segunda-feira, 28 de março de 2016

Projeto de reforma política enfrenta resistência na Câmara

A crise política de consequências imprevisíveis que envolve o País tem levado milhões de pessoas às ruas para reivindicar mudanças no sistema política, sendo o combate à corrupção a pauta mais contundente. O que não se tem discutido com frequência é a existência de movimentos anteriores à onda atual de manifestações que já pediam uma reforma estrutural no sistema político. Cientista político cita a falta de incentivo para a participação social e certa dificuldade de a população conciliar as demandas da vida privada com a mobilização na esfera pública.
Uma dessas iniciativas é a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, encampada desde 2013 por instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A proposta compacta de reforma política - são quatro tópicos - buscava coletar 1,5 milhão de assinaturas para tramitar na Câmara Federal como projeto de iniciativa popular.
Da meta projetada, os organizadores conseguiram chegar a 1 milhão de assinaturas, o que já passou a ser suficiente após aprovação recente na legislação eleitoral que reduz para 500 mil o número de apoiamentos para que uma matéria seja enquadrada como iniciativa popular. Entretanto, não há boa vontade do presidente da Câmara Federal, o deputado Eduardo Cunha, em colocar a proposição para análise. É o que afirma o jurista Marcelo Lavènere, da comissão brasileira de justiça e paz da CNBB.
"Nosso projeto já foi entregue à Câmara Federal ano passado, foi assinado por um grupo de 120 deputados, mas o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sempre evitou colocar o projeto na pauta", ressalta Lavènere, explicando que a proposta já tem até número: 6.316/13.
Financiamento
Ao contrário de outros projetos de lei de iniciativa popular que têm um ponto central, como a Lei da Ficha Limpa, o material defendido pela Coalizão pela Reforma Política requer um tanto a mais de atenção do eleitor que vai assinar. Marcelo Lavènere lembra que um dos objetivos do projeto, o fim do financiamento de empresas nas eleições, já foi aprovado pelo Congresso Nacional e entrará em vigor no pleito deste ano. "Todos os escândalos dos últimos 15, 20 anos são originários de caixa dois", alega.
Outro ponto defendido pela campanha é a paridade de gênero nas eleições, com 50% das vagas parlamentares para mulheres e a outra metade para os homens. Também consta na proposta a realização de eleições proporcionais em dois turnos. Primeiro, o eleitor vota no partido (que indica previamente a lista de candidatos). Em um segundo momento, vota-se no candidato daquele agremiação.
A Coalizão pela Reforma Política pede ainda o fortalecimento dos mecanismos da democracia direta com a participação da sociedade em decisões nacionais importantes. Marcelo Lavènere, ex-presidente da OAB que assinou pedido de impeachment do presidente Fernando Collor em 1994, esclarece que o projeto se refere à aplicação de plebiscitos e referendos para que a população opine sobre a legislação. A metodologia, explica, difere do recall, em que eleitores podem destituir mandatários públicos em caso de insatisfação.
"Em vez de o povo só se manifestar de quatro em quatro anos, o poder legislativo convocaria o povo por consulta popular ou através do referendo", salienta.
Questionado sobre o processo de impeachment em andamento na Câmara Federal contra a presidente Dilma Rousseff, Marcelo Lavènere repete o que tem dito em entrevistas anteriores: fosse hoje novamente presidente da OAB, não assinaria um pedido de impeachment como fez há 24 anos. "Porque entendo que o pedido de impeachment que está na Câmara não contém nenhum crime que a presidente Dilma tenha cometido, as alegações são inconsistentes", opina.
Curiosidade
O integrante da comissão brasileira de justiça e paz da CNBB ressalta que, na campanha por assinaturas para o projeto, sentiu inclinação favorável da população à proposta. "Havia muita curiosidade da população, geralmente as pessoas não assinavam porque alguém estava pedindo, elas queriam saber que projeto era esse, se era um projeto para melhorar as eleições", relata.
O cientista político Ernani Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), justifica que a participação política da sociedade é um processo. "A participação política é um processo, não é da noite para o dia que você forja um país com perfil atuante. No Brasil, a gente tem uma tradição de resolver as coisas por lei ou decreto. É um instrumento que é válido, tenta trazer o povo, mas não cria os incentivos", contextualiza.
Ernani Carvalho diz que esse cenário é "um problema clássico das democracias". "Por que se adotou a democracia representativa? As pessoas não têm tempo de se dedicar à vida pública, têm suas tarefas. Isso exige tempo e recursos. O representante nem sempre está alinhado com o representando. Vamos ter sempre momentos de tensão", salienta.

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