domingo, 3 de junho de 2018

Corrida eleitoral leva deputados estaduais a esvaziarem sessões na Assembleia Legislativa

A tribuna da Assembleia Legislativa, que já foi espaço de discursos históricos por lideranças políticas em legislaturas passadas, hoje é subutilizada e até desprezada por seus usuários ( Foto: Fabiane de Paula )
Nos últimos anos, enquanto a população tomava gosto pela participação política, o principal palco para debates e embates políticos foi ficando cada vez mais em desuso e, não raras vezes, passou a ser utilizado para discursos fáceis, sem ressonância entre seus pares e muito menos junto à sociedade. A tribuna da Assembleia Legislativa, que já foi espaço de discursos históricos por lideranças políticas em legislaturas passadas, hoje é subutilizada e até desprezada por seus usuários, os deputados cearenses. 
Não são raras as vezes em que o Diário do Nordeste mostrou, ao longo dos anos, o desrespeito com as sessões ordinárias, cada vez mais esvaziadas, o que só se intensifica próximo ao período eleitoral. “Isso aqui não dá voto, não”, chegou a afirmar um parlamentar que é dificilmente visto no Plenário 13 de Maio, a não ser quando das sessões deliberativas, momento em que projetos de autoria parlamentar e do Executivo são votados.
A maioria dos deputados, hoje, com mandato na Assembleia Legislativa, tem menos que uma década de vivência na Casa. Uma minoria está lá há mais de 20 anos, e tem sentido a diferença na utilização do púlpito do Poder Legislativo nos últimos anos com as discussões que eram feitas, por exemplo, até o início da década de 1990. 
O deputado Manoel Duca (PDT) é o parlamentar que há mais tempo faz parte dos quadros do Legislativo cearense, iniciando sua carreira na Casa no ano de 1987, ou seja, há mais de 30 anos. No sétimo mandato parlamentar, o político, atualmente com 76 anos, pretende se lançar candidato para mais uma Legislatura. Membro da Assembleia Constituinte de 1989 no Ceará, o parlamentar, atualmente, limita sua atuação no Plenário 13 de Maio a dirigir os trabalhos das sessões ordinárias.
O presidente do Poder Legislativo Estadual, o deputado Zezinho Albuquerque (PDT), eleito pela primeira vez em 1990, está no seu vigésimo oitavo ano na Casa. O pedetista ainda não sabe qual será seu destino político no pleito deste ano, mas tem afirmado que é pré-candidato à reeleição. O parlamentar foi o primeiro gestor da Casa a ser eleito por três mandatos consecutivos.
Não vê diferença
Albuquerque não vê diferença nos embates de hoje com os do passado, ressaltando que as manifestações são propositivas, principalmente quando tratam de questões fundamentais para a população como educação, saúde e segurança pública. Ele lembrou que o presidenciável Ciro Gomes, hoje no PDT, começou a manifestar seu talento de oratória nas atividades legislativas, ainda na década de 1980. “Outros nomes que ressalto são de Chagas Vasconcelos e Antônio Santos, que também foi presidente da Assembleia”.
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Albuquerque não vê diferença nos embates de hoje com os do passado Foto: Saulo Roberto
Para ele, com os diversos meios de comunicação, como TV, Rádio e internet, a população consegue acompanhar o trabalho legislativo sem precisar sair de casa, e isso, em sua avaliação, não significa que a tribuna ficou menos atraente. “No passado, as pessoas iam para a Assembleia encher as galerias. Era a melhor forma de entender o que se passava. Hoje, com a tecnologia cada vez mais avançada, isso não é mais tão necessário”.
Aos 63 anos de idade, Zezinho afirma que tem ânimo para continuar fazendo política. “Sempre me motiva poder continuar ajudando o povo cearense, ter o reconhecimento da população, de outros deputados e políticos das nossas conquistas. Espero ainda poder contribuir por muitos mais anos”.
Também eleito deputado pela primeira vez em 1990, Fernando Hugo Colares (PP),  ainda hoje, aos 65 anos de idade,  é um dos que mais fazem uso da tribuna da Casa. Diz fazer isso por amor ao parlamento. Por isso tentará, outra vez, reeleição. “Eu tenho amor à política, e se faço isso ainda hoje é porque gosto da política, das discussões que levo para a tribuna em busca de solução para os problemas das pessoas”, afirmou. 
O parlamentar acredita que muito mudou nas últimas três décadas no Estado, e lamenta que uma maior participação da população na política não tenha criado percepção mais democrática na sociedade.  Para ele, muito da baixa  qualidade dos parlamentares hoje em dia se dá por conta de mudanças comportamentais da população que passou a eleger para os parlamentos pessoas que não têm vocação política, boa oratória ou estudo constitucional, além de um trato com o povo. “O eleitor, nos últimos anos, de forma vergonhosa, e em grande quantidade, tornou-se, mais que antigamente, vendedor de votos”, reclamou.
