sábado, 3 de dezembro de 2016

Instabilidade evidencia falhas no sistema político

Relação do Planalto com o Congresso melhorou no governo Temer, mas especialistas indicam que o distanciamento do Executivo com as entidades da sociedade e a descrença popular agravam a instabilidade política ( FOTO: ANDRESSA ANHOLETE /AFP )
O Brasil segue imerso em um cenário de instabilidade política quase sete meses após o afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Embora o presidente Michel Temer (PMDB) tenha melhorado substancialmente a relação entre o Planalto e o Congresso Nacional com a construção de uma ampla base de apoio ao seu governo, a frequente demissão de ministros por supostas malversações, a imprevisibilidade das investigações da Lava Jato (que segue envolvendo uma expressiva parcela de políticos) e o distanciamento do Executivo em relação à sociedade civil têm estendido e aprofundado a crise política.
Para cientistas políticos, essa instabilidade é preocupante, mas não gera ameaças à democracia brasileira, tendo em vista que as instituições de poder - Executivo, Legislativo e Judiciário - seguem funcionando e não existe qualquer setor organizado hoje que possa fazer o enfrentamento ao estado democrático de direito. Os pesquisadores apontam, porém, que a atual conjuntura instável evidencia falhas graves no sistema político brasileiro e no funcionamento das instituições que precisam ser corrigidas.
O cientista político Edir Veiga Siqueira, professor da Universidade Federal do Pará, ressalta que o Brasil não vive uma crise de regime, mas uma instabilidade política continuada. "Hoje, não há nenhuma instituição que possa fazer o enfrentamento ao estado democrático de direito. O que está ocorrendo é um profundo desgaste da classe política, que abre a possibilidade de discursos mais autoritários e antidemocráticos como alternativa para superar essa crise", diz.
Para Edir Veiga, o prolongamento da crise política brasileira vem sendo alimentado tanto pela descrença popular causada pelas inúmeras fases da Operação Lava-Jato quanto pelo próprio governo, que, segundo ele, está isolado socialmente. "Apesar do apoio congressual, há um isolamento social imenso. O governo precisa refazer uma discussão estratégica eBUSCARapoio na sociedade civil. Temer precisa entender que o governo dele é de transição e não tem legitimidade pra fazer reformas tão profundas", opina.
Fragilidade
O cientista político acredita que o próprio governo tem contribuído para prolongar a instabilidade política. "As soluções para a crise da economia estão encaminhadas, mas aEQUIPE ministerial é frágil. A casa 30 dias, um ministro é demitido. O líder do governo é o Romero Jucá, que esteve envolvido em escândalos. O governo está gerando essa crise porque não tem condições de montar a sua equipe e quer fazer reforma estrutural em momento de transição. Ele acaba colocando a direita e a esquerda brasileiras contra si".
Edir Veiga defende que o governo precisa abrir canais de diálogo com entidades da sociedade civil para tentar reconstruir sua credibilidade e firmar compromissos de "salvação nacional". "Como não fez isso, temos aí o caso da PEC 55, que pretende reequilibrar as contas. Com ela, o governo tem contra si toda a organização pública estatal do País, que são os mais organizados. O governo conseguiu juntar contra si quem defendeu e quem foi contra o impeachment. Hoje, vejo que o governo passa pro instabilidade grande e perde apoio. Não sei se o presidente terá condições de recolocar seu governo ou se vai produzir mais crises políticas", aponta.
O cientista político Guilherme Sérgio Cavalcante, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), acredita que a instabilidade política é danosa ao Brasil porque dificulta a adoção de algumas medidas do governo, em especial asquelas relacionadas à crise econômica, que precisam da confiança dos agentes econômicos. "À fragilidade política, some a profundidade da crise econômica. Isso sugere a necessidade de uma grande concertação nacional, com diálogos e impactos sobre todas as forças políticas".
Sem entrar no mérito das medidas tomadas pelo presidente Michel Temer, Guilherme Sérgio Cavalcante acredita que tem faltado discussão entre o Executivo e a sociedade civil organizada. "Seria oportuno que se estabelecesse uma disputa legítima às democracias para pausar o que está em curso e realizar um grande pacto nacional, a exemplo do que fez a Espanha na sua redemocratização", defende.
