O
Conselho Universitário (CONSUNI) da Universidade Regional do Cariri (URCA), em
reunião ordinária, ocorrida no último dia 21 de novembro, concedeu o título de
Doutor Honoris Causa ao memorialista e radialista Huberto Cabral.
A
proposição desta homenagem tramitou, preliminarmente, no Colegiado
Departamental do Curso de História e no Conselho do Centro de Humanidades da
URCA, sendo deferida com ampla margem de aprovação.
Segundo
o vice-reitor da URCA, professor Lima Júnior, que presidiu a reunião do CONSUNI
em que o título foi concedido pela unanimidade dos seus membros, a reunião
solene dos conselhos superiores para outorga do título será oportunamente
marcada. Os muitos amigos e admiradores de Huberto Cabral prometem realizar uma
significativa comemoração na vindoura solenidade.
Dados
biográficos e trajetória profissional – Segundo o renomado intelectual Dr.
Raimundo de Oliveira Borges (que foi diretor das três primeiras Faculdades
fundadas em Crato: Filosofia, Ciências Econômicas e Direito, todas hoje
componentes da Universidade Regional do Cariri–URCA) “a cidade de Crato
notabiliza-se por ser uma das cidades vanguardeiras do Nordeste brasileiro, não
somente pelas páginas que enriquece a sua história política, mas, e sobretudo,
pela atuação de alguns de seus filhos no campo das ciências, das letras, das
artes e da cultura de um modo geral”.
Dentre
os filhos de Crato que se destacaram, e continuam se destacando, nessas
atividades está o memorialista e radialista Huberto Cabral. Na sua trajetória
profissional, Huberto Cabral exerceu inúmeros cargos, dentre eles o de Assessor
de Imprensa da Prefeitura de Crato, Câmara de Vereadores e Assessor de
Comunicação nos primórdios da Universidade Regional do Cariri. Ao longo da sua
existência ele tem sido animador e organizador de inúmeras promoções de caráter
cultural que se realizam em Crato desde o início da década 50 do século
passado.
Huberto
Cabral sempre participou ativamente da organização da “ExpoCrato” (Exposição
Centro-Nordestina de Animais e Produtos Derivados) o maior evento
econômico-social do interior nordestino. São milhares as crônicas escritas e
divulgadas por ele através dos meios de comunicação, as quais – se reunidas e
publicadas – constituiriam o resgate das efemérides históricas, políticas e
educacionais de Crato e do Cariri.
Francisco
Huberto Esmeraldo Cabral nasceu em Crato, Ceará, em 20 de dezembro de 1936,
filho do casal José Leite Álvares Cabral e Pia Esmeraldo Cabral. O pai guarda
parentesco com o célebre navegador português Pedro Álvares Cabral, tido pela
historiografia tradicional como o “descobridor do Brasil”. Segundo Huberto
Cabral, irmãos e parentes do “descobridor” se radicaram em Patos, na Paraíba,
na época da expansão da pecuária pelos sertões nordestinos, e membros da
família chegaram ao Cariri cearense, onde fundaram a fazenda Riachão, no atual
município de Barro.
Com
três anos de idade, numa visita que sua família fez ao segundo bispo do Crato,
Dom Francisco de Assis Pires, Huberto Cabral convidou aquele prelado para ser o
seu padrinho de crisma. Convite aceito, o desejo daquele extrovertido garoto
foi confirmado algum tempo depois, selando uma forte relação entre ele e o
bispo, o que valeu a Huberto Cabral o convite para ser o secretário pessoal de
dom Francisco. A influência exercida do padrinho sobre o afilhado foi tamanha
que este, decidido a ser padre, ingressou no Seminário São José do Crato, onde
permaneceu por oito anos, tempo de duração do chamado Seminário Menor. Mesmo
não persistindo na vocação sacerdotal, os laços de Huberto Cabral com a Igreja
e a Diocese do Crato permanecem fortes até hoje.
