sábado, 21 de janeiro de 2017

Economia rural ainda carece de tecnologia para se desenvolver


dsa
É preciso um investimento maior na convivência com a escassez de chuvas ( Fotos: Honório Barbosa )

Iguatu. O Semiárido brasileiro é uma das regiões mais vulneráveis à mudança climática no País. É a mais populosa e com maior proporção de pobres do Brasil. Enfrenta um problema crônico: a seca. Apresenta ampla capacidade de armazenamento de água, mas insuficiente para resolver o problema da estiagem. Falta à maioria dos agricultores conhecimento tecnológico. Essas e outras realidades são abordadas no livro "O rural nordestino: cenários, ajustes e desafios".
A obra apresenta o cenário atual da região Nordeste agravado pela persistência da seca desde 2012. A publicação foi produzida a partir de estudos discutidos durante o IV Simpósio em Economia Rural, realizado em junho de 2016, no Departamento de Economia Agrícola da Universidade Federal do Ceará (UFC), em que estiveram reunidos cerca de 250 participantes.
O livro reúne artigos de vários pesquisadores e foi publicado sob a coordenação dos professores Jair Andrade Araújo e Edward Martins Costa, do Mestrado Acadêmico em Economia Rural (Maer) da UFC, juntamente com os alunos do curso.
O objetivo da publicação, formada por vários artigos e estudos de campo, é oferecer ao público um pouco das várias visões acerca do Nordeste, na busca de compreender o cenário atual dessa região, as políticas adotadas e os principais desafios, principalmente no meio rural.
São discutidos nos capítulos aspectos como pobreza na área rural, seca no Semiárido, violência, avicultura, apicultura, agricultura de sequeiro, trabalho infanto-juvenil e outras temáticas.
O livro físico esgotou-se, mas o conteúdo é gratuito e pode ser acessado no sítio eletrônico do Maer (https://goo.Gl/T9cmiR). "A obra ficou acima da nossa expectativa a partir de uma seleção rigorosa de artigos que retratam realidades do Nordeste rural", explicou o professor Jair Araújo.
Enfrentamento
O Semiárido brasileiro enfrenta um ciclo prolongado de chuvas abaixo da média histórica desde o ano de 2012. É um dos maiores períodos de estiagem prolongada já observados nos últimos 120 anos.
A seca é um fenômeno recorrente e o enfrentamento de seus efeitos sempre ocorre norteado pela oferta de recursos hídricos: construção de açudes, perfuração de poços, instalação de chafarizes, implantação de adutoras e de cisternas para captação de água das chuvas.
A política de construção de dezenas de reservatórios ampliou a capacidade de armazenamento, mas é insuficiente para resolver o problema. A água concentrada não chega às áreas rurais e próximo a grandes açudes os efeitos da estiagem persistem e atingem centenas de famílias. "Não se pode tratar a região como homogênea", afirma Jair Araújo. "Há realidades distantes, com suas peculiaridades".
Pobreza
As pesquisas apresentadas no livro demonstram que, apesar de avanços na melhoria de renda, a ampliação do Produto Interno Produto (PIB) na década anterior, permanece um cenário marcado pela desigualdade, elevado número de pobres, em sua maioria na zona rural, além de forte concentração de renda.
"A pobreza no Nordeste deve ser observada de forma multidimensional", frisa o professor Jair Araújo. "Houve melhoria na renda, nos últimos anos, mas não é apenas esse critério que deve ser levado em conta, há falta de assistência de saúde, escola, transporte, saneamento básico".
Políticas de transferência de renda, aposentadorias rurais contribuíram para elevar a renda das famílias nas áreas rurais. "A pobreza diminuiu na região, mas ainda é muito elevada", observa o professor.
Na região, prevalece a prática da agricultura de baixo nível tecnológico, cultivo de lavouras de sequeiro (aquelas que dependem exclusivamente das chuvas) de feijão, mandioca e milho. O plantio nessa modalidade é uma das atividades mais atingidas pela seca com consequência grave para os produtores: perda da produção, da renda e empobrecimento. "Sem dúvida há um esvaziamento do campo", disse o docente. "É visível, pois a oferta de trabalho caiu no campo e falta estímulo à produção".
Diversidade
Outra observação crítica apresentada pelo livro refere-se ao caráter generalista com que a região é tratada, como se fosse homogênea. Dessa forma, as políticas públicas e as ações são aplicadas de forma igual, em um amplo espaço geográfico, social e econômico diverso.
A julgar pela projeção dos pesquisadores, as mudanças climáticas vão trazer secas mais frequentes e duradouras, elevação da temperatura na região entre dois e cinco graus celsius, além da perda de fertilidade e de secas prolongadas. A região é, portanto, vulnerável às secas, os produtores apresentam carência de capital, as propriedades são de reduzido tamanho (minifúndio) e há, sobretudo, ausência de assistência técnica.
Um dos capítulos trata da apicultura no município de Cariús, na região Centro-Sul do Ceará. O perfil dos apicultores mostra que eles apresentam renda inferior a um salário mínimo e têm a atividade como complementar. Apenas 8% têm alto nível tecnológico e 84% apresentam baixo e muito baixo nível tecnológico na produção de mel de abelhas.
Outro grave problema apresentado relaciona-se com a falta de assistência técnica aos agricultores familiares e pequenos produtores rurais. A queixa é geral. Sem orientação, os agricultores têm dificuldades de produzir adequadamente, por isso há baixa produtividade, tanto nas culturas de sequeiro, quanto irrigadas e extrativistas.
Pouca tecnologia
A produção de banana nas várzeas do Rio Jaguaribe em Iguatu e no perímetro do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), em Icó, recebeu um enfoque particular. O trabalho de campo mostrou que 86% dos bananicultores têm baixo e muito baixo nível tecnológico, além da falta de assistência técnica. A maioria (60%) ainda permanece com modelo de irrigação atrasado de elevado gasto de água, que é o sistema tradicional de inundação; 23% usam sistema de microaspersão e 17% de gotejamento.
A pobreza rural no Nordeste brasileiro é evidente e um tema bastante discutido. Em 2010, afetava mais de 16 milhões de pessoas que viviam com renda per capita mensal em torno de R$ 70. Desse total, 9,6 milhões se encontravam na região.
Nos anos 2000, o Nordeste apresentou um PIB crescente, que passou de R$ 191,5 bilhões em 2002 para R$ 507,5 bilhões em 2010, um aumento de 165%. Apesar das taxas de crescimento, do índice per capita do PIB na primeira década do atual século, não houve reflexo na melhoria da qualidade de vida de sua população.
Daí a necessidade de se analisar a pobreza na região, não apenas pelo critério de renda familiar. Outras dimensões precisam ser levadas em consideração: água e alimento, condições de moradia, informação, saúde, educação e trabalho.
Temas
O livro apresenta 11 capítulos que tratam a respeito da lavoura de sequeiro e secas no Semiárido; aspectos de violência no ambiente rural; preços na avicultura; técnica agropecuária; nível tecnológico dos apicultores em Cariús; índice tecnológico dos produtores de banana irrigada em Iguatu; rendimento médio agrícola, além de artigos premiados, dentre eles, a pobreza rural no Nordeste do Brasil, nível de eficiência da caprino-ovinocultura no Ceará e trabalho juvenil no campo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário