Existem reações quase universais, expressadas por condutores que se deparam com um aviso de multa. Franzir o semblante, fechar os olhos junto com o movimento de negação com a cabeça, prender o xingamento na garganta. Certo ou errado, ciente ou não da infração, é comum que motoristas não fiquem satisfeitos com o prejuízo financeiro. Entretanto, existe um questionamento, não respondido nas correspondências e desconhecido por uma parcela significativa da população. Afinal, para onde vai o dinheiro destinado ao pagamento de multas?
Conforme assegura o artigo 320 do Código Brasileiro de Trânsito (CTB), o dinheiro arrecadado com a quitação de dívidas relacionadas às multas de trânsito deve ser usado exclusivamente para sinalização, engenharia de tráfego, policiamento, fiscalização e educação no trânsito. Além disso, os órgãos de trânsito têm a obrigação de destinar 5% de todo o quantitativo captado para a conta do Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito (Funset), de acordo com parágrafo 1º do art. 320 da Lei Nº 9.503, que tem por finalidade custear as despesas do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), relativas à operacionalização da segurança e educação de trânsito.
A partir da divulgação dos dados do Funset, é possível contabilizar o montante arrecadado com as multas ao longo do ano. No Ceará, em 2017, foram acumulados mais de R$ 305 milhões em multas nos municípios integrados ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme informações concedidas pelo Ministério das Cidades (MinC). Em comparação com 2013, onde foi auferidos cerca de R$ 109 milhões, a quantia quase triplicou. Nos últimos cinco anos, foram acumulados em torno de R$ 962 milhões com o pagamento das infrações.
Apenas nas vias municipais, foram arrecadados, em 2017, com a espécie "multas e juros de mora", cerca de R$ 121,673 milhões, segundo levantamento realizado pela equipe do Diário do Nordeste, por meio do Portal da Transparência de Fortaleza e confirmado pela Autarquia Municipal de Trânsito (AMC). Em comparação com 2016 - período onde foram acumulados R$ 88.588 milhões - o número representa um aumento da arrecadação de 28%. Os recursos reunidos com penalizações a motoristas, no ano passado, é pouco inferior às despesas realizadas no mesmo período pela AMC. Na ocasião, a autarquia empenhou em despesas aproximadamente R$ 123,451 milhões.
Descentralização
Apesar de a divisão do orçamento ser repartida para cinco eixos, como determina a Lei, não há definição específica de porcentagem para distribuição, como explica o superintendente da AMC, Arcelino Lima.
"A partir do momento em que existe todo o descritivo de despesa é algo muito dinâmico, não tem como definir qual percentual é para cada eixo. Então a distribuição do nosso orçamento varia de acordo com a nossa realidade. Tem mês que é mais semáforo, mais ciclofaixa. Não existe rigor para a divisão real, mas que o destino final seja o trânsito", pontua.
O Detran esclarece que "os recursos são destinados de acordo com as necessidades da sociedade, considerando critérios técnicos levantados pela área de Engenharia que orientam a quantidade de investimento necessário para a manutenção em bom estado da sinalização rodoviária, bem como o crescimento constante das ações de educação e fiscalização de trânsito". A assessoria do órgão acrescenta que, "embora a Lei não determine um percentual obrigatório para cada item, o Detran busca contemplar e equilibrar todas as vertentes". No total, o órgão arrecadou, em 2017, R$ 106.065.575,46. Desse orçamento, foram dedicados R$ 52.944.554,36 para sinalização e engenharia de tráfego, R$ 37.882.113,18 para fiscalização e policiamento de trânsito e R$ 15.238.907,92 foram destinados à educação de trânsito.
Críticas
O aumento no montante acumulado opera quase como combustível para a popularização do termo "indústria da multa", que compara os atos de fiscalização com atividades econômicas que visam o lucro.
Para o procurador da República no Ceará, Oscar Costa Filho, há uma política predatória nas ações dos órgãos de trânsito no Estado, que vê como objetivo máximo a arrecadação. "Você não vê uma política de natureza educativa, não tem isso estruturado. O que nós podemos fazer, para amenizar essa realidade, é analisar os direitos do usuário".
Em novembro último, Oscar Costa Filho solicitou da a AMC o envio de informações sobre o nome de todos os agentes de trânsito e o quantitativo de penalidades aplicadas pelos mesmos entre os anos de 2013 e 2017, com base na Resolução Nº 709 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
O envio deverá ser realizado ao longo da próxima semana. "Se as multas quase que triplicaram dos últimos anos pra cá, nós precisamos ir a fundo para saber para onde esse dinheiro está sendo destinado, que tem a origem questionada, do ponto de vista da legalidade. Se um policial militar prende alguém, a pessoa tem o direito de saber a identidade do mesmo. Por que tem que ser diferente com o guarda de trânsito?", reforça o procurador.
Arcelino Lima comenta que a decisão foi acatada pela AMC e que o envio da documentação acontecerá dentro do prazo estabelecido. "Nós estamos nos preparando para enviar a documentação. Estamos fazendo os questionamentos ao Denatran, a que nível de detalhe tem que ser fornecido, para atendermos a rigor da resolução. Não nos cabe agora outra coisa além de atender, visto que é uma resolução federal", afirma.
(Colaborou Fabrício Paiva)
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