Huberto
Cabral cursou “as primeiras letras” no Instituto São Luís Gonzaga, que
pertencia a sua prima Cira Esmeraldo, e os antigos cursos primário e científico
no Colégio Diocesano do Crato. Somados os anos que transitou entre o ensino
laico e religioso, Huberto Cabral passou dezesseis anos nos bancos escolares,
de 1945 a 1961.
68
anos dedicados à comunicação social – Ainda estudante e adolescente, Huberto
Cabral iniciou carreira na área de comunicação social, que perdura até hoje,
totalizando já quase sete décadas de duração. Sua estreia na profissão
jornalística deu-se pelas mãos do Monsenhor Rubens Gondim Lóssio, que solicitou
sua ajuda para a fundação e funcionamento do serviço de alto-falante do
Seminário São José, inaugurado em 1º de dezembro de 1950, durante os festejos
de comemoração do jubileu de diamante daquele casarão religioso. Também no
Seminário, aconteceu o seu debut na imprensa escrita, como um dos editores d’O
levita, jornal mantido pelos alunos sob o incentivo da direção daquele
educandário católico que, desta forma, comprova ter sido também uma verdadeira
escola de jornalismo. De O Levita, Huberto Cabral passou a escrever para o
semanário A Ação, porta-voz da Diocese do Crato, fundado em 1939, na época
tendo como editor-chefe o Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira, a quem Huberto
Cabral sucedeu na função, permanecendo até o encerramento das atividades do
jornal, em 1989.
Ao
sair do Seminário, Huberto Cabral passou a atuar na Amplificadora Cratense,
pioneiro serviço de transmissão por alto-falante da região do Cariri, fundada
em 1937 por Júlio Saraiva Leão, então secretário de Urbanismo do Crato. A
Amplificadora Cratense tinha como padrão a programação da Rádio Nacional do Rio
de Janeiro.
Com
a fundação da Rádio Araripe do Crato – a primeira empresa radiofônica do
interior cearense –, Huberto Cabral se transferiu para aquela emissora. A Rádio
Araripe fazia parte do Diários Associados, maior conglomerado de mídia da
América Latina, que em seu auge contou com mais de cem jornais, emissoras de
rádio e TV, revistas e agência de notícia, pertencentes a Assis Chateubriand,
conhecido magnata das comunicações. Huberto Cabral permaneceu na Rádio Araripe
até 1958, quando foi convidado pelo bispo do Crato, Dom Vicente de Paula Araújo
Matos, para colaborar na implantação da Rádio Educadora do Cariri, na qual
permanece até hoje, como redator dos noticiários da emissora e apresentador do programa
dominical de música e informações culturais, Recordação Saudade.
Apesar
dos notáveis avanços obtidos na área das comunicações nas décadas de 1950 e
1960, a tecnologia disponível, em comparação aos dias atuais, era obviamente
bastante incipiente. Isso, no entanto, não tirava o ímpeto e até as
experimentações ousadas e inventividades pioneiras do nosso personagem
enfocado. Prova disso foi o ato por ele protagonizado na captação, embora
precariamente, de imagem e som de televisão pela primeira vez na região do
Cariri, proeza ocorrida em 15 de agosto 1960, na praça da igreja-matriz da
cidade de Milagres. As imagens captadas foram da TV Jornal do Commércio,
geradas a partir de Recife, Pernambuco. Somente em 1968 é que foi instalado o
serviço de micro-onda que possibilitou a repetição, para a região do Cariri,
das imagens da TV Ceará Canal 2, em cadeia com as TVs Tupi de São Paulo e do
Rio de Janeiro, todas pertencentes aos Diários Associados.
Outra
proeza a cargo de Huberto Cabral foram as transmissões radiofônicas de longa
distância, notadamente de eventos esportivos que envolviam representações
caririenses em competição em outras regiões do estado do Ceará. Utilizando
geradores, baterias, rádios e outras aparelhagens e utensílios, como arame
galvanizado, jornais e revistas, além de gambiarras, como cercas de arame
farpado e os trilhos da linha da REFFSA, – Huberto Cabral, com a ajuda de
Edmundo Gonçalves, técnico da Rádio Educadora do Cariri, conseguia recuperar e
interligar as linhas dos telégrafos dos Correios à “parafernália” montada para
conseguir o link que possibilitava a transmissão exclusiva das partidas de
futebol, realizadas em cidades próximas diretamente para o Cariri. Nenhuma
outra emissora conseguia essa façanha, que virou um “segredo de estado” entre
os profissionais da Rádio Educadora do Cariri.