Para o professor, o próprio Brasil já passou por isso após o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, embora em uma escala menor. "Itamar conseguiu, a seu modo, realizar uma concertação nacional. Claro que a crise agora é maior e o caminho para resolvê-la seria um grande pacto nacional com a oitiva de todos. Essa é uma discussão que precisa ser feita de forma breve, em caráter emergencial", afirma.
O cientista político diz que os mais variados setores da sociedade precisam discutir e repensar o modelo democrático que o País deseja. "Temos que repensar pra onde queremos ir. Queremos a democracia social? Educação, saúde e segurança já foram transformados em bens que se pode comprar, mas são direitos. Precisamos saber onde queremos chegar", aponta.
Crise profunda
Guilherme Sérgio Cavalcante acredita que a crise política que vive o Brasil é ainda mais profunda do que parece. "Não é apenas a eterna disputa entre o ortodoxo e o heterodoxo. É um projeto de país que precisa ser reconstruído", declara. O professor diz que um caminho para isso seria livrar o processo político de deformações por meio de uma profunda reforma. "Temos que aperfeiçoar o processo político. A crise é mais ampla e mais profunda do que se imagina. Não bastam apenas algumas alterações no sistema, porque elas não resolvem o problema da crise do sistema representativo", considera.
Conforme Guilherme Sérgio Cavalcante, este é um problema enfrentado não apenas no Brasil, mas em diversos países do mundo. Ele cita o exemplo do sistema político norte-americano, considerado uma democracia consolidada. "O sistema representativo dos Estados Unidos data do século XVIII e tem falhas. Lá, candidatos mais votados não se elegem, e você tem ai uma crise no sistema representativo americano, que é referencia em democracia. No Brasil, não é diferente. É preciso modernizar e remodelar o nosso processo", considera.
Para o professor, essa remodelagem não precisa passar por uma ruptura democrática, mas precisa ser feita em consonância com entidades da sociedade civil para refletir a autenticidade e o desejo da população brasileira. "Precisamos criar mecanismos de acompanhamento e de retirada de governantes que não cumpram o programa que propuseram na eleição. Os mandatos precisam ser interativos, o governante é eleito pra cumprir aquele caminho. E as pessoas precisam ter o direito de retirar aquele que não cumpra o que prometei. Essa ferramenta é presente em várias democracias e é uma necessidade pelo controle coletivo", endossa.
Embora alguns setores da sociedade afirmem que somente eleições diretas deverão estabilizar a situação política brasileira, Guilherme Sérgio acredita que a eleição direta de um presidente não é suficiente. "Penso que essa fragilidade política não vai ser resolvida apenas com uma eleição direta. E é importante destacar que nós só podemos fazer isso (eleger novos governantes) porque as instituições continuam funcionando. O problema é que estão mal acostumadas", afirma.
Embora as instituições sigam funcionando e a democracia não corra perigo, o cientista político vê falhas graves que podem contribuir para a manutenção da instabilidade política. Segundo ele, hoje o Brasil tem aproximadamente 20 mil pessoas com foro privilegiado, o que inviabiliza o papel do Supremo Tribunal Federal em ser guardião da Constituição. "São questões graves. As instituições funcionam, mas como? O elevado número de pessoas com foro privilegiado inviabiliza função do Supremo de guardião da Constituição porque ele vai passar o resto da vida cuidando de mal feitos e delitos", argumenta.
Por isso, Guilherme Sérgio defende a necessidade de criar um programa mínimo no governo de transição para superar as crises econômica e política, além de articular um pacto para reformar pontos fundamentais do sistema político brasileira. "Nesse processo, a participação dos diferentes atores sociais é fundamental. Eu imagino que isso poderia abreviaria até a saída da crise", finaliza.
SAIBA MAIS
Ministros demitidos no Governo Temer
1) Romero Jucá (Planejamento), em 23 de maio
2) Fabiano Silveira (Transparência), em 30 de maio
3) Henrique Eduardo Alves (Turismo), em 16 de junho
4) Fábio Medina Osório (AGU), em 9 de setembro
5) Marcelo Calero (Cultura), em 18 de novembro
6) Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), em 25 de novembro

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