terça-feira, 3 de abril de 2018

Adolescentes são executados em Centro Socioeducativo

Conforme a Polícia Civil, a primeira morte, ocorrida na noite do último sábado (31), foi motivada pela disputa entre duas facções criminosas ( Foto: Marcelino Júnior )

As facções criminosas avançam nas ruas, nos presídios e, agora, comprovadamente, também nos centros socioeducativos. Em menos de 48 horas dois adolescentes foram assassinados dentro do Centro Socioeducativo Doutor Zequinha Parente, em Sobral, a aproximadamente, 250Km de Fortaleza.
Conforme a Polícia Civil, a primeira morte, ocorrida na noite do último sábado (31), foi motivada pela disputa entre as organizações rivais Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV). Segundo apurado junto ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), a vítima, de nome Francisco Emanuel de Oliveira Coelho, foi surpreendida e executada por rivais internos no mesmo prédio.
Ontem, por volta das 12h30, outro adolescente foi morto dentro do Centro. Antes de ser enforcado por dois infratores, Eduardo Carreiro Lima teve o corpo perfurado em diversas partes por uma barra de ferro. De acordo com o titular do Núcleo de Homicídios da Delegacia Regional de Sobral, delegado Paulo Castro, de início se pensou que segundo homicídio aconteceu em retaliação à morte de Coelho, porém, a partir dos depoimentos dos suspeitos, foi observado que a motivação era outra.
"No primeiro homicídio foram dois autores e eles foram identificados. Os outros dois envolvidos na morte do Eduardo Carreiro foi porque no Centro corria informação que ele era um estuprador da própria irmã. Um ficou com o pedaço de pano e o outro com a barra de ferro. Eram companheiros de cela. Na Delegacia os dois contaram o porquê da execução. A permanência de todos os suspeitos em Sobral, vai ficar a critério do setor de Execução Penal", explicou o delegado.
De acordo com a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas), os servidores da unidade acionaram o Samu em ambos os casos, mas devido aos ferimentos, as vítimas não chegaram com vida ao hospital da região. Em nota, a Seas informou que um processo de sindicância foi instaurado a fim de reavaliar os procedimentos de segurança do equipamento.
"Uma equipe da Seas se deslocou para Sobral para realizar todos os procedimentos e prestar suporte às famílias dos adolescentes. Em paralelo, a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) iniciou os trabalhos de investigação no intuito de elucidar as ocorrências. As investigações preliminares indicam que não havia relatos de ameaças ou risco pessoal por parte dos adolescentes. Contudo, mais informações somente poderão ser apresentadas após a conclusão das investigações", disse a Superintendência ao lamentar o ocorrido.
Preocupação
Ao saber das mortes, a dona de casa Socorro Mendes, mãe de um adolescente de 18 anos de idade interno na unidade, esteve no Centro Socioeducativo em busca de informações sobre o filho. "Ele está aqui há uns quatro meses. Fico aflita em busca de saber como está meu filho, e ninguém me informa nada. Eu estou desesperada, pois não sei como ele se encontra. Só vou sair daqui depois de ser atendida", disse a dona de casa.
Durante a tarde de ontem, Maria Ivonete de Oliveira, mãe de outro adolescente infrator, ressaltou a ausência de informações oficiais desde os acontecidos: "Eu vi o rabecão entrar e sair, mas ninguém nos diz como está a situação lá dentro. Ou se meu filho está bem. A última vez que o vi, foi nesse domingo de Páscoa, durante a visita. Eu soube das mortes pelo rádio, e até agora ninguém da direção apareceu para falar sobre o caso", garantiu Maria.
O titular da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Sobral, Plínio Augusto Almeida, reiterou a preocupação das mães. Para o promotor, a situação do Centro Doutor Zequinha Parente é problemática desde o ano de 2014, quando foi inaugurado, mas, a partir de 2016, com a chegada das facções ao Estado, o cenário piorou.
"O Centro trabalha com 90% acima da superlotação. O espaço é para abrigar 40, mas lá sempre tem uns 70 internos. Há mais de um ano acontecem agressões com a interferência das facções. Foram feitas algumas transferências. No começo de 2018, novamente, percebemos esse agravamento. PCC e Comando Vermelho ficam separados por alas. Há risco de uma ala inteira se liberar e não matar só um, mas 10. Nós tememos situações que gerem uma quantidade imensa de homicídios", disse Plínio Almeida.
Também conforme a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Sobral, a socioeducação, que é o principal intuito do local, não vem acontecendo: "A separação dos adolescentes tem que ser feita por idade, por tipo de ato infracional, mas por conta da penetração das facções foi feita a divisão por grupo. Lá dentro, a maioria deles tem que escolher um lado", admitiu o promotor.
Ainda acerca das mortes, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) afirmou acompanhar o caso e cobrar informações do Seas. Conforme o Cedeca, houve negligência por parte da Superintendência e, além dela, serão oficiados outros órgãos na intenção de cobrar incremento na segurança, reforma imediata na unidade, acompanhamento das famílias das vítimas e investigação dos contextos das mortes.
Conforme a nota do Centro "estamos também encaminhando informes do episódio para a ONU, Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Conselhos Nacionais (de Direitos Humanos, da Criança e Adolescente e de Prevenção e Combate a Tortura) que já acompanham o Sistema Socioeducativo em interlocução conosco".
Outros casos
Em novembro de 2017, outros quatro jovens também foram executados enquanto estavam sob o resguardo do Estado. Durante a madrugada, quatro internos do Centro de Semiliberdade Mártir Francisca, no bairro Sapiranga, foram retirados do local e mortos nas proximidades do equipamento localizado no bairro Sapiranga.
Ainda no ano passado, o juiz Manuel Clístenes, titular da 5ª Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, adiantou que a disputa entre facções criminosas havia chegado aos centros socioeducativos da Capital. Há meses, Clístenes alertou sobre a divisão de adolescentes por alas conforme a facção a qual pertenciam.
O juiz ressaltou que em Fortaleza a divisão passou a ser exigência dos próprios internos: "observei que eles ganharam mais força. Na hora que a direção separa por facção, eles ficaram mais fortes e com mais poder de conflito", argumentou o magistrado.

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