segunda-feira, 4 de abril de 2016

Incertezas no cenário político preocupam comunidades

Darcília Lima e Silva, 62 anos, é costureira e mora há 39 anos no Conjunto Palmeiras. Segundo ela, a comunidade não sabe como avaliar o atual momento político do Brasil. Faltam respostas até para os líderes comunitários ( FOTOS: FERNANDA SIEBRA )
O educador social Francisco Fernando Martins, 52 anos, é morador e líder comunitário do Planalto Pici, em Fortaleza. Ele diz que o atual cenário de instabilidade política também afeta as pessoas do ponto de vista econômico, principalmente os pobres
No cenário político polarizado, enquanto manifestações populares marcam território nas ruas do centro ou pelas bandas da Aldeota, há bairros em Fortaleza onde os gritos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff ou pela continuidade do governo da petista não chegam em vozes tão altas. Se a crise política tem reflexos num cotidiano conturbado, para alguns, falta mais informação e sobra preocupação sobre os rumos que o país pode tomar.
Quem mora na periferia faz questão de dizer que as bandeiras não são necessariamente partidárias, mas também não querem se isentar do debate público. É o caso de Joana D'arc da Silva, 53 anos, que mora no Parque Santa Maria, no Jangurussu, há 23. Na comunidade com cerca de 35 mil habitantes, ela, recém-formada em serviço social, atua como educadora social e faz parte da Associação de Moradores Ação e Trabalho do Parque Santa Maria. Como liderança comunitária, porém, lamenta que, por lá, as pessoas não têm informações suficientes para compreender o atual momento político do Brasil.
"O debate não chega aqui. Não vejo mobilização, a não ser de pessoas que são militantes de algum partido, para entender o que está acontecendo. A comunidade precisa participar, mas falta esclarecimento. Tem que participar bem informada, com um olhar crítico, de quem precisa ir para as ruas em defesa da democracia, não é em defesa de um governo ou outro. A gente, da periferia, só fica sabendo o que as televisões estão falando", diz Joana D'arc.
Consequência disso, segundo ela, é que os moradores do Parque Santa Maria estão divididos e assustados. "Principalmente as pessoas que fazem parte de programas do governo, porque não sabem o que será no futuro", justifica. Hoje, destaca a assistente social, a luta não é mais por moradia, como outrora, mas por habitabilidade. As principais reivindicações da comunidade têm sido por saúde e educação, já que novas estruturas habitacionais têm surgido, mas a escola e o posto de saúde que atendem à região não têm sido suficientes diante da demanda reprimida de moradores. Ela avalia que, com as turbulências no governo federal, a situação está fora de controle.
"Não sou militante de partido, milito pela defesa dos direitos humanos. Então, para mim, não importa o governo que esteja, o que importa é que esteja caminhando bem, atendendo às famílias, à população como merece ser atendida. Vejo também que o problema do brasil não é só do brasil, porque não é uma ilha. Essa crise é internacional", acredita a líder comunitária.
Organização
No Conjunto Palmeiras, na zona sul da Capital, onde moram 42 mil pessoas, a percepção sobre a crise política não é tão diferente. Quem diz é a costureira Darcília Lima e Silva, 62 anos, que preside a associação de moradores do bairro. Residente do Conjunto Palmeiras há 39 anos, ela conta que, na fila do Banco (comunitário) Palmas, por exemplo, tem ouvido conversas, comumente em tom de incerteza, sobre o contexto político do País.
"É um momento muito crítico que tem horas em que a gente não sabe como avaliar. Muitos querem participar desse momento, querem saber mais, estão preocupados com o que vai acontecer com a gente. Outros vêm procurar respostas achando que, porque somos uma entidade, temos uma resposta nesse momento, mas até nós mesmos não temos", relata.
Por isso, Darcília Lima diz que a associação de moradores tem realizado plenárias entre lideranças do bairro e, no último sábado do mês, quando sempre acontecem as assembleias dos moradores, pretende debater o cenário político, "ver como a comunidade está vendo isso" e, a partir daí, traçar posicionamento.
