Iguatu. A redução das chuvas no Ceará nos últimos 17 dias aumenta a preocupação do governo, que teme agravamento da crise hídrica que castiga o Estado desde 2012, e a perda de safra agrícola. O meteorologista da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), David Ferran, explicou que quando o ano é considerado seco, do total do volume de todas as águas que caem no Estado, em média, só 1% chega aos reservatórios. Em períodos de chuvas acima da média, esse percentual varia entre 5% e 10%.
Sem recarga significativa nos reservatórios, o abastecimento fica comprometido para o último trimestre deste ano em várias cidades. Até ontem, choveu apenas 52,3mm (25,7%) do esperado para março, cuja média histórica é de 203.4mm.
Caso o quadro atual persista até o fim deste mês e no decorrer de abril, as reservas hídricas de importantes açudes devem atingir no transcorrer do ano volume morto, agravando ainda mais a situação de abastecimento de médios e grandes centros urbanos. "Estamos atravessando um ano limite no volume da maioria dos reservatórios e, senão houver chuvas intensas e próximas, a situação vai ficar muito complicada", observou o secretário Executivo da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), Aderilo Alcântara.
No início da quadra chuvosa, em 1º de fevereiro, o volume médio acumulado nos 155 reservatórios monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) era de 7,1%. De acordo com o Portal Hidrológico da Cogerh, ontem, era de 8,4%. Os dados demonstram que, até agora, houve um aporte mínimo de 1,3%.
"O veranico que se observa neste mês de março foi bastante prejudicial para a ocorrência de aportes", observou David Ferran. "Esse intervalo atrapalha. É preciso que as chuvas sejam concentradas em um período para que a água escorra e chegue aos açudes".
A Funceme, ontem, registrou precipitações em 72 municípios. As cinco maiores foram observadas em Pentecoste (50.6mm), Barreira (45mm), Madalena (37.8mm), Jaguaribe e Catunda (36mm). A expectativa para os próximos três dias não são nada animadoras. "A previsão não está muito otimista. As chuvas devem continuar isoladas e, muito provavelmente, março vai ficar abaixo da média", pontuou David Ferran.
A imagem de satélite fornecida pela Funceme mostra que a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que é uma imensa massa de nuvens e o principal sistema que traz chuvas para o Ceará, nesta época do ano, está afastada da costa cearense.
"Há um sistema de alta pressão que vem inibindo a formação de nuvens de chuva", explicou Ferran. Para hoje e amanhã, segundo a Funceme, há possibilidade de chuva no litoral, na Serra da Ibiapaba, no Maciço de Baturité e no Cariri. As chuvas devem continuar de forma isolada. Esse tipo de precipitações não favorece a cheia de riachos, rios e até mesmo de pequenos reservatórios porque a água tende a se infiltrar no solo.
Perda
Desde 2012 que o Ceará enfrenta perda seguida das reservas hídricas dos principais reservatórios. Um ou outro foi beneficiado no período com recarga. Nesse período, os aportes sempre estiveram abaixo da média. Em 2017, foi registrado o maior da série, cerca de 1,45 bilhões de metros cúbicos. Em março de 2017, houve um aporte de 700 milhões de metros cúbicos e no atual março, até ontem, de apenas 210 milhões m3. De um total de 28 mil açudes, entre um e um meio hectare de área, cerca de 22 mil estão secos, no Estado.
A situação vem se agravando porque os poços estão secando no sertão cearense. Aderilo Alcântara observa que o trabalho de perfuração de poços continua, mas tem aumentado a quantidade daqueles que apresentam reduzida vazão ou estão secos. "O lençol freático está muito baixo e há perda de suas reservas com a sequência de anos ruins de chuva", pontuou. O tempo está passando, o fim do mês se aproximando e o Ceará não registra significativo aporte em seus principais e estratégicos reservatórios. "Até mesmo os açudes da Região Metropolitana de Fortaleza, que poderiam ser beneficiados com as chuvas na faixa litorânea, estão com volume reduzido", lamenta o presidente da Cogerh, João Lúcio. "Outra preocupação é com o Banabuiú, que continua sem recarga, com a região do Sertão Central, que está seca". Em várias regiões do Ceará já se observa risco elevado ou mesmo perda da lavoura. Nos sítios Cajás, zona rural de Iguatu, os agricultores lamentam perda do cultivo de milho. "Aqui não há mais o que esperar. A lagarta atacou e o milho murchou. A chuva não veio faz dezessete dias", disse o agricultor Marconi Souza. "Nessa região do Alencar, muita gente já perdeu a safra e o desânimo é geral. Eu mesmo vou abandonar a agricultura. Não dá mais", desabafou.
"O sol queimando como se fosse verão", bradou o vendedor Francisco Pereira, sobre o tempo seco na maior parte do mês de março, até agora. O Cariri cearense voltou a receber chuvas em mais de 10 municípios, na última segunda-feira (19), após 13 dias, atingindo 11 cidades. Entretanto, o resultado foi mais animador entre 7h da segunda-feira e às 7h de ontem (20), já que 16 municípios registraram chuvas na macrorregião, segundo a Funceme.
Mas isso ainda não é suficiente para reanimar os agricultores. As macrorregiões mais beneficiadas com as chuvas foram o Litoral Norte e a Ibiapaba. Já o Cariri está com um desvio negativo de 80,2% de sua média. Os dados são preliminares. O meteorologista David Ferran afirma que, desde a semana passada, havia a presença do Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN), no leste do Nordeste Brasileiro, que se tornou um Cavado de Altos Níveis (CAN). Foi o deslocamento deste sistema que causou as chuvas no Estado nos últimos dias.
"Esse sistema deve persistir pelo menos até esta quinta-feira. Ainda há tendência de poucas chuvas em todo o Ceará. Sobre o Cariri, há possibilidade de chuva na quarta e na quinta-feira, porém, sendo estes eventos de pouca intensidade", disse Ferran .
Na zona-rural de Crato, muitos agricultores foram afetados pela ausência de precipitações mais intensas desde o último dia 2 de março. De lá para cá, não choveu em 11 dias e, quando caiu água, não passou dos 13 milímetros registrados nessa segunda-feira (19), Dia de São José. O Município apresenta um desvio negativo de -74.5%, até agora, neste mês de março. O pior, no Cariri cearense, é na cidade vizinha de Nova Olinda, tendo desvio negativo de 98,6%.
Crítico
No sítio Rodeador, distrito de Ponta da Serra, cerca de 16km da sede do Município, a falta de chuvas afetou a produção do agricultor Antônio Leite Alexandre. "Aqui está crítico. Se não chover logo, vamos perder legumes. Tem o que plantou e não nasceu. O pouco que nasce o passarinho arranca", descreve. A dificuldade só não é maior graças a cisterna que ainda conseguiu pegar um pouco de água.
O vendedor Francisco Pereira, que compra legumes e verduras dos agricultores, afirma que tem encontrado muita "roça perdida. O rendimento caiu e não tem como recuperar. Só Deus mesmo. Muitas pessoas estão no prejuízo. Daqui a 10 dias, se não tiver chuva regular, não tem como recuperar mais. De Caririaçu para cá está tudo seco".
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