Como
repórter radiofônico, Huberto Cabral conseguiu um “furo” jornalístico de
caráter nacional por ocasião da visita do Presidente da República, Marechal
Castelo Branco, a Crato, em junho de 1964, logo após a instauração do regime
militar, quando a cidade comemorava o bicentenário de sua fundação. Escondido
no meio da mata da chapada do Araripe, onde se localizava o Aeroporto Regional
Nossa Senhora de Fátima (hoje desativado), Huberto Cabral, tão logo o avião
presidencial aterrissou, burlou a forte esquema de segurança e adentrou na
aeronave, conseguindo, em primeiro lugar, uma mensagem gravada do
“marechal-presidente”. Antecipando-se a mais de cem correspondentes dos
principais jornais e emissoras de rádio e TV do país que faziam a cobertura
daquela visita presidencial, a Rádio Educadora do Cariri transmitiu o
sensacional “furo” jornalístico conseguido pelo seu dinâmico repórter Huberto
Cabral.
Outra
cobertura jornalística de destaque feita por Huberto Cabral foi a inauguração
do açude de Orós, em 11 de janeiro de 1961, pelo então Presidente da República,
Juscelino Kubitschek de Oliveira. Tal como aconteceria em 1964, com o
presidente Castelo Branco, Huberto Cabral “invadiu” o avião que trouxera o
presidente Juscelino Kubitschek e conseguiu entrevistá-lo em primeira mão,
fazendo em seguida a transmissão da solenidade de inauguração do açude, com
auxílio das “técnicas” de difusão radiofônica de longa distância que só a Rádio
Educadora do Cariri possuía.
O
“Homem-Memória” – No entanto, a contribuição de Huberto Cabral ao Crato e à
região do Cariri não se limita à sua atuação no campo das comunicações. Pela
sua prodigiosa memória relativa aos acontecimentos históricos regionais,
notadamente aqueles em que ele próprio foi testemunha ocular, Huberto Cabral é
chamado de a “enciclopédia viva de Crato”. Por isso, é sempre requisitado por
profissionais da imprensa e pesquisadores universitários para conceder
depoimentos que detém informações de grande relevância para a elaboração de
trabalhos jornalísticos e acadêmicos.
Os
dados que detém estão, tal como num disco rígido de computador, armazenadas
organizadamente em sua memória como que separadas em “pastas” de arquivo. Para
cada uma delas, Huberto Cabral tem um zelo incomum, a exemplo da comemoração do
centenário de elevação do Crato à categoria de cidade, ocorrida em outubro de
1953. Relata Huberto Cabral que, tão logo Décio Teles Cartaxo foi eleito
prefeito do Crato, em 1950, foi procurado por ele com a sugestão de que um dos
primeiros atos administrativos da nova gestão municipal fosse uma portaria
nomeando uma comissão para planejar aquela importante efeméride. Sugestão
aceita, a comissão, da qual Huberto Cabral era um dos integrantes, trabalhou
arduamente por quase três anos para realizar aquela que, segundo Huberto
Cabral, foi uma das maiores festas cívicas já realizadas no Nordeste
brasileiro. Para se ter uma ideia da grandiosidade do evento, o Crato recebeu
como convidados o Vice-Presidente da República, Dr. João Café Filho,
representando o presidente Getúlio Vargas; o Ministro do Trabalho, João
Goulart; o General Castelo Branco, então Comandante da 10ª Região Militar; o
Governador do Ceará, Raul Barbosa; o polêmico político paulista, Ademar de
Barros; o então maior empresário no campo das comunicações do Brasil, Assis
Chateaubriand, que trouxe consigo o mitológico cantador Cego Aderaldo, e uma
gama de outras destacadas autoridades civis, militares e eclesiásticas. Nunca
mais, em nenhuma outra cidade do Cariri, observou-se tantas personalidades
proeminentes reunidas para prestigiar um evento local.
