sábado, 16 de dezembro de 2017

Produto do fruto cambuí caem no gosto do Cariri

As inovações no uso do cambuí geram uma grande variedade ( Fotos: Antonio Rodrigues )

José Araújo Marôpo conta que voltou a ter contato com o fruto por meio de um projeto que pesquisa o valor econômico de algumas plantas na Chapada do Araripe
Crato. No quintal de Zé de Doda, o mato cresceu e formou um pé que passa despercebido na Chapada do Araripe, pelo menos, até o mês de fevereiro. É durante a quadra chuvosa - de fevereiro a maio - que o cambuizeiro, planta nativa, dá seus frutos. O sabor doce e, ao mesmo tempo, travoso do cambuí começa a cair no gosto do Cariri. Muito disso acontece pelas mãos de José Araújo Marôpo e Maria Tereza Praxedes.
O casal criou uma linha de produtos a partir da fruta que começou a gerar renda e ampliar o alcance na região do Cariri. Tudo começou com o vinho, criado em 2006, a partir de uma experiência de Marôpo, que é agrônomo. Depois, veio a cachaça. Mas Tereza resolveu aproveitar, além da polpa, a casca e as sementes. Então, surgiram a geleia, doce, licor, vinagre, mousse, bolo, cocada e até álcool produzidos do cambuí.
Marôpo conheceu a fruta aos 7 anos, quando seu pai subia a Serra para caçar abelhas. "Eu achava era bom que, enquanto ele estava ocupado, eu ficava chupando cambuí", lembra. Muitos anos depois, ele volta a ter contato com o fruto por meio de um projeto que pesquisa o valor econômico de algumas plantas na Chapada do Araripe.
"Uma senhora disse que fazia vinho, misturando no liquidificador e colocando cachaça. Apesar de ficar gostoso, não era vinho porque não obedecia todo o processo. Aí, pedi uma apostila de 16 páginas, explicando passo a passo a criação da bebida. Aqui não tinha nem a levedura, tive que comprar meio quilo do Rio Grande do Sul. Com 20Kg de cambuí, fiz os primeiros vinhos", explica Marôpo. No ano seguinte, fez os primeiros 30 litros de vinho. Seus amigos experimentaram e gostaram. Hoje, ele produz cerca de três mil litros ao ano. "Tudo o que a gente tem sai do bolso da gente", conta. O próprio agrônomo fez o equipamento para fermentação e destilação. "São duas panelas de pressão de 10 litros, comprei conexões e canos de cobre, fiz a serpentina e funcionou. Já tô fazendo outro", completa.
A curiosidade de Marôpo fez com que ele realizasse experiências com outras frutas nativas e comuns em feiras locais. "Sou curioso, gosto da pesquisa. Semana passada, destilei cachaça de caju, pelo mesmo processo da cana. Saiu com quase 40% de volume álcool. Mas vou testar também no abacaxi. Gosto de testar essas coisas. Isso tudo veio da minha cabeça", conta. Seu plano agora é criar a cerveja de cambuí para o ano que vem.
Ampliação
Ao ver Marôpo amassar o cambuí e tirar a polpa, Maria Tereza resolveu tentar fazer alguma coisa com a casca, pois achava aquilo um desperdício. Começou separando a fruta verde, que não se mistura com a roxa, madura, utilizada no vinho. "Às vezes, ele jogava fora o cambuí verde. Resolvi guardar e deixar no freezer. Com ele, vou fazendo a geleia, pois, quando cozinha, fica vermelho. Eu misturo e não tem problema nenhum. No começo, sem saber, errei não sei quantas vezes e me queimei", lembra.
Depois da geleia, criada em 2014, veio o licor, também utilizando a casca. Em seguida, foram surgindo outros produtos, como o bombom de chocolate, vinagre, mousse, sorvete, picolé, suco e bolo. "Hoje, eu aproveito tudo. Até a semente dá para fazer o óleo, mas a gente cria umas mudas. Ainda vou aprender a fazer a bala. Mas dá também sequilho, biscoito. Tem dia que vou até 2 da manhã com esse chiado das panelas", brinca.
