domingo, 3 de dezembro de 2017

Espaços institucionais preservam documentos históricos do Cariri

A Fundação Memorial Padre Cícero possui 13 mil itens
com fotos, livros, jornais, revistas, cartas, entre outros
documentos; a instituição privilegia a história do sacerdote
e a história do Município. FOTO: Antonio Rodrigues
Crato/Juazeiro do Norte. Migrados das margens do Rio São Francisco, os índios Xocós chegaram a habitar o território que hoje corresponde ao município de Milagres, no Cariri Cearense. Até que, em 1867, um grupo de fazendeiros reuniu 70 homens e massacrou toda sua população. Este fato poderia ser esquecido se o Instituto Cultural do Cariri (ICC), em Crato, não mantivesse estes manuscritos do século XIX, além de outros documentos, como jornais, revistas, livros.

Mas o ICC é apenas um dos espaços institucionais que guarda os documentos históricos da região do Cariri. Na Universidade Regional do Cariri (URCA), em Crato, tem o Centro de Documentação do Cariri (CEDOCC), unidade de pesquisa e laboratório vinculado ao Departamento de História. Lá são guardados processos civis e criminais dos séculos XVIII, XIX e XX. O inventário mais antigo é de 1751, trazido de Icó.

Esse material foi trazido, principalmente, do Fórum Desembargador Hermes Parahyba, de Crato, que não comportava mais o grande volume de folhas. No Cedocc, os arquivos são mantidos em temperatura mais baixa, são tiradas a umidade e a luz para preservar o documento. O trabalho é feito por estudantes bolsistas que limpam todo material, catalogam e descrevem o processo. Eles podem ser cartas precatórias, registros civis, arrematações, petições, requerimentos, entre outros.

O Cedocc serve de local de pesquisa, e qualquer pessoa pode acessar o documento, das 8h às 22h, desde que o material continue dentro do espaço. De acordo com o coordenador do Centro, o professor Darlan Reis, lá costuma aparecer muitos estudantes e professores, geralmente, para conhecer os processos criminais. Isso já rendeu monografias, dissertações e teses de doutorado.

"Aqui é um arquivo que tem documentação sobre a vida das pessoas. Inventários, pós-morte. Aí se vêm estudar questão de patrimônio, escravidão, demarcação de terra, disputas, documentos de alforria de escravos, violência contra lesão e mulher, questão de propriedade, legislação antiga. Até mesmo procurar algum parente desconhecido", explica Darlan.

No entanto, Darlan acredita que o espaço hoje do Cedocc não é suficiente para guardar os arquivos da região do Cariri. Alguns fóruns procuram repassar seu material, mas o local não comporta. "Tem alguns de Juazeiro que a gente pegou, eles iam jogar fora ou queimar. A gente pegou, mas não leu ainda. O ideal seria eles terem estes espaços", conta.

O professor explica que a situação se agrava nos arquivos municipais, porque não existe uma política para a preservação de documentos e recursos. Muita documentação fica jogada sem cuidado e parte da história vai sendo perdida. "Tem lugares com umidade, animais, insetos ou calor. A gente tenta ao máximo preservar, limpar, mas muitos já estão degradados", completa Darlan.

Um dos lugares que armazena documentos e passa por problemas é o Instituto Cultural do Cariri, que reúne jornais, revistas, manuscritos e cartas dos séculos XVIII, XIX e início do século XX. O material foi doado por historiadores e reunidos por sócios na fundação da instituição, em 1953. Com a doação de terreno e construção da sede, em 2006, o lugar acumula arquivos empoeirados, sem papel manteiga para preservá-los e alguém que trabalhando para cuidar. Além disso, parte da parede externa precisa ser rebocada, pois permite infiltrações em dias de chuvas.

"Aqui é uma sociedade civil sem fins lucrativos. Temos um problema, pois o poder público, de lá para cá, tem dado pouco apoio. Hoje, tem contado com pouco apoio da diretoria. Atuante, são quatro. A sorte é que tem um comodato com o projeto Soldadinho do Araripe, que banca água, luz. Mas aqui ainda recebemos estudantes, pesquisadores e damos esse apoio logístico", explica o presidente eleito do ICC, o advogado Heitor Feitosa.

Conforme Heitor, que inicia seu mandato em janeiro do ano que vem, o apoio de universidades, criando estágios para estudantes e a doação de equipamentos, faria com que esses documentos não se perdessem. "Nós precisamos da mão de obra e material adequado para digitalização. O scanner que não prejudica o material custa mais de R$ 20 mil. Um aparelho para diminuir a umidade e uma estante, como a do Cedocc, custa 30 mil reais. Também é preciso treinamento para recuperar, restaurar e preservar o material".

Criado em 2001, o Departamento Histórico Diocesano Padre Antonio Gomes de Araújo, no Crato, reúne um vasto arquivo histórico que serve de pesquisa. Mantido na Cúria Diocesana, o local organizou certidões sacramentais, cartas, jornais e livros. No entanto, um dos mais importantes é o material sobre o Padre Cícero Romão e os fatos de Juazeiro. Os documentos reunidos por lá serviram de subsídio para a reconciliação histórica da Igreja Católica com o sacerdote.

"Todo esse material do Padre Cícero, que foi levado para Roma em 2006, para embasar o perdido de reabilitação do Padre Cícero, está disponibilizado para pesquisa acadêmica", explica o Padre Roserlândio de Souza, que coordena o departamento. O pesquisador que quiser conhecer o material pode visitar a Cúria Diocesana de oito da manhã até meio dia.

Catalogação
Entre os documentos mantidos no departamento, estão cartas do século XIX, mandadas pelos padres para o bispo da época, em Fortaleza. Mais de 6 mil que passam por catalogação. Numa delas, um sacerdote detalha a seca em 1877 enfrentada no Cariri em que houve casos de antropofagia. "Tem, pelo menos, uma carta que fala sobre isso. Quando se depara da fome, ultrapassa o limite para se alimentar dos corpos de pessoas que morreram na seca", conta o Padre Roserlândio.

Enquanto a Fundação Memorial Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, abriga objetos que pertenceram ao patriarca da cidade, reunidas no museu, além de 13 mil itens com fotos, livros, jornais, revistas, cartas, entre outros documentos. Lá, privilegia a história do sacerdote e a história do Município. Tudo começou com a doação de mil itens pelos professores Renato Casimiro e Daniel Walker em 1988.

"Na época, houve uma campanha nas rádios e jornais para que as famílias pudessem doar objetos que foram do Padre Cícero e muita coisa foi chegando. Ao logo de quase 30 anos, isso foi se ampliando", explica Cristina Holanda, historiadora e atual presidente da Fundação Memorial Padre Cícero. Ano passado, cerca de 60 mil pessoas visitaram o espaço, que continua recebendo material doações.

"A gente tá sempre aberto para receber, mas avalia se o que está sendo doado está em consonância com a instituição", completa Cristina.

Enquete

Como preservar melhor?

"Deveria ter um arquivo público, se não municipal, regional. O estadual já não comporta, O Cariri já tem condições e importância histórica para isso. A guarda poderia ser compartilhada entre os três maiores municípios"

Cristina Holanda
Historiadora e presidente da Fundação Memorial Padre Cícero

"Um dos desafios na região do Cariri é na área de um sistema estadual de arquivos, que inclua os públicos, municipais, estaduais, como arquivos particulares. Precisamos ter uma atuação conjunta que articule esses acervos"

Padre Roserlândio de Souza

Historiador e coordenador do Departamento Histórico Diocesano                (Diário do Nordeste)

Nenhum comentário:

Postar um comentário