"A ideia é que a gente possa mobilizar não só as lideranças, como também a comunidade, para organizar e participar de uma manifestação dentro do próprio bairro. As manifestações sempre são na (avenida) Beira Mar, no Centro, e às vezes as pessoas daqui não têm condição de ir. A gente tem que ter, no bairro, impacto sobre o que está acontecendo no nosso país".
Segundo a líder comunitária, no Palmeiras, apesar da crise, as mudanças reivindicadas pelos moradores estão acontecendo por iniciativa popular. A próxima conquista, adianta, é a troca do sistema de esgoto do bairro. "Nós, do Conjunto Palmeiras, não paramos. Estamos sempre lutando, indo atrás e as coisas estão acontecendo", pontua.
Debate
A comunidade Alto da Paz, por sua vez, foi espacialmente extinta após a desapropriação do terreno público que ocupava, no bairro Vicente Pinzon, mas a associação de (ex-)moradores ainda resiste. A diarista Raquel Lima de Souza, 36 anos, é membro da organização e ressalta que haverá uma reunião no dia 16 de abril para, juntos, debaterem a crise política.
"É para a gente entender o que está se passando. A discussão não está entrando na periferia, ninguém está entendendo nada direito. Cada cabeça pensa diferente, então vamos conversar, porque por enquanto está sendo muito difícil se encontrar em reuniões", diz.
A dificuldade, segundo ela, existe porque, com o fim da comunidade, os antigos moradores estão espalhados. Raquel explica que, das 537 famílias que viviam no alto da paz, a prefeitura de Fortaleza, proprietária do espaço, contabilizava e cadastrou no programa habitacional "minha casa, minha vida" apenas 328. As outras 192 foram sendo cadastradas aos poucos e, atualmente, 82 pessoas ainda esperam por sorteio para serem incluídas no programa. É este grupo que continua se reunindo.
"Para alguns, ainda não caiu a ficha do que está passando, realmente tem que ter uma base. Além disso, fazemos uma reunião para receber 82 pessoas e às vezes vêm 40, 50. Nessa grande reunião no dia 16, na Uece (Universidade Estadual do Ceará), com vários movimentos, vamos fazer uma avaliação e tentar ver como participar".
Povo
Participação, inclusive, também é uma vontade dos moradores do Planalto Pici, afirma o educador social Francisco Fernando Martins, 52 anos, membro do Espaço Comunitário Margarida Alves, que reúne lideranças entre os mais de 42 mil habitantes da comunidade.
"Nós, como um movimento social aqui do pici, tentamos, na medida do possível, compreender que este é um momento do qual a gente quer participar, mas de forma organizada, consciente, buscando respostas não em partido a ou b, mas respostas para o Brasil, para as pessoas. A perspectiva maior é do povo. O Brasil é do povo, não é do partido a ou b", defende ele, que mora no Planalto Pici desde 1994 e faz parte do movimento dos conselhos populares.
Na avaliação de Francisco, as pessoas da comunidade, no geral, estão preocupadas com "essas indecisões políticas", pois, segundo ele, o atual cenário de instabilidade política também afeta a vida das pessoas do ponto de vista econômico, principalmente os mais pobres. "eu acho que as pessoas estão 'maria vai com as outras'. Claro que tem pessoas que se aproximam mais e vão atrás de saber os pormenores dessa crise, mas acho que, no geral, a gente precisa se informar melhor. Os meios de comunicação podem fazer isso, mas quando passam a informação com qualidade", argumenta.
O educador social, formado em Direito, não acredita que o país esteja parado. "Está passando por uma crise. Falta avançar em políticas públicas? melhorar o controle sobre a corrupção? com certeza. Mas acredito que, se partidos políticos e a sociedade puderem se organizar, a gente supera essa crise. É uma união de todos, principalmente das pessoas mais pobres, elas precisam saber que a gente pode construir um mundo melhor. Nada de retrocesso", diz.
Por fim, Francisco conclui: "se tem alguma coisa para apurar, que a justiça apure, seja de quem for, mas com neutralidade, sem atropelos políticos, sem salvador da pátria. A gente tem que superar a crise com a organização do povo, na rua, melhorando a forma de votar, ou exigindo do poder público investigações sérias", considera o educador.

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