A
declaração do presidente eleito Jair Bolsonaro de que pretende romper laços
diplomáticos com países com governos de esquerda e de fechar a embaixada
brasileira em Cuba foi recebida com preocupação entre os diplomatas. “Qual o
negócio que podemos fazer com Cuba? Vamos falar de direitos humanos? Foi
acertado há quatro anos, quando Dilma era presidente, que se alguém pedisse
exílio – no Brasil, como os médicos cubanos – seria extraditado. Dá para manter
relações diplomáticas com um país que trata os seus dessa maneira?”, afirmou
nesta sexta (2) o presidente eleito em entrevista ao jornal Correio Braziliense e à
televisão Rede Vida.
O
ex-embaixador Rubens Ricupero classifica o fechamento da embaixada brasileira
em Cuba como um retrocesso para os tempos de Guerra Fria. “É uma volta ao
espírito da Guerra Fria que acabou há mais de 30 anos. A Guerra Fria terminou
com a queda do Muro de Berlim e o fim do comunismo. Naquela época é que havia
esse tipo de atitude. A política externa brasileira sempre teve como princípio
a universalidade nas relações. Nós procuramos ter relações com todos os países,
qualquer que seja a orientação de cada um. É um imperativo da convivência entre
as nações”, afirmou o diplomata em entrevista à Agência Brasil.
O
ex-embaixador Rubens Barbosa ressalta que o Brasil tem interesses comerciais
com Cuba e defende que as relações diplomáticas sejam avaliadas com base no
interesse brasileiro. “O Brasil tem uma tendência a ter relações com todos os
países e, no caso de Cuba, nós temos interesses lá. Exportamos para Cuba e
fazemos investimentos lá. Cuba tem uma dívida para com o Brasil, então a gente
precisa colocar as relações do Brasil com Cuba e com todos os outros países
dentro de um interesse maior do Brasil. Pegando o caso de Cuba, nós temos
interesse em receber o dinheiro que o Brasil emprestou”, disse à Agência Brasil.
Barbosa
acredita que, por ser um governo com posição clara de direita, haverá uma mudança
de ênfase com relação à política externa. “Temos de esperar o governo assumir
para ver a intensidade dessa mudança de ênfase na política externa. A gente tem
que esperar para ver se há um interesse maior do Brasil. Não é uma questão
ideológica, não é uma questão só política. Há também consequências econômicas e
financeiras para o Brasil. Isso tudo vai ter que ser avaliado quando o governo
tomar posse”, declarou.
Reavaliação
Rubens
Ricupero também acredita que haverá uma reavaliação em torno dessas questões
quando o novo governo tomar posse, mas considera que a política externa até
agora apresentada por Bolsonaro está pautada pelo ponto de vista ideológico.
“Eu espero que, com a escolha do ministro das Relações Exteriores, no momento
em que o presidente tiver tomado posse, conhecendo melhor as questões, ele vai
ter uma orientação diferente. Mas, até agora, parece uma política muito
ideológica em contradição com o que ele mesmo diz. Ele declarou que teria uma
orientação pragmática, não ideológica como ele entende que havia sido no
passado”, aponta.
Na
visão do diplomata, as intenções declaradas pelo presidente eleito com relação
a países como Estados Unidos e Israel demonstram o viés ideológico de sua
política externa. Bolsonaro declarou que pretende mover a embaixada brasileira
em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. “Como afirmado durante a campanha,
pretendemos transferir a Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém. Israel
é um Estado soberano e nós o respeitamos”, escreveu em sua conta no Twitter na
última quinta-feira. Para Ricupero, essa decisão não se sustenta do ponto de
vista pragmático. “Nessa região do Oriente Médio, estão grandes interesses
brasileiros, sobretudo de exportação de carne de frango e de carne bovina.
Estão todos concentrados nos países árabes, que são contrários a essa atitude”,
explica.
Em
relação ao alinhamento político com os Estados Unidos, o diplomata também
aponta para um componente ideológico. “Os Estados Unidos têm interesses
diferentes dos interesses brasileiros, em muitas coisas eles são até
concorrentes do Brasil. Em comércio, por exemplo, em soja, em carne, carne
bovina, carne suína, carne de frango, os EUA competem com o Brasil pelos mercados
de fora. Então uma atitude como essa, de alinhar-se aos EUA é uma atitude
ideológica”, pontua Ricupero.
China
Entre
as declarações do presidente eleito com relação à política externa, a afirmação
de que “a China quer comprar o Brasil” também gerou repercussão no meio
diplomático por causa da importante relação comercial entre os países, sendo a
China hoje o maior mercado para as exportações brasileiras.
Em
entrevista para o canal de televisão norte-americano Fox News nesta sexta-feira
(2), Sérgio Amaral, embaixador brasileiro em Washington enfatizou a importância
da relação entre os dois países.
“A
China tem muitos investimentos no Brasil e tornou-se o parceiro comercial mais
importante. Mas a diferença na relação entre China e Brasil em comparação com a
que a China tem com outros países é, que sempre que dizemos algo, eles aceitam.
Isso depende de nós e nós temos de decidir que tipo de política queremos ter
com a China. Não tem razão para não continuarmos mantendo isso”, afirmou
Amaral.
Ricupero
considera que qualquer atitude de hostilizar a China por parte do novo governo
traria graves consequências econômicas para o Brasil, em especial em relação às
exportações de soja, minério de ferro e carnes.
“Não
há outro mercado dessa dimensão mesmo porque, nessa área, os Estados Unidos
concorrem com o Brasil, sobretudo em soja e em carnes. Então, mais uma vez,
isso prejudicaria o comércio exterior. Se o novo governo seguir essa linha, em
pouco tempo vamos perder boa parte dos nossos mercados, sem possibilidade de compensar
com outros. Creio que isso traria um prejuízo gigantesco à economia
brasileira”, afirma Ricupero.
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