domingo, 24 de abril de 2016

Falência da agricultura agrava êxodo para canaviais em SP


A longa jornada de trabalho, a distância da família e a inadaptação ao clima afligem os trabalhadores, mas são compensados com carteira assinada e salário em dia
Pereiro. A falta de emprego, proveniente da crise econômica, e a falência da agricultura, decorrente dos anos seguidos de seca, têm recrudescido o êxodo rural neste município e cidades vizinhas. Uma prática que já tinha diminuído com as denúncias de exploração barata de mão-de-obra voltou com força total, obrigando trabalhadores a deixarem seus lares e sua terra para uma estadia de até oito meses em cidades de São Paulo e Goiás.
A secretária de Agricultura de Pereiro, Joseane Silveira de Morais, estima que somente no ano passado deixaram o município cerca de 500 trabalhadores rurais. Neste ano, o fluxo somente iniciou, mas já é o bastante para verificar, segundo ele, a retomada da saída dos agricultores da região.
A falta de renda e outras fontes de subsistência é explicada, principalmente, pelos reveses seguidos na agricultura. Os investimentos públicos feitos para a agricultura irrigada foram malogrados e essa encontra-se totalmente desmontada. Na zona rural, vêem-se os canos quebrados e os tanques de água vazios. Nos locais onde antes havia plantio de mamão e manga, o mato tomou conta do lugar e as árvores foram cortadas.
Pereiro conta com uma população de 16.115 habitantes. Boa parte da oferta de emprego e renda provém da gestão municipal, que poderia abrir, neste ano, mais 150 vagas, em diversas áreas do setor público, mas a Câmara Municipal de Vereadores vetou a realização do concurso público.
A saída dos trabalhadores da cidade é vista até como um mal menor. O chefe de gabinete da Prefeitura, Dawidson Almeida, entende que a mobilização dos trabalhadores para outros Estados com uma agricultura estável e bem equipada é uma garantia de renda para muitos jovens e até pais de família, que não encontram na localidade fontes de subsistência.
"Estamos com anos seguidos de estiagem e isso fez secar o Açude Adauto Bezerra. Muitas famílias ainda arriscam a agricultura familiar e o cultivo de hortaliças irrigada com água que brota de cacimbões, mas é muito pouco para atender toda a comunidade", afirmou Dawidson.
Aliciamento
Com isso, organizou-se uma rede de aliciamento de candidatos a boias-frias em canaviais ou, como tem sido mais atual, na colheita de laranja em São Paulo e até em Estados onde é forte o agronegócio, como em Goiás.
O agenciador Lucivânio Alves observa que atualmente conta com pretendentes, não apenas de Pereiro, como ainda de Ererê, Iracema e até Natal, no Rio Grande do Norte. "Hoje, não vou mais à procura dos trabalhadores. Eles vêm até minha casa, quando sabem que retornei de viagem e se inscrevem para trabalhar em São Paulo ou em Goiás", conta Lucivânio.
Avesso à classificação de agenciador e se autoproclamando um "formador de turmas", Lucivânio também refuta a ideia de que há exploração de mão de obra barata. Ele afirma que um dos atrativos é exatamente o bom salário, com carteira assinada, com vencimentos (incluindo percentual sobre a produção) que pode chegar acima de R$ 1 mil. Além disso, fala das boas acomodações nos alojamentos, os exames de aptidão física antes da viagem e após o retorno do trabalho e a garantia de porta aberta para novas frentes de serviços, a partir do comprometimento das turmas.
Desemprego
Natural de Ererê, Antônio Francisco da Silva, 28, conta que começou a trabalhar nos canaviais aos 18 anos. Ele já esteve atuando nas localidades de Avaré, Santa Bárbara e Piracicaba. Os períodos de oito meses por cada estadia são lembrados como aqueles de muita saudade da família e da terra natal. Conta que sempre teve dificuldade de se adaptar ao clima e, mais ainda, às longas jornadas de trabalho que podiam chegar até às 12 horas de serviço.
O aspecto positivo era o fato de todo mês poder enviar dinheiro para sua mãe e assim ajudar no sustento da família. Hoje, casado, sem filhos, mas desempregado, não pensa mais em fazer a viagem. Para ele, o sonho é encontrar trabalho em sua própria cidade.
Tristeza
Os trabalhadores viajam em ônibus fretados, com ar-condicionado e água gelada. Há história de muitos acidentes em meio ao percurso. A tristeza de quem parte atinge principalmente as mulheres e os filhos dos trabalhadores. Francisca Fernandes da Silva, 24, de Ererê, mãe de quatro filhos, diz que foi por extrema necessidade que seu marido, Erivaldo Fernandes, deixou a família para passar oito meses em São Paulo. Ela conta que a família estava vivendo apenas com o dinheiro do bolsa-família. "Era um recurso insuficiente. Meu marido tinha que buscar algo melhor. Neste ano, ele não viaja mais. Mas, se for preciso, ele fará tudo novamente", disse.
Em Ererê também há sempre um clima de melancolia e incerteza com a partida dos maridos para as terras distantes. "Aqui fica um deserto boa parte do ano. Os homens viajam para fora e a cidade é ocupada, na sua maioria, por mulheres e crianças, comenta o vereador Diassis Pinheiro.
Resistência
Em meio aos que partem, há os que resistem enquanto as forças não se exaurem totalmente. Esse é o caso do agricultor Raimundo Bezerra, do Sítio Coqueiro, localizado a três quilômetros de Pereiro. Após sofrer com perdas seguidas do plantio do mamão, atualmente vem plantando, no leito do Açude Adauto Bezerra, o feijão de sequeiro.
"Essa é a única cultura que ainda pode garantir alguma safra. No mais, o que foi plantado se perdeu porque não chove e a água que é retida nos cacimbões servem para o consumo humano e dos animais", afirma.
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SAIBA MAIS
Localização
Pereiro fica na região do Jaguaribe, próximo à divisa com o Estado do Rio Grande do Norte
Vizinhos
A cidade tem como municípios vizinhos as localidades de Ererê, Iracema, no Ceará, e São Miguel, no Rio Grande do Norte
População
16.115 habitantes
PIB
R$ 49 699,503
Situação atual
A cidade é abastecida pelo Açude Adauto Bezerra e contou com a agricultura irrigada voltada para a fruticultura. Atualmente, apresenta expressivo êxodo rural

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