Quixelô. Conseguir voltar a pintar com as mãos em vez da boca. Esse é o desejo do artista plástico Ruy Relbquy Silva, 29, cadeirante, portador de uma doença degenerativa e progressiva, a distrofia muscular. Morador da localidade de Riacho do Meio, zona rural deste município, na região Centro-Sul do Ceará, o pintor tem uma história de superação e revela uma vontade imensa de viver.
A partir de 2013, o avanço da doença o impediu de segurar o pincel com as mãos. O jeito foi adaptar-se. Passou a usar a boca para segurar os pincéis finos e definir os detalhes das telas que retratam paisagens, o cotidiano do sertão. Graças ao tratamento especializado de fisioterapia e a medicamentos, médicos dão esperança de que volte a pintar com a mão.
Esforço
"Estou me esforçando. Seguro o pincel com as duas mãos", conta. "A minha esperança é de uma recuperação, mas sei que a doença é progressiva". As dificuldades fizeram com que o artista autodidata, nos últimos anos, diminuísse a produção de seus quadros. "Enquanto puder, quero trabalhar", frisou. "A arte me completa, é o meu refúgio, saio dos problemas e expresso o que estou sentindo". Sempre que possível, Ruy Relbquy Silva participa de editais e de mostras de artes plásticas, enviando quadros para outros estados. Neste ano, exemplares do artista participaram de mostra do Sesc, em Brasília; em Piracicaba, São Paulo; e da Bienal Internacional de Arte Naif 'Totem Cor-Ação 2017', em Socorro (SP). A peça recebeu menção honrosa. Ruy Relbquy não tira da arte o seu sustento, mas é por meio da produção artística que ele encontrou uma forma de ver o mundo, de viver e de revelar o talento que a vida lhe deu. Preso a uma cadeira de rodas, encontra inspiração na história de vida de sua gente, no sertão cearense. Incentivado por muitos, teve sua primeira exposição no Centro Cultural desta cidade em 2016.
A doença que lhe acometeu é hereditária. "Com dois anos, ele tinha dificuldade de ficar em pé, andar", relembra a mãe, Raimunda Lucinete da Silva, dedicada ao filho, apoiadora e até crítica das pinturas. "Dou opinião, faço sugestões", revela, em meio a sorrisos. Mesmo com dificuldades, andou até os 15 anos, mas, desde então, precisa de uma cadeira de rodas.
Os problemas de saúde nunca o deixaram se abater. Depois de um período de afastamento da escola por ansiedade, concluiu o Ensino Fundamental e Médio e está cursando a Faculdade de História, por meio de uma modalidade semipresencial. "Sempre gostei de ler, escrever", disse.
O ateliê está instalado no primeiro cômodo da casa. É o espaço mais arejado, ao lado da sala de visitas e que tem uma ampla visão externa para o nascente, a serra do Franco, que separa Quixelô de Orós. Nas paredes, há pinturas espalhadas. "Aqui em casa tenho uma exposição permanente", disse.
A mãe é a ajudante número um. Posiciona a tela sobre caixas e afasta a cadeira na medida certa, coloca as tintas e pincéis sobre a bandeja. Está sempre por perto. "É um verdadeiro artista", ressalta, orgulhosa, Raimunda Lucinete.
A arte de pintar, aprendeu sozinho. "Devido ao meu problema de saúde, fiquei em casa, um tempo, quando era adolescente, e uma prima minha trouxe lápis de cor de São Paulo e me presenteou", contou. "Comecei a pintar e fui tomando gosto".
Depois, Ruy aprendeu sozinho a pintar telas, usar tinta de tecido e a óleo. Já são 15 anos dedicados à pintura. Nesse período, já foram feitos mais de cem quadros. Muitos estão espalhados pelo Brasil, e um deles foi levado para o exterior. O artista não pinta para ficar famoso, mas sim pela valorização da arte.
Por não ter o controle das mãos e por sentir peso e cansaço nos braços e nos ombros, tornou-se hábil com a boca. "Cansa menos, já estou acostumado. Com as mãos faço alguma coisa, mas os detalhes pinto com a boca", disse. "Estou esperançoso de voltar a usar a mão".
Reaproveitamento
Pelas pinturas expostas, é fácil descobrir de onde vem a inspiração: da natureza, do lugar onde vive e das coisas em sua memória. O artista revela preocupação ambiental. Ruy reaproveita sobras de madeiras, peças de móveis para fazer as esquadrias de suas telas. "Foi uma forma que achei de realizar também um trabalho diferenciado. E temos que reaproveitar tudo, reciclar", disse. "O homem está destruindo a natureza, faz queimadas, desmatamento, joga lixo e esgoto nos rios, açudes e lagoas. Isso é muito triste, lamentável".
A precisão dos traços e a inspiração na paisagem da Caatinga despertam a atenção de quem conhece a produção artística de Ruy Relbquy.
"Ele aprendeu sozinho e revela noção de perspectiva, sombra, tem traços bem delineados", observou o secretário de Cultura do Município, Ailton Fernandes. Esforço, vontade de vencer, de superar os obstáculos que a vida lhe impõe e talento fazem de Ruy Relbquy um exemplo de superação e de amor à vida.
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