O dinheiro apurado é reinvestido, já que, hoje, tudo é feito de forma artesanal, em casa. "Comecei com balde de 20l, depois 50l e 100l. Hoje tem barril de 200l. Tem outros dois barris de carvalho europeu para envelhecimento do vinho", conta Marôpo. O sucesso maior vem da geleia, do vinho e da cachaça. Mas o vinagre começa a ganhar espaço junto com o doce de leite com geleia cambuí. Mas tudo ainda é comercializado sob encomenda, nas feiras orgânicas ou na residência do casal.
Patente
O vinho de cambuí e toda cadeia produtiva da fruta foram patenteadas pelo agrônomo. O resultado foi deferido no dia 8 de setembro deste ano. Isso assegura a Marôpo que outra pessoa não registre os produtos e o impeça de trabalhar com eles. Além disso, ele firmou uma parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Ceará (Sebrae-CE) para conseguir o certificado de produto orgânico. "Eu sei que o vinho é orgânico, mas o consumidor vai pedir uma prova, o selo", afirma.
Cambuí
Encontrado em Nova Olinda, Barbalha e, principalmente, Crato, Santana do Cariri e Jardim, o período de floração do cambuí começa em dezembro. No entanto, no Ceará, também pode ser encontrado na Serra da Ibiapaba. Por ter um sistema radicular muito profundo, a planta, que possui de 4 a 7 metros de altura, consegue chegar até a água e ter maior vitalidade. Ele é muito consumido naturalmente na Chapada do Araripe, já que é encontrado com muita facilidade. Alguns donos de bares colocam a fruta na cachaça e triplicam seu valor, outros fazem suco e picolé.
Por outro lado, o cambuí se extinguiu em alguns municípios, como Porteiras e Missão Velha. Segundo as pessoas mais velhas, havia muitos pés da fruta por lá, mas a degradação por conta da produção de lenha e plantação de capim acabou com eles. "Mas, hoje, não se fala em cortar um cambuí perto da serra porque o pessoal não deixa. Ele criou valor econômico. Os próprios moradores abrem, roçam, para ficar melhor de florar, frutificar e colher", garante Marôpo.
"Inclusive, hoje já tem muita gente plantando e vendendo. Reproduzindo. Se tornou um gerador de renda. Gente que traz na feira, coloca barraca no Centro ou perto do canal. É vapt-vupt. Chegou, não demora. O pessoal gosta muito, até porque o cambuí é hipoglicemiante e antidiabético", acrescenta o agrônomo, que compra cambuí de extrativistas da Chapada do Araripe por R$ 1,70, o quilo.
É o caso do agricultor José Antonio dos Santos, o Zito, morador da comunidade de Cajueiro, em Santana do Cariri. Nascido e criado em cima de Serra do Araripe, ele começou a chupar cambuí no mato e depois se acostumou a colher para a venda. "A gente junta os baldes. Aqui, todo mundo colhe e leva para o Crato", conta. A expectativa do agricultor é que, com o "inverno", os pés de cambuí vão encher. Isso movimenta a comunidade, que, mesmo sem vender, consome a fruta. "É um quebra-galho. Se levar para o mercado, todo mundo vende. A gente vende em grosso. Leva 15, 20 baldes. Mas o povo busca mais para chupar", acrescenta o agricultor.
Outras frutas nativas da Chapada do Araripe começam a ganhar utilização local, como murici, araçá, bacupari e mangaba, dos quais também são feitos geleias, doces e balas. A mangaba é levada para Recife (PE), onde é consumida com frequência como suco. No Cariri, já não tem a mesma popularidade.
"O pessoal não tem essa ideia de processar. É muita acomodação. Algumas pessoas já estão despertando e fazendo. Era para ser desenvolvido, na própria Chapada do Araripe, um projeto para o pessoal fazer suco, geleia, picolé e movimentar a economia local. Hoje, são considerados produtos geradores de renda e o pessoal está começando a cuidar", acredita Marôpo.
Mais informações:
Associação dos Produtores Orgânicos do Cariri Cearense (Aprorce)
Telefones: (88) 9 9803-4640 / 9 9205-8365 / 9 8867-8384
R. Mons. Fco de Assis Feitosa, 295

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