Uma das condições básicas para o acesso à educação, sobretudo na rede pública, transcende a quantidade de vagas, a estrutura das instituições ou a assiduidade de professores. Em muitos casos, ir ou não à escola é atividade condicionada a um direito que consta entre os básicos da Constituição Federal Brasileira: o transporte. Nos municípios cearenses, dos 2,5 milhões de alunos matriculados na rede pública em 2017, mais de 645 mil dependiam do transporte público escolar para chegar às unidades, de acordo com o Censo Escolar divulgado neste ano pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Conforme o levantamento, os modais que concentram os maiores usos - totalizando, juntos, cerca de 88% da demanda - são os ônibus, micro-ônibus, vans e kombis, meios pelos quais mais de 567 mil alunos chegam às escolas do Estado. As bicicletas, embarcações, carroças e trens, segundo aponta o Censo, ainda são responsáveis pelo traslado de 334 estudantes às instituições, parcela bem menor que os outros 77.603 transportados em "outros veículos", como os "paus de arara" - que levantam, muitas vezes, questionamentos sobre a segurança e as condições do transporte.
Além das deficiências no serviço que se tem - denunciadas pelo Diário do Nordeste, em 2015, no especial "(Des)caminhos da Escola" -, outro problema é a proporção oferta x demanda, uma conta que, muitas vezes, ainda não fecha. A necessidade do serviço de transporte público escolar, aliás, apesar de ser mais forte no Interior cearense, incide também sobre a Capital.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (SME), a Prefeitura de Fortaleza disponibiliza 70 veículos, entre ônibus e micro-ônibus, para transportar cerca de 11.500 estudantes da rede pública, uma proporção média de 164 alunos por automóvel, divididos entre os turnos.
Os bairros Centro, Mucuripe, Serviluz, Messejana e Grande Bom Jardim, pertencentes às Regionais II, V e VI de Fortaleza, ainda de acordo com a SME, são os que aglomeram a maior parcela dos R$ 7,5 milhões investidos em manutenção, combustível e pessoal para circulação dos veículos escolares públicos. A previsão é de que, neste ano, o valor permaneça o mesmo. A demanda, garante a Pasta, é "analisada no ato da matrícula, considerando as localizações da residência do aluno e da escola", e o cadastro dos que precisam do transporte é feito por meio do Sistema de Gestão Escolar.
Alguns estudantes da rede pública, entretanto, não têm assegurado o direito previsto nos artigos 10 e 11 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - segundo os quais os estados e municípios têm obrigação de "assumir o transporte escolar dos alunos". Para J.M., 17 anos, que mora no bairro Floresta e cursa o 9º ano do Ensino Fundamental em uma escola municipal do Álvaro Weyne, ocupar uma das carteiras da sala de aula com assiduidade é desafio diário - tanto para ele quanto para os oito irmãos que ainda não concluíram os estudos.
"Tentamos no ano retrasado, no passado e agora também pedir um transporte escolar. Na minha escola, são uns 30 alunos que precisam, mas em três anos nunca conseguimos. Conversamos com a coordenação, fizemos abaixo-assinado, e a resposta é sempre que existe dificuldade de mandar esse ônibus", lamenta o estudante, ressaltando que ele "e outros vários já faltaram aula por não ter como ir ao colégio". "As pessoas julgam quando a gente falta aula por não ter transporte, mas e o dinheiro da passagem? Só lá em casa, ainda mais perigoso com essa história de facções", relata J.M., cuja mãe precisaria desembolsar R$ 24 por dia apenas com as meias passagens, de ida e volta, dos filhos.
Segundo a SME, o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE), em que o Governo Federal realiza "transferência automática de recursos financeiros para custear o transporte de alunos da educação básica pública" atende somente aos residentes em área rural, "o que exclui o município e o impede de receber recursos para investir no serviço".
Fiscalização
Em entrevista ao Diário do Nordeste sobre os acidentes envolvendo transportes escolares no Eusébio e em Guaramiranga, neste mês, o gerente de fiscalização de convênios do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Rubens Cezar, afirmou que o órgão afere a legalidade de todas as despesas com os ônibus escolares cearenses.
"Acompanhamos se esses gastos foram feitos por procedimentos licitatórios, se atendem às regras nacionais do Código de Trânsito Brasileiro, se o veículo é adequado e se o condutor atende às exigências".
Além de fiscalizar o destino correto das verbas, o Tribunal de Contas também é responsável por vistoriar a estrutura dos transportes, que pode contribuir para a evasão escolar tanto quanto a ausência de um veículo. "O maior risco é a vida, mas o prejuízo também está no aprendizado, na evasão do aluno à escola", analisou Cezar.
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