Testemunha
ativa da história recente do Cariri – Outra relevante contribuição dada por
Huberto Cabral é a prestação diletante de serviço de cerimonial de eventos
públicos e privados, o que denota sua participação ativa no cotidiano da cidade
do Crato e da região do Cariri, além de sua abnegada participação em movimentos
que visem o benefício da coletividade. Dentre eles, podemos relacionar a
implantação e instalação dos pioneiros meios de comunicação escritos e falados
da região, a retomada da Exposição Centro-Nordestina de Animais e Produtos
Derivados, em 1953, após nove anos de paralisação; a criação do Instituto
Cultural do Cariri (ICC), também em 1953, e da revista Itaytera, cujo primeiro
número circulou em 1955; a fundação da Faculdade de Filosofia do Crato, em
1959, e, posteriormente, da Universidade Regional do Cariri (URCA), em 1987,
além da campanha em prol da eletrificação do Cariri, pela energia gerada na
Hidrelétrica de Paulo Afonso (BA), no ano de 1961. Sobre esta última conquista,
Huberto Cabral, mesmo nos bastidores, teve uma importante e estratégica
participação, que pode ser resumida em dois episódios tidos como cruciais
daquela empreitada.
Em
primeiro lugar, no início da campanha, constatou-se a apatia da população por
conta da descrença pelas dificuldades para que que o Cariri recebesse a energia
de Paulo Afonso. Este sentimento de desânimo contagiava até os membros do
recém-criado Comitê Pró-Eletrificação do Cariri. As lideranças políticas e
empresariais de Fortaleza, de inquestionável força política e peso econômico,
queriam que a eletrificação fosse primeiramente instalada no litoral cearense,
o que era geográfica e logisticamente um contrassenso. Para entusiasmar a
população, Huberto Cabral tramou uma imaginária “inauguração da turbina do
Cariri”, que aconteceria na Hidrelétrica de Paulo Afonso, transmitida ao vivo
por ele pelos microfones da Rádio Educadora. Essa estratégia surtiu o efeito
desejado e, a partir de então, a população tornou-se uma forte aliada na
campanha pró-eletrificação do Cariri. Na sequência, próximo da inauguração da
energia elétrica, prevista para o dia 28 de dezembro de 1961, ocorreu um
defeito em uma peça da subestação da Companhia Hidrelétrica de São Francisco –
CHESF, localizada no município de Milagres, o que deixou os técnicos
preocupados, já que deveria ser mandada buscar uma nova peça em São Paulo, o
que atrasaria o evento tão esperado por todos. Sabedor de uma solução caseira,
Huberto Cabral solicitou a peça defeituosa e um helicóptero da Companhia para
resolver o problema com a urgência necessária. Mesmo sob discordância dos
técnicos, ele convenceu a direção da subestação e trouxe a peça até o Crato,
levando-a até a Oficina Abinadab, onde, em pouco tempo, outra peça foi
confeccionada. Assim, a chegada da energia elétrica de Paulo Afonso ao Cariri
foi mantida na data aprazada. Segundo Huberto Cabral, esta peça “made in Crato”
ainda hoje funciona naquela subestação.
Atualmente,
próximo de completar 82 anos de existência, contrariando uma tendência natural
de com o avanço da idade ocorrer um arrefecimento de ânimo, força ou disposição
do ser humano ao trabalho, Huberto Cabral continua firme no seu “sacerdócio”
cotidiano de prestar serviços à comunidade caririense. Serviço de boa
qualidade, sem preocupação de colher louros, a não ser aqueles que venham
beneficiar a todos incondicionalmente.
Por
essa história de vida, totalmente devotada à causa pública e ao progresso
material e intelectual de nossa região, Huberto Cabral é merecedor de todo o
nosso respeito e gratidão. Conteúdo do Blog do Crato –
Foto: Wagner Pereira
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