Considerado um dos pontos vitais para o desenvolvimento da sociedade, o sistema educacional brasileiro vem acumulando novas regras e mudanças significativas oriundas tanto do Congresso Nacional quanto da Presidência da República. Embora ambos os poderes - e também a comunidade escolar - concordem com a necessidade de fazer alterações para universalizar o ensino de qualidade, as normas e os planos criados divergem entre si, dificultando o cumprimento das metas estabelecidas.
Nessa perspectiva, pelo menos dois casos recentes se evidenciam: a reforma do ensino médio realizada pelo presidente Michel Temer por meio da Medida Provisória 746 e a PEC 55, que estabelece o teto dos gastos públicos. Na avaliação de parlamentares, as medidas comprometem o Plano Nacional de Educação (PNE), além de dificultar o cumprimento das metas do Plano Estadual de Educação (PEE).
Os dois planos de educação foram construídos a partir de uma longa e polêmica discussão com diferentes atores da sociedade, que resultou em metas ousadas para serem cumpridas no prazo de dez anos. A ideia era dialogar com entidades da sociedade e construir uma plataforma que garantisse uma política consistente, com uma continuidade independente da mudança dos governantes. As metas estabelecidas incluem ampliação do atendimento e melhora da qualidade, representando, assim, forte impacto no financiamento da educação.
A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e a Campanha Nacional para Direito à Educação chegaram a publicar um relatório manifestando posição contrária à PEC 55 (Ou PEC 241, na Câmara). Conforme as entidades, não apenas o ensino superior federal poderá ser afetado com a criação do teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos, mas também o ensino básico e médio, já que as transferências federais poderão ser impactadas.
O documento traz o argumento de que "na prática, a PEC vai corroendo a maior conquista da educação brasileira, que foi a vinculação de um percentual da receita de impostos para a área, definidos em um mínimo de 18% para a União".
Projeção de perdas
As entidades ainda fazem uma projeção: partindo-se de um percentual de 18% e considerando-se um crescimento da receita real de 3% ao ano, após cinco anos a vinculação já estaria em 16%; após 10 anos em 13,8% e após 20 anos chegaria a 10,3%". A preocupação das entidades com a PEC esbarra, porém, na defesa feita por muitos economistas de que esta é uma medida crucial para superar a crise econômica brasileira.
Somam-se aos impactos da PEC 55 as adaptações que os estados precisarão fazer para cumprir a reforma do ensino médio. Para manter a efetividade, a MP que trata do tema precisa ser votada no Congresso nos próximos meses, mas a expectativa do Ministério da Educação é de que as novas medidas possam começar a ser implementadas já a partir de 2018. As mudanças afetam conteúdo e formato das aulas, além da elaboração dos vestibulares e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Deputados cearenses defendem a necessidade de alterações no modelo educacional em curso, mas criticam a falta de um debate aprofundado para implementar medidas tão sensíveis à sociedade como é a reforma do ensino médio. Além disso, apontam, as decisões da Presidência desprestigiam o trabalho do Legislativo e a participação popular no debate para as soluções.
"Cabe ao Parlamento dizer ao presidente, que ele não é o senhor da verdade. Temos um plano debatido no Congresso e na Assembleia Legislativa, e isso está acima de uma simples lei. Aí a Presidência vem com uma medida provisória, mudando o ensino médio e desprezando esse plano. É comunicar ao Executivo que a representação popular não pode aceitar essa mudança que inviabiliza o que já foi aprovado", defende o deputado estadual Heitor Férrer (PSB).
O parlamentar concorda que o governo precisa ser austero para combater a crise econômica, mas diz que a solução não pode engessar investimentos em áreas vitais. Além disso, Heitor salienta que há pontos divergentes entre os planos de educação e as iniciativas do presidente Michel Temer, como as metas de valorização dos professores e a possibilidade de contratação de docentes por notório saber. "Se tem pontos divergentes, um compromete o outro. Qual seguir? Prevalece qual? Fica difícil porque você transforma o plano em uma torre de babel. Cabe ao Congresso questionar: presidente, acabamos de aprovar esses planos e já vão substituir?".
Relator do projeto que originou o Plano Estadual de Educação do Ceará, o deputado Elmano de Freitas (PT) diz que as novas medidas tornam os prazos estabelecidos pela Assembleia inviáveis. "A grande questão do PNE era garantir financiamento para alcançar as metas. Se eu estabeleço como limite de gasto a correção da inflação, não poderei fazer novos investimentos. O plano vira letra morta. A medida também impacta no plano do Ceará", explica. Embora argumente que o Governo do Estado tem interesse em cumprir o plano, Elmano acredita que os recursos estaduais não serão suficientes para cumprir as metas.
Após editar a medida provisória que reforma o ensino médio, o presidente Temer disse pretender dar celeridade ao tema, que, apesar de ser discutido há anos no Congresso, não tinha perspectiva para votação. Sobre isso, Elmano afirma que é "um atropelo da sociedade e do parlamento pela pressa de provar uma reforma em uma área tão vital".
Já o deputado Carlos Matos (PSDB) defende que tanto a PEC 55 quanto a MP do Ensino Médio são ações necessárias e urgentes. O tucano discorda que as medidas desrespeitem o parlamento ou mesmo ignore posicionamentos de entidades da sociedade, alegando que a construção dos planos não teve uma participação popular real. "Houve uma manipulação grande e não um debate sério", diz.
Já a reforma do ensino médio, defende, é um processo que seguirá em discussão. "Nossa educação está em um patamar fraco quando se compara com outros países", diz. A Câmara Federal abriu um espaço na internet pata que os cidadãos colaboram com o texto sobre reforma do ensino médio, que já recebeu 560 emendas de parlamentares.
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