com a doença, sem tratamento e na forma transmissível, tem que ter um convívio prolongado com esse indivíduo.
Mais informações:
Centro de Dermatologia Sanitária e Doenças Infecto Contagiosas
Rua Tabelião João Macho, 195
Bairro Santa Teresa
Telefone: (88) 98816- 2918
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