(FOTO:
ANTÔNIO RODRIGUES)
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A
água aqui a gente compra pra beber. São 10 baldes para passar uma semana",
desabafa a aposentada Maria Aurora de Carvalho, moradora do bairro Alto Alegre,
em Salitre. Do chuveiro de sua casa, nunