(Foto: Helene Santos) |
Muito
se fala em educar para transformar a Nação. A Constituição prevê que a educação
é "direito de todos e dever do Estado e da família", devendo ser
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Com a garantia da premissa
básica e acreditando que o futuro depende diretamente das ações tomadas em prol
de si mesmo para que o passado não volte a ser realidade, presos do Ceará
optaram por uma rotina diferente dentro das unidades prisionais.
"Quando
a pessoa está dentro do Sistema Penitenciário é uma escolha: se envolver com o
que não presta ou se preparar para a saída. Escolhi me preparar. Quero ser
melhor. Quero ser um agrônomo". A fala é de um dos internos do Centro de
Execução Penal e Integração Social (Cepis) Vasco Damasceno Weyne. Aos 43 anos,
o homem, que pediu para não ter seu nome revelado, é um dos quatro presos no
Ceará a ter conseguido vaga em Instituição de Ensino Superior pública na
primeira chamada do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Nos
dias 11 e 12 de dezembro de 2018, o preso se submeteu ao Exame Nacional do
Ensino Médio para pessoas privadas de liberdade (Enem PPL). Ele conta que ao
fazer as provas, dentro do equipamento localizado em Itaitinga, lembrou dos
filhos de 17 e 18 anos, que já tinham passado pela experiência, no Enem.
"Participei de aulões e minha família trouxe livros para eu estudar. De
noite, eu aproveitava para ler. Essa rotina nova me ajudou aqui dentro e mudou
minha visão do mundo. Agora que eu passei justamente no curso que eu sempre
quis, vejo a chance de trabalhar, contribuir com a minha família e ajudar a
sociedade. Espero que o juiz me deixe cursar. Tenho consciência de que poucos
conseguem, mas acredito que é um marco na minha vida. Só em ter passado eu dei
orgulho para a minha família e dei meu primeiro passo", disse.
A
esperança a que o aprovado em Agronomia pela Universidade Federal do Ceará
(UFC) se refere depende do Poder Judiciário. É de lá que sai a decisão se
qualquer interno aprovado pode ou não assistir às aulas. A prática também se
estende a outros oito detentos do Estado aprovados com bolsa de 100% na
primeira chamada do Programa Universidade para Todos (Prouni).
Perseverança
Aécio
Carlos Magalhães, 55, também foi aprovado no Sisu. Há pouco mais de um ano
encarcerado no Cepis, nas últimas semanas ele recebeu a informação que havia
sido aprovado no curso de Letras Espanhol, também pela UFC. Natural do
Maranhão, Magalhães recorda que na edição anterior do Enem PPL, também
conseguiu vaga em universidade pública.
"Já
tinha passado antes, mas da outra vez não deu tempo minha família trazer a
documentação. Quando eu estava em liberdade, cheguei a fazer um ano de Letras
Inglês. Mas trabalhava muito e não tive como continuar. Dessa vez, quero muito
que dê certo, e eu me forme. Tenho quatro filhos. Dois formados e os outros
dois estão se formando. Sempre quis ser professor. Quero sair daqui formado,
com coisa boa para o futuro", contou Aécio.
O
coordenador educacional da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP),
Rodrigo Moraes, conta que 2018 terminou com 1.800 presos matriculados nos
cursos preparatórios. O Cepis e a CPPL IV foram as unidades com maior número de
estudantes. Ao todo, segundo Moraes, a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc)
disponibiliza 25 professores. A SAP faz a triagem dos presos que podem ter
aulas, e a Seduc avalia o nível de escolaridade.
"Primeiro
de tudo, o interno precisa querer estudar. O Enem é uma grande porta para o
Ensino Superior. Um outro interno foi aprovado no curso de Direito. Quando ele
fez a prova, estava recolhido no Centro de Triagem, depois já teve o direito
garantido de utilizar tornozeleira eletrônica e recebeu a notícia quando já não
estava mais preso. Para cada 12 horas de estudo, um dia de remissão de pena.
Ano após ano, percebemos o maior interesse dos internos em participar. Ainda
aguardamos a segunda chamada do Sisu e do Prouni e acreditamos sim que esse
número 12 vá aumentar", avaliou Moraes.
Entraves
O
coordenador destacou que a logística, caso os presos ingressem nas faculdades,
varia conforme a decisão do juiz. Ele lembrou do caso de uma detenta que
desistiu de ir para a universidade quando soube que teria de ficar acompanhada
sob escolta durante as aulas. "Esse foi um caso que a pessoa desistiu pelo
medo do estigma. Também temos vitórias, como a de uma aluna que conseguiu
concluir o curso de História na UFC", alertou o coordenador sobre o
preconceito que ainda existe contra presos nas universidades.
As
próximas etapas a serem vencidas não abalam o interno aprovado em Agronomia.
Conforme o encarcerado, de qualquer modo, ele entendeu que a "educação é a
oportunidade de qualquer preso mudar a sua história e sair do presídio melhor
do que entrou. Não existe nada impossível". Diário do Nordeste
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