Seminário São José formou muitos intelectuais cratenses. (Foto: Antônio Rodrigues) |
Crato/Juazeiro
do Norte. Alguns
historiadores mostram que, antes do milagre, já havia um movimento de pastoral
social comandado pelo Padre Cícero que agregava muitas pessoas de fora,
prestando não só conforto espiritual, mas material. Na época, pouco mais de 2
mil pessoas viviam no vilarejo. Isso tudo mudou quando a hóstia se dissolveu em
sangue na boca beata Maria de Araújo, em 1889. Este fenômeno religioso
intensifica a rivalidade entre Crato e seu então povoado, Joaseiro.
Com
a chegada das romarias, Juazeiro se transforma rapidamente num distrito
habitado por muitas pessoas de fora, enquanto as elites do Crato, na segunda
metade do Século XIX, defendiam condutas para o Município que aproximavam da
civilização europeia. "Ou seja, estava vivendo um processo civilizador,
com investimento em tudo que era bens culturais: jornais, rede de escolas,
associações e até no início do século XX, teve o primeiro cinema do Cariri",
explica a professora e pesquisadora Otonite Cortez.
No
momento que eclode o movimento de romarias em Juazeiro, a configuração social
daquela população se acumulou em torno do Padre Cícero e aquilo assustou o
padrões estéticos e civilizatórios dos intelectuais cratenses. "Eles
nominaram como um ergástulo de delinquentes, de fanáticos, de broncos,
analfabetos", conta a pesquisadora. Há, portanto, uma espécie de terror do
Crato em relação ao seu distrito.
Por
outro lado, tudo isso passa a compor um discurso de superioridade do Crato
sobre Juazeiro estimulado pelos seus intelectuais, na medida que cresce a
religiosidade popular. A própria figura do Padre Cícero era tido como
embusteiro. "A espontaneidade da religiosidade popular fugia do padrão
estético desenhado pelos intelectuais cratenses", explica Otonite. Os
romeiros são tidos como incivis, atrasados e, por outro lado, surge a
"cidade da cultura". "Antes do fenômeno de Juazeiro, eu não
encontrei nenhum discurso, nenhum texto em que os cratenses se referiam ao
Crato como 'Cidade da cultura'. Eles se referiam como 'Princesa do Cariri',
'Cabeça de comarca', 'Capital do Cariri'", completa a professora.
A
construção do Crato como "cidade da cultura" nasce para se
estabelecer uma distinção em termos hierárquicos numa época em que o
"fanatismo" era considerado uma doença. Nos jornais cratenses da
época, o Município é tratado como lugar "adiantado",
"civilizado", "ordeiro", "pacífico", enquanto seu
distrito era um lugar "atrasado", "fanático". Do lado de
Juazeiro, a posição dos padres em não crer e professar o "milagre"
por ordem da Igreja incomodava a população.
Emancipação
Em
1907, Juazeiro do Norte teve seu primeiro movimento emancipacionista, mas que
fracassou. Naquele momento, o distrito era formado por dois grupos: os naturais
da terra, e os adventícios, romeiros que fixaram moradia no povoado. E logo se
tornaram rivais. Isso aconteceu, primeiro, pela questão religiosa, pois quando
Roma condenou o milagre, os ricos fazendeiros naturais da terra passaram a
descrer no evento. Segundo, os comerciantes de fora eram mais bem-sucedidos que
os nascidos aqui.
O
major João Bezerra de Meneses, fazendeiro e descendente da família de Juazeiro,
convocou o movimento pela separação de Crato, mas o conflito entre os grupos,
acabou não tendo tanta adesão. "Apenas em 1909 com a participação do Padre
Cícero na campanha, a fundação do jornal O Rebate e as alianças formadas com
Floro Bartolomeu e o padre Alencar Peixoto, a campanha emancipacionista de
Juazeiro ganharia outro status, unindo os dois Juazeiros em prol da sua
independência", explica o jornalista Cícero Dantas, que pesquisou a
disputa simbólica dos jornais "O Rebate", de Juazeiro do Norte, e
"Correio do Cariry", de Crato, no período que antecedeu a
emancipação.
O
Correio do Cariry descrevia Juazeiro como uma terra de "embusteiros",
"fanática" e ameaçador da ordem moral. "O próprio universo de
seguidores do padre Cícero alimentou essa descrição. Haviam também criminosos
foragidos, bandidos e cangaceiros legendários da história do cangaço no
Nordeste", explica Cícero. E esse discurso chegava aos jornais do Rio de
Janeiro, Salvador, Recife e de Fortaleza que emitiram notas de reprovação as
atitudes e comportamentos presenciados em Juazeiro.
Considerado
o primeiro jornal de Juazeiro,"O Rebate", fundado em 18 de junho de
1909, surge como um marco civilizatório, que alavancaria o nível social da
população juazeirense. "A fundação do jornal foi enaltecido como uma
conquista e início de progresso", descreve Cícero. No periódico, a Terra
do Padre Cícero apresentava o distrito como um lugar moderno, civilizado e
divulgava seu desenvolvimento econômico, como as construções de escolas,
mercado e iluminação pública. No entanto, sua função mais importante era
desmentir as notícias falsas circuladas no "Correio do Cariry" que
publicou muitas notas contando sobre possíveis invasões armadas a cidade do
Crato e agressões físicas a suas personalidades, por exemplo.
"Eu
considero que O Rebate acelerou a emancipação. Antônio Luiz, prefeito do Crato
na época, não tinha a menor intenção de conceder a independência de Juazeiro.
Tanto é que negou o projeto por duas vezes na Assembleia Legislativa do Estado
nos anos de 1909 e 1911. A emancipação de Juazeiro traria prejuízos à cidade do
Crato, perdendo terras e uma boa fonte de impostos que ajudava no progresso da
cidade", narra Cícero Dantas.
Pouco
antes da emancipação, houve um boicote econômico ao Crato, quando juazeirenses
deixaram de trabalhar e visitar a cidade. Isso prejudicou a economia cratense,
principalmente, com o não pagamento de impostos. Isso só mudou quando
representantes das duas localidades firmaram um acordo de paz que, entre as
suas cláusulas, havia o encerramento da discussão entre o Correio do Cariry e O
Rebate. "Só por isso percebe-se o peso que as publicações desse jornais
tiveram naquela refrega política", exalta o pesquisador.
No
dia 30 de agosto de 1910, houve um manifesto em Juazeiro, logo após Antônio
Luiz negar, pela segunda vez, a elevação do distrito a vila independente. Mais
de 15 mil pessoas foram as ruas em protesto, ou seja, mais da metade da
população que, na época, era 25 mil pessoas. No dia 22 de julho de 1911, quase
um ano depois, a emancipação é concedida. Porém, os conflitos com o Crato
continuaram por décadas. Fonte: Diário do
Nordeste
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