Juazeiro do Norte. Nas mãos ágeis e talentosas de um grupo de artesãos deste Município, na região do Cariri cearense, a palha de milho, outrora utilizada somente para alimentar o rebanho, é transformada em uma infinidade de produtos que levam consigo as singularidades da região. Eles pertencem à Associação dos Artesãos da Mãe das Dores, criada em 1984. Dona Tecla Cosma da Silva, 67, é uma das pioneiras do grupo. Ela conta que a associação surgiu da iniciativa de duas freiras, que tiveram a missão de evangelizar o povoado que vivia na Colina do Horto.
"Algumas pessoas já faziam o artesanato, mas tudo sem nenhuma organização ou orientação. Até mesmo o preço não correspondia ao trabalho. No lugar de lucrar com o que era feito, muitos vendiam por valores que não pagavam nem a matéria-prima utilizada", relembra Dona Tecla. Percebendo que muitas pessoas naquele bairro tinham aptidão para o artesanato, as irmãs da Congregação de Santo Agostinho iniciaram uma "espécie de oficina". "Elas reuniram as mais experientes com aquelas que queriam aprender, então umas foram passando o ensinamento para outras", conta. Com essa proposta de trabalho coletivo, fazendo com que elas se ajudassem mutuamente, surgiu a Associação.
A proposta coletiva aliada à criatividade das artesãs, fez surgir um leque de peças criadas a partir da palha de milho, carnaúba ou bananeira. Aquilo que parecia não ter mais nenhuma utilidade, foi transformado em matéria-prima para confecção de bolsas, cestos, chapéus, jogos americanos e delicadas flores, dentre outros artigos. Durante décadas, esse passou a ser o principal meio de sobrevivência daquele grupo, composto majoritariamente por mulheres que viviam no bairro do Horto.
A Associação, que já chegou a ter 35 membros, hoje conta com 15, dos quais seis são homens. A proposta inicial, de coletividade, continua. Desde a captação da matéria-prima até a produção e venda, tudo é feito em conjunto. "Nós nos ajudamos. Uns ficam responsáveis por escolher e comprar a palha de milho nas zonas rurais, outros fabricam, outros vendem, enfim, todos se ajudam", explica Eliene da Silva, 34, que hoje atua com o trabalho de prospectar vendas e parceiros. "Todos nós sabemos fazer o artesanato, mas nos dividimos para conseguirmos dar conta de tudo. Eu, por exemplo, tenho viajado bastante para congressos e palestras, buscando novos clientes. Mas, entre uma visita e outra, também faço o artesanato", acrescenta.
Evolução
Quando a Associação foi criada, os produtos com maior apelo de venda eram os cartões feitos com fibra, tecidos, casca de banana e palha de milho. "Saía muito", relembra Maria José da Silva, 48. Cada unidade estampa um tema que remete à região. "Tem cartão do Padre Cícero, da Beata, do Soldadinho-do-Araripe, da Chapada", enumera Maria José. Hoje, porém, o carro-chefe da Associação são os produtos feitos a partir do trançado da fibra da palha de milho. "Atualmente, é o que mais vendemos. Cestas, descansa- copos, bolsas, carteiras. A palha de milho nos dá uma infinidade de opções", explica Eliene.
A precificação dos produtos também sofreu alteração. Os artesãos participaram de cursos promovidos pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Ceará (Sebrae-CE) e Central de Artesanato do Ceará (Ceart). "O grande dilema da gente era como colocar preço nos produtos. Quanto valia cada peça? Qual era o preço justo para o produto final? Perguntas essenciais e que foram esclarecidas nesses cursos", relata Dona Tecla. "Quando acabamos a peça, vemos o que foi utilizado de material e quanto tempo foi gasto. Com essas informações, consultamos a tabela que o Sebrae nos deu e acrescentamos a margem de lucro para chegarmos ao preço final", detalha Eliene.
Antigamente, porém, era diferente. "As peças eram vendidas por atravessadores. Muitas artesãs eram exploradas por pessoas das capitais que chegavam e compravam pelo preço que ditavam", recorda Maria José. De cada produto vendido, um pequeno percentual é repassado para a Associação para manter os custos operacionais. "Agimos como Associação mesmo. Portanto, do lucro, tiramos um valor para manutenção do prédio", pontua dona Tecla.
A seca dos últimos anos também atingiu o preço final dos produtos. Com a chuva escassa, a matéria-prima ficou mais difícil de ser obtida. Para obter o material, as artesãs precisam visitar zona rurais de várias cidades do Cariri até conseguir um produto de qualidade. É necessária uma triagem do milho. "Uma peça de qualidade começa com uma boa palha de milho. Por isso é tão importante nosso olhar", expõe Eliene.
Exportação
Do Horto para o mundo. Essa é a nova realidade da Associação. Com os trabalhos bem divididos entre os artesãos, preços justos estabelecidos e uma infinidade de produtos, as encomendas tiveram considerável crescimento os últimos anos. São mais de 400 unidades produzidas por mês. "Nosso público hoje é quase todo de fora", conta Eliene da Silva. Muitas peças já foram exportadas para Holanda, Bélgica e França. Estados do Sul e Sudeste também são grande importadores dos artesanatos feitos pela Associação Mãe das Dores.
"Antigamente, vendíamos para os romeiros. Mas, com os avanços tecnológicos, eles passaram a querer mais os produtos de fora, os 'made in china'. Esse não é nosso público. Quando vendemos para o Juazeiro, geralmente é para lojistas ou pessoas que querem comercializar produtos regionais em outras feiras, de fora", detalha dona Tecla.
Economia
A diretora de comércio e serviço da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Inovação de Juazeiro do Norte, Josefa Costa Bezerra, explica que o artesanato hoje tem importante destaque na economia local. Segundo ela, são mais de 600 artesãos cadastrados na Ceart. "Esse trabalho passa a ser uma vitrine da cidade. Surgiu ainda com o incentivo do Padre Cícero e hoje é fortemente disseminado. O artesanato impulsiona, inclusive, outros setores, fazendo com que vários segmentos fiquem aquecidos", afirma.
Capacitação
Para manter o artesanato vivo, a Associação atua promovendo cursos que ensinam, de forma gratuita, a técnica do trançado da fibra da palha de milho. O objetivo, destaca Eliene, é o de proporcionar a jovens, adultos e idosos uma forma a mais de gerar renda, fazendo com que se mantenham com o artesanato. "Fazemos isso para incentivar o nosso trabalho e repassar nossa arte para outras gerações. Hoje, já contamos com seis homens, o que não era comum antigamente, e, entre as mulheres, temos duas de 17 anos", diz Maria José. Para ser membro da associação, contam as precursoras, é preciso ter vontade de querer participar e aprender, fazendo um trabalho coletivo de qualidade.
Enquete
O que significa a Associação?
"Comecei a fazer cestas com palha antes mesmo de fazer dez anos. Participei de uma oficina para não ficar em casa sem fazer nada, aprendi e gostei. Estou aqui na Associação há mais de 15 anos. É de onde tiro meu sustento"
Lucas da Silva
Artesão
Artesão
"Sou uma das primeiras artesãs da Associação, participei do processo de criação, mas antes já fazia artesanato em casa. Hoje, está tudo mais organizado, temos várias demandas e conseguimos sobreviver do artesanato"
Nenhum comentário:
Postar um comentário