O assassinato da travesti Dandara dos Santos, 42, no último dia 15 de fevereiro, no bairro Bom Jardim, passou mais de duas semanas em silêncio, até um vídeo do crime circular pela Internet e mudar o curso da história. Nas semanas seguintes, o caso ganhou repercussão nacional, a Polícia capturou nove suspeitos de participar do homicídio e o Ministério Público do Ceará (MPCE) já denunciou sete adultos, que tiveram pedidos de prisão preventiva expedidos pelo Poder Judiciário.
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Em coletiva de imprensa, durante a primeira reunião do programa Pacto por um Ceará Pacífico, em 2017, o governador Camilo Santana anunciou a assinatura de três decretos que foram impulsionados pelo 'Caso Dandara': a permissão a transexuais de terem seu nome social respeitado nos serviços prestados pelo Governo; o atendimento a transexuais e travestis nas Delegacias de Defesa da Mulher (DDM); e a inclusão de representantes LGBT nos Conselhos Comunitários de Defesa Social (CCDS), vinculados à Secretaria de Segurança Pública (SSPDS).
Na manhã de ontem, o Ministério Público do Ceará (MPCE), falou da denúncia dos acusados de matar Dandara. "Costumamos usar a expressão paradigma para coisas boas. Esses homicidas agora criaram um paradigma do mal, pela impiedade com que agiram e dificilmente esse paradigma será quebrado", definiu o promotor responsável pelo caso, Marcus Renan Palácio.
O último preso pela Polícia por suspeita de matar Dandara dos Santos foi Jean Victor Silva Oliveira, na quinta-feira passada (23), no município de Itapipoca. Ele já tinha mandado de prisão em aberto desde o dia 6 de março. A Justiça transformou as prisões temporárias e preventivas de Jean Victor e de mais seis homens acusados de participar do homicídio, na última quarta-feira (22). Já estavam presos temporariamente Francisco José Monteiro de Oliveira, Rafael Alves da Silva Paiva, Isaías da Silva Camurça e Júlio César da Braga Costa. Os outros mandados são em desfavor de Jonatha Willyan Sousa da Silva e Francisco Wellington Teles, mas eles continuam foragidos.
A Polícia também apreendeu quatro adolescentes, com idades entre 16 e 17 anos. As investigações sugerem que 12 pessoas tenham participado do caso. De acordo com Marcus Renan, na denúncia "o Ministério Público teve o cuidado de descrever, de forma individualizada a conduta dos acusados".
Segundo o MP, no vídeo que repercutiu nas redes sociais, um adolescente empurra o carrinho- de-mão em que Dandara é levada; outro jovem bate nela com um chinelo; e Isaías diz "tu vai morrer, viado (sic)". Um dos foragidos teria gravado o vídeo.
Após ser espancada e levada no carrinho-de-mão para outra localidade, que não aparece no vídeo, Dandara leva dois tiros no rosto e tem a cabeça amassada por uma pedra, que foi arremessada por um adolescente. Conforme o promotor Marcus Renan, o grupo capturado participa de uma associação criminosa que domina a região onde Dandara foi morta.
A Polícia ainda não identificou os suspeitos das agressões contra Hérica. O caso está no 3ºDP (Otávio Bonfim)
Os suspeitos afirmaram que cometeram o crime por conta de uma sequência de furtos que a travesti teria cometido na comunidade, o que não era permitido pela gangue deles.
Reunidos da tarde ontem, no Grande Bom Jardim, moradores do bairro e integrantes de movimentos sociais participaram da IV Caminhada pela Paz. A morte de Dandara foi um dos assuntos que estiveram no centro dos debates. Militantes do movimento LGBT classificaram a violência como um ato "de ódio e transfóbico". Eles defendem a implementação de políticas públicas concretas voltadas à proteção e assistência das travestis.
Esquecimento
Infelizmente, nem todos os casos de barbárie contra travestis têm a mesma atenção que o de Dandara. O espancamento da travesti Hérika Izidório, 24, no dia 12 de fevereiro, na Avenida José Bastos, continua totalmente impune há mais de um mês. Ninguém foi preso e a investigação da Polícia não apresenta avanços. Enquanto isso, Hérika está internada, em coma, no Instituto Doutor José Frota (IJF), lutando pela vida. "A Polícia não faz nada, não está interessada no caso do meu irmão", afirma a irmã de Hérika, Patrícia Oliveira, que prefere tratá-la com termos masculinos.
A reportagem procurou o 3ºDP (Otávio Bonfim), que afirmou não poder divulgar detalhes do caso, para não atrapalhar a investigação, que estaria evoluindo. Um policial que trabalha no caso, que preferiu não se identificar, conversou com a reportagem e explicou que a demora na investigação seria motivada pelas dificuldades em encontrar provas contra os criminosos.
"O crime aconteceu em um local ermo, entre 4h, 4h30, tinha pouca gente. Câmeras foram procuradas, mas não tinha nenhuma. Falamos com todos os vizinhos dentro de um raio de 20 metros, e ninguém viu nada", afirmou o policial.
Hérika Izidório foi espancada e arremessada de cima de uma passarela da Avenida José Bastos. O crime aconteceu quando a travesti voltava de uma festa de Pré-Carnaval. No início da manhã, irreconhecível, ela foi levada ao IJF, onde foi encontrada pela família dois dias depois.
Desde que a encontrou, Patrícia tem ido ao hospital todos os dias. "Foi um choque tão grande, que não sei explicar o que senti", afirma. Patrícia conta que somente há poucos dias, a irmã tem apresentado melhora e reagido, abrindo o olho e movimentando a mão. Entretanto, ela acredita que Hérika terá que voltar para casa ainda inconsciente. Procurada pela reportagem, a assessoria de comunicação do IJF disse que o quadro da paciente ainda é delicado e estável, mas apresenta melhoras aos poucos.
Para manter os cuidados a Hérika em casa, Patrícia quer contratar um cuidador, porque não pode deixar de trabalhar como atendente em uma lanchonete para se dedicar totalmente à irmã. Ela pede ajuda de pessoas que possam doar dinheiro, comida, cadeira de rodas ou qualquer objeto útil. "O que vier, é bem-vindo", resumiu a irmã da vítima. O telefone para contato com Patrícia é (85) 98615.3709.
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