Salitre. "Se não chover no próximo ano, não sabemos como ficará a situação de nós, agricultores". O desabafo é do agricultor Antônio Justiniano Firmino, que, a exemplo de tantos outros sertanejos, sofre há mais de uma década com os efeitos severos da seca neste município, a 530Km de Fortaleza. A cidade, de pouco menos de 17 mil habitantes, no cariri oeste, divisa do Ceará com Pernambuco e Piauí, enfrenta a pior seca desde a sua fundação, em 1988. Segundo a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), a última vez que choveu acima da média no município (663,5mm) foi em 2005. De lá para cá, os agricultores enfrentam sucessivas perdas na lavoura, principal fonte de renda.
O meteorologista do órgão, Raul Fritz, explica que a situação é agravada pela posição geográfica. "O relevo contribui para a escassez de chuva. O município é relativamente alto e muito próximo à Chapada do Araripe. Então as chuvas que chegam do Leste geralmente tendem a cair antes de Salitre, atingindo cidades com Juazeiro do Norte e Crato, por exemplo", detalha.
Desta forma, para que ocorram precipitações consideráveis, o sistema meteorológico deve ser de alta intensidade. "Se o sistema não for forte, as chuvas não vão chegar ou chegarão bem fracas, como vem acontecendo. Isso porque a cidade pode estar do lado oposto em que a montanha recebe os ventos e, dessa forma, fica mais difícil chover", acrescenta.
Perdas
Sem chuva e com os reservatórios próximos à cidade em situação crítica, falta água para consumo e para irrigar a lavoura, sobretudo de mandioca. Há alguns anos, Salitre figurava entre os maiores produtores do tubérculo do Ceará, com mais de 16 mil hectares plantados e quase 200 casas de farinhas. Com a seca, a área de plantio foi reduzida em mais da metade e diversas casas de farinha já fecharam as portas, gerando outro impacto negativo: as demissões. Joelton José Alencar, 31, é proprietário de uma casa de farinha. Segundo conta, nos últimos seis anos, a produção caiu cerca de 75%, passando de 80 mil kg por mês, para apenas 20 mil kg mensais.
O reflexo da redução na produção é a quantidade de funcionários. A fábrica, que antes chegava a empregar 50 funcionários, hoje se mantém apenas com 11 fixos e outros 15 que são chamados de acordo com o volume da produção. "A conta, apesar de cruel, é simples. Se não há mandioca para produzir, temos que enxugar os funcionários para evitar que a fábrica feche, como tantas outras", lamenta.
Plantio
Situação mais dura enfrenta o produtor Raimundo César de Meneses. Dono de uma pequena casa de farinha, que emprega cinco pessoas, ele conta que sua produção hoje é "baixíssima" e acrescenta que não há mais mandioca na cidade. "Salitre que já foi uma grande produtora de mandioca, hoje está comprando de Araripe", lamenta. Ele teme que nos próximos anos os agricultores não tenham mais como se sustentar da roça.
"A coisa está feia. Plantei 20 tarefas neste ano e só consegui colher oito. Não sobra nada para os bichos, que estão morrendo de fome e sede", diz. Há oito anos, lembra Raimundo, apesar de as chuvas não serem intensas, a produção era boa. "Dava para fazer 20 mil Kg por mês, hoje só 10", conclui.
O agricultor Francisco Sinval de Sousa relata que essa tem sido a pior seca que já viu em seus 55 anos de vida. "Plantei cinco tarefas de milho, que dava para colher, por baixo, 50 sacos. Mas no fim, só conseguimos colher três sacos. Como aguentar dessa forma?", questiona o sertanejo, pai de sete filhos.
Reflexos
Com a drástica queda na produção e na colheita, a cidade toda é afetada. Segundo a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Salitre, Luzinete Andrade, cerca de 70% da população sobrevive da cultura da mandioca. "Salitre depende quase em sua totalidade da agricultura. Se nossa principal fonte de renda está comprometida, todos sofrem, principalmente o comércio", detalhou.
"Estamos carentes de políticas públicas. Não é prudente viver esperando só pela chuva, se ela não vem, os governos, tanto municipal, estadual e federal, devem dispor de políticas, seja a construção de cisternas, aperfeiçoamento do garantia safra, dentre outros, o que não se pode é deixar a seca destruir o sustento de tanta gente", ressalta.
ENQUETE
Quais são os impactos da seca?
"Está tudo se acabando. Neste ano perdi mais da metade da minha plantação e a colheita foi de baixa qualidade. Milho, feijão e mandioca, quase tudo perdido. Não está dando nem para tirar o sustento da família"
Francisco Sinval de Sousa
Agricultor
"Salitre sempre foi difícil de chuva. Todo mundo que nasce e vive aqui sabe disso, mas a situação, de seis anos para cá, se agravou. É seca atrás de seca sem dar tempo nem de o agricultor se recuperar dos prejuízos do ano passado"
Adão Helindomar Henis
Membro do Sind. Dos trab. Rurais
"O impacto é a morte dos bichos. Não tem comida nem água para eles e, se no próximo ano não chover, vai faltar para nós também. Nem mandioca estamos conseguindo colher. Já tem agricultor se mudando"
Raimundo César de Meneses
Proprietário de casa de farinha
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