(Foto: Mauri Melo) |
"Pensei
em desistir várias vezes. Mas tinha um propósito"
Como
muitos nordestinos, a história de Ciswal Santos, 31 anos, é marcada por
dificuldades. E, como poucos do sertão, também por superação. Foi do lixo,
juntando latas de alumínio, que Ciswal conseguiu bancar a primeira graduação em
eletroeletrônica e eletrotécnica em Juazeiro do Norte. Depois disso, se formou
em física e mecatrônica, e hoje trabalha como professor. O último feito foi a
aprovação na prestigiada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (EUA),
onde irá cursar Ciências da Computação, à distância, com avaliações
presenciais. O cearense busca desenvolver um projeto que visa levar água,
energia e internet, por um baixo custo, para pessoas do sertão brasileiro.
Ao
O
POVO, Ciswal compartilha os percalços da trajetória e o que o fez se manter
firme na direção de seus objetivos.
O
POVO: Como
começou sua vida acadêmica?
Ciswal
Santos: Eu
entrei na Fatec, uma universidade estadual, e, por vir de escola pública, eu
achava que teria merenda escolar, livros. Tive um choque de realidade.
Tinha
que comprar livros e eu não tinha condições. Eu trabalhava em um mercantil.
Recebia R$ 20 por semana e esse valor era para alimentação. Então eu tive que
procurar uma forma de continuar estudando.
OP: Que solução
encontrou?
Ciswal: Eu comecei a
catar latinhas. Saía da faculdade fardado e ia aos bares pegar latinhas. Foi
quando encontrei o barzinho do José Gondim. Peguei as latinhas lá e ele veio me
perguntar por que eu ficava mexendo nas lixeiras. Expliquei a situação e ele
disse que eu não precisava mais ir lá, que ele ia guardar as latinhas pra mim.
Em troca, toda sexta-feira, eu precisaria mostrar o que eu tinha feito na
semana. Foi assim durante quatro anos em que eu me formei.
OP: Te incomoda
ser chamado de ex-catador?
Ciswal: Eu não tenho
vergonha de dizer que eu metia a mão no lixo. Eu não tenho vergonha de dizer
que houve uma festa lá em Juazeiro, e estavam todos os meus amigos brincando,
inclusive a menina que eu gostava. Enquanto isso, eu estava com um saco de
estopa, aproveitando para catar latinhas. Naquela hora, eu senti vergonha. Eu
pensei em desistir várias vezes. Mas eu tinha um propósito.
OP: Qual foi a
maior dificuldade nesse processo?
Ciswal: Foi ver a
minha mãe chorando. Ela fazia muito cuscuz pra gente, com ovo, leite, etc. Um
dia não tinha nada. E a gente comeu só o cuscuz com um copo d'água. E eu a vi
sentindo uma sensação de impotência.
OP: Como foi o
caminho até Harvard?
Ciswal: Fiquei sabendo
através de um professor de judô. Vi que o que estava em alta era energia
sustentável. E, pensando naquela situação da minha família, eu peguei a sonda
Curiosity, que está em Marte, e transpus o sistema eletrônico e de transição de
dados dela para uma residência de quatro pessoas no sertão. E apresentei pra
eles em 30 dias.
OP: Histórias como
a sua não são a regra.O que te fez não desistir?
Ciswal: Saber que eu
consigo isso através de estudos. É por isso que eu quero ir a Harvard. Eu sei
que vai ser difícil. E se eu tiver que ir a Boston catando latinhas, eu vou
catar para pagar a passagem.
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