00:00 · 18.06.2016 por William Santos - Repórter
Nos últimos 20 anos, Fortaleza não viu mudar muito o nome de cada um dos três prefeitos que elegeu, mas o eleitorado, de 1996 para cá, é outro. Cresceu de pouco mais de 1 milhão de eleitores naquele ano, quando Juraci Magalhães (PMDB) foi eleito pela primeira vez, para 1,6 milhão de pessoas aptas a votar no pleito de 2016. A diferença, porém, está longe de ser apenas numérica. Variações do perfil dos eleitores por gênero, faixa etária e nível de instrução, além do turbulento cenário político nacional, também indicam, segundo cientistas políticos ouvidos pelo Diário do Nordeste, mudanças no comportamento - e nas demandas - de quem deve ir às urnas no dia 2 de outubro.
Assim como nas estatísticas nacionais, as eleitoras são, nas últimas duas décadas, maioria na capital cearense. Se, em 1996, elas eram 579,7 mil (53,9% do eleitorado), hoje são 979,8 mil (54,8% do total). O número de homens que podem votar, por sua vez, aumentou de 489,7 mil (45,5% do total) para 754,8 mil (45% do eleitorado).
Na comparação de dados do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) referentes ao pleito municipal de 1996 com os números atuais, cresceu também o quantitativo de eleitores com nível de escolaridade mais elevado. Vinte anos atrás, a maioria dos que votaram para prefeito e vereador em Fortaleza não tinha concluído o Ensino Fundamental (316,4 mil) ou enquadrava-se no grupo capaz apenas de ler e escrever (243,1 mil). Os índices mais baixos, paradoxalmente, eram os de eleitores analfabetos (44,6 mil) e com Ensino Superior completo (46,5 mil).
Em 2016, o número de eleitores analfabetos na Capital teve pouco crescimento (44,9 mil), ao passo em que os que concluíram uma faculdade são, hoje, 108,9 mil. A maioria do eleitorado ainda é formada por pessoas com primeiro grau incompleto (426,3 mil), seguida, contudo, por 391,7 mil que pelo menos chegaram ao Ensino Médio.
Politização
O cientista político Osmar de Sá Ponte, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC), analisa que, uma vez que parte do eleitorado fortalezense está mais instruído, a campanha deste ano tenderá para um debate mais politizado. "O desempenho do candidato vai depender muito do que propuser. É um eleitorado que acompanha mais atentamente", considera.
Segundo ele, deve diminuir, também, a dependência do eleitor em relação a determinados nomes, o que, conforme destaca, ocorre historicamente "na população mais periférica de Fortaleza". "Você tem um peso maior de um eleitorado mais consciente, e isso faz com que a eleição se torne favorável para aquele candidato que tenha um discurso e um programa de uma base mais consolidada", opina.
Por outro lado, no momento em que o processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff divide tempo e espaço com escândalos de corrupção escancarados pela Operação Lava-Jato, o cientista político Horácio Frota, coordenador do Curso de Mestrado em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece), salienta que a atual conjuntura política nacional também deve interferir no processo eleitoral.
Imprevisibilidade
Para ele, estes e outros fatos têm tornado os eleitores mais atentos e informados, o que pode significar "surpresas" em relação ao comportamento de quem votará nas eleições municipais de outubro próximo.
"Acredito que nós vamos ter muitas novidades em relação ao eleitorado, independentemente da mudança do próprio crescimento populacional. O desafio é saber como esse eleitorado vai se posicionar. Acho que ainda temos muitas surpresas, as coisas não estão muito esclarecidas, temos os próprios fatos se atropelando em algumas questões", avalia o cientista político.
Exemplo de tal imprevisibilidade, cita ele, é a participação dos jovens. "Em determinado momento, a juventude parecia indignada com a própria política, rejeitando qualquer tipo de participação, mas pego coisas mais recentes e vejo uma juventude se envolvendo nessa questão da conjuntura atual. (Diante de) coisas que a gente pensava que estavam causando um afastamento generalizado durante esse tempo, você começa a verificar um fenômeno de envolvimento, como o da ocupação das escolas, a participação de coletivos jovens com relação a este governo provisório (de Michel Temer)", observa.
Se os jovens têm participado, os eleitores mais velhos também podem ser determinantes nesta eleição. O eleitorado de Fortaleza, de acordo com as estatísticas do TRE-CE, ainda é majoritariamente de jovens adultos, formado por pessoas de 25 a 34 anos (398,8 mil) - grupo que era, igualmente, maioria em 1996 (311,5 mil). Nos últimos 20 anos, contudo, também envelheceu. Neste intervalo, a diferença mais expressiva entre faixas etárias é a do grupo que tem entre 45 e 59 anos, que, em 1996, correspondia a 197,4 mil eleitores. Hoje, são 395,9 mil.
Acontecimentos recentes, como a votação da admissibilidade do pedido de impedimento de Dilma na Câmara dos Deputados, também tiveram, na avaliação de Horácio Frota, efeito "pedagógico" entre os eleitores, ainda que ele classifique o episódio como "vergonhoso".
"Muita gente passou a se perguntar: como é que nós fizemos isso? Como colocamos esses representantes? A minha dúvida é: isso vai significar realmente mudança de comportamento ou vamos ter uma crítica um tanto genérica e no final desenvolver a mesma prática a que estamos acostumados com a corrupção, (na qual) eu fico indignado com a corrupção dos outros e continuo fazendo pequenas corrupções sem questionar?".
Influências
É por isso que o cientista político pondera que "nem sempre o fato de ter feito Ensino Superior significa mudanças, mas é um indicador que significa que a pessoa tem elementos para pensar, relativizar". Para ele, não apenas o nível de escolaridade, mas o acesso à informação deve impactar no comportamento do eleitor.
"Hoje, você tem um eleitorado que fala de juiz da Suprema Corte como se estivesse falando de juiz de futebol. Ele assiste, ouve, e antes isso não acontecia, era uma caixa preta que ninguém conhecia. Esses fatos todos vão estar impactando. Hoje, você tem um eleitorado que não está influenciado só pelo discurso dos partidos. Está influenciado muito pela mídia, pela internet, pelas manifestações de rua que estão crescendo", enumera.
Osmar de Sá Ponte, por sua vez, concorda que o eleitor está mais atento, e projeta que, como consequência disso, a eleição deve ser marcada por uma baixa credibilidade dos candidatos. "Vai ter um aumento dos votos brancos e nulos. Isso pode aumentar em função da descrença. Pode aumentar a ausência de eleitorado no processo, mas isso vai depender muito. A eleição está distante ainda, os candidatos não estão completamente configurados", pondera.
Critérios
Em 1996, dez candidatos disputaram a Prefeitura de Fortaleza e Juraci Magalhães (PMDB) foi eleito no primeiro turno, com 63% dos votos. Naquele ano, tiveram candidatos: PCdoB, PDT, PMDB, PPB, PV, PSDB (única mulher), PSL, PSN, PTdoB e PSC. Desde então, todas as eleições foram decididas no segundo turno - a que o reelegeu (2000), e as seguintes, das quais saíram vitoriosos Luizianne Lins (2004 e 2008) e Roberto Cláudio (2012). Para este pleito, a capital cearense tem, até agora, ao menos sete pré-candidatos.
Apesar dos processos eleitorais ainda com "fortes componentes clientelistas", segundo Horácio Frota, também é possível perceber mais reflexão e discussão nos últimos pleitos. Ele diz, contudo, que tal "avanço" é mais evidente apenas em relação aos cargos majoritários. "Se pensarmos nas últimas eleições, a disputa no segundo turno aqui em Fortaleza foi muito acirrada, dividiu muito os mais diversos segmentos, o dia da eleição foi uma coisa que não era comum de se ver. Mas, por outro lado, no caso dos vereadores, a coisa caminhou muito do jeito que era, como aconteceu na Presidência com os deputados", critica.
Neste ano, no entanto, o cientista político acredita que o eleitorado fortalezense deve ser mais pragmático, demarcando critérios "mais específicos" na hora de escolher em quem votar. "Vai querer propostas mais concretas, porque as questões na política nacional enfraquecem o discurso mais geral", reflete.
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