Máscaras, chocalhos, tambores e outros instrumentos musicais invadem as ruas de Jardim, na região do Cariri (a 540 quilômetros de Fortaleza), durante a Semana Santa e mantêm uma tradição de pelo menos dois séculos. A festa dos Karetas de Jardim deve reunir cerca de 500 mascarados entre esta quinta-feira (24) e o Domingo de Páscoa (27).
O costume de cobrir o rosto com máscaras na Semana Santa deriva da prática dos agricultores de celebrar o início da colheita. Segundo o artista plástico Luiz Lemos, organizador da festa dos Karetas, a manifestação começou no século XIX.
De acordo com Luiz Lemos, era um movimento puramente rural, quando os agricultores colocavam o espantalho do roçado na cela de um animal e saiam pelos vilarejos pedindo donativos para encerrar o festejo, com toda comunidade reunida para comemorar a colheita.
Natureza
"Com o passar do tempo, foram ocorrendo inovações. A maior parte da comunidade se vestia com roupas rústicas, confeccionava máscaras com peles de animais e palha e usava o chocalho das vacas para chamar atenção”, acrescentou Lemos.
Folclorista e teatrólogo, Oswald Barroso vai mais longe no tempo e no espaço, identificando as origens desse costume de sair mascarado em manifestações que ocorriam em Portugal e na Espanha. “Os karetas são entidades encantadas da natureza, que se manifestam em grupos revirando o mundo, fazendo tudo o que não é permitido no dia a dia. São como palhaços que mexem com as pessoas e fazem muito barulho, provocando um caos pacífico e risonho.”
No Ceará, por volta da década de 1940, a celebração rural começou a chegar no ambiente urbano e a ganhar novos contornos. Lemos esclareceu que o espantalho, chamado pelo povo do campo de “Pai véi”, passou a ser denominado Judas e a festa se fixou no período da Semana Santa.
Para Barroso, a manifestação dos karetas entra no contexto bíblico como forma de não ser considerado “herético e passível de repressão”. O folclorista destacou que há outras festas de karetas no Ceará, mas que a mais consolidada é a do Jardim. “É uma festa que levanta o astral da cidade, do povo e tem o sentido de integrar. Com a galhofa que o kareta faz, as pessoas acabam entrando na brincadeira. O sentido é este: renovar amizades e desenfezar as pessoas.”
Judas
Os materiais utilizados para confeccionar as máscaras e os bonecos também passaram por modificações. Segundo Lemos, o “Pai véi” usado pelos agricultores era feito de madeira, palha, melão e cabaça. Atualmente, mãos, pés e a cabeça do Judas são de gesso e assumem a expressão de alguma figura nacional e que só é conhecida na Sexta-Feira Santa, quando o boneco desfila pelas ruas de Jardim. A festa também leva uma temática. Este ano, os participantes vão alertar para os casos de infecção pelo vírus Zika.
Aos moldes do Pau da Bandeira de Barbalha, município também do Cariri, há a prática de levar nos ombros o mastro onde o Judas será colocado. Este ano, será um eucalipto de 20 metros, que será fincado hoje no Estádio Municipal para abrir os festejos.
Os participantes da Festa dos Karetas também capricham nas máscaras, que são premiadas em um festival realizado no Domingo de Páscoa. Lemos informou que muitas pessoas usam máscaras de borracha, mas que o ideal são as de papelão e papel machê. Para isso, a Associação Cultural dos Karetas promove oficinas de máscaras na cidade.
“Mesmo com as inovações, a imagem do kareta continua intacta. É uma das formas que achamos para integrar o passado com o presente. Temos tido bom resultado, livrando-se um pouco dos apelos da modernidade. Existe um sacrifício, porque não é fácil manter uma tradição há tanto tempo. Envolve um grupo que trabalha para conscientizar a comunidade por meio de trabalhos educativos, porque as manifestações culturais estão se extinguindo. Um deles é promover oficinas e temáticas sobre a tradição nas escolas", explicou Lemos.
Identificação
Oswald Barroso acredita que a tendência dos karetas é se manter e se fortalecer. “Esse é o tipo de manifestação que sempre vai existir, pois faz parte do inconsciente coletivo. Agora é que ela vai ser mais valorizada, pois o novo processo civilizatório vai reabilitar a relação do homem com a natureza.”
Nos desfiles pelas ruas da cidade, somente karetas identificados com a carteirinha da associação podem andar mascarados. Após a festa, as máscaras premiadas são expostas no Memorial dos Karetas, instalado no Museu Histórico Municipal Joaquim Pereira Neves.
Agência Brasil
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