Falta de formação de novos líderes
O político também lamenta que novas lideranças na vida pública não surgiram por conta da falta de formação de novos líderes, assim como devido ao controle de partidos políticos, que para ele, se tornaram propriedades de dirigentes. Dentre os nomes que Fernando Hugo lembra que fazem falta na tribuna da Casa estão os dos ex-deputados Antônio Câmara e Alexandre Figueiredo, ambos fora do parlamento desde o início dos anos 1990. Ele também citou o atual prefeito de Pacatuba, Carlomano Marques,  como um bom orador. 
Na Assembleia Legislativa desde 1994, o deputado José Sarto (PDT) disse que a qualidade dos debates, de um modo geral, “deu uma piorada nas últimas décadas”. “Da última década para cá, a coisa piorou acentuadamente e isso desestimula os debates de teses da macro política”, lamentou. Segundo ele, muitas vezes, o mandato tem se resumido a levar obras para colégios eleitorais que os parlamentares representam.
José Sarto
Para José Sarto, houve uma “grande falha” cometida por lideranças políticas do passado que não estimularam o surgimento de novos líderes Foto: José Leomar
Segundo ele, dentre os nomes que se destacaram durante esses últimos 20 anos na Casa estão o ex-deputado Nelson Martins, o próprio Fernando Hugo e os petistas Luizianne Lins e Artur Bruno. Sarto atribui as discussões com teor mais elevado devido aos campos ideológicos que, em sua avaliação, eram mais definidos, o que não acontece atualmente. “A partir do Governo Cid Gomes (2006) já começou a ampliação da base governista e aí foi mitigando essas coisas. No passado tinha uma oposição e situação bem definidas, e isso gerava qualidade nos debates. Agora perdeu um pouco”. 
Para José Sarto, houve uma “grande falha” cometida por lideranças políticas do passado que não estimularam o surgimento de novos líderes. “Depois de 12, 13 anos de embates entre PT e PSDB, estamos em busca de um nome nacional e só surgem os mesmos. Temos que fazer um debate maior nos municípios, no Estado, para além da nossa função. A crítica que faço é essa”.
Sarto, assim como a maioria dos parlamentares desta atual Legislatura, pouco tem utilizado a tribuna da Casa. Ao Diário do Nordeste ele explicou que chegou a fazer essa reflexão e chegou a conclusão que estava realmente afastado do parlamento. Segundo disse, ele ainda se sente estimulado a fazer embates com a geração jovem e contribuir para questões importantes ao Estado. “A política não deixa espaços vazios. Se não preencher, alguém vai preencher. E eu acredito que ainda posso ajudar no debate para concluir a minha missão parlamentar”.
Há 20 anos na Casa, e com interesse em participar de mais uma Legislatura, o deputado Gony Arruda (PP) disse que ao chegar na Assembleia, no início dos anos 1990, gostava de ouvir os pronunciamentos de Pedro Uchoa, Carlomano Marques, Moésio Loiola, João Alfredo, Luizianne Lins e Eudoro Santana, este último pai do atual governador, Camilo Santana. “Você tinha discursos belíssimos e acredito que isso acontecia porque os parlamentares eram mais idealistas”, disse.
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"Você tinha discursos belíssimos e acredito que isso acontecia porque os parlamentares eram mais idealistas", opinou Gony Arruda Foto: Kid Júnior
Ao longo dos anos, Gony passou a estar cada vez menos presente no Plenário 13 de Maio, mas se diz estimulado pela vida pública, principalmente, por defender os interesses dos municípios que representa. “Tenho entusiasmo pela vida pública”. 
Osmar Baquit (PDT) é outro com duas décadas de vida pública na Assembleia Legislativa e citou como referências de grandes debatedores na Casa os ex-deputados Pedro Uchôa, Eudoro Santana, Luizianne Lins, Carlomano Marques, Artur Bruno, Francini Guedes, João Alfredo, Marcos Cals e Welington Landim. “Eu ficava vislumbrado por fazer parte de um grande momento nesta Casa. Toda fase é diferente, mas acho que os debates eram mais embasados”. 
O pedetista disse que seguirá na vida pública enquanto estiver motivado e disposto. Por isso, seguirá em busca de mais um mandato eletivo. Ele destacou, porém, que lideranças políticas foram sendo formadas ao longo dos anos, e citou, por exemplo, os nomes de Ciro, que surgiu ao lado do senador Tasso Jereissati, e com ele o ex-governador Cid Gomes. Este, por sua vez, foi um dos mentores de nomes novos, como do prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, e do presidente da Câmara Municipal, Salmito Filho, ambos do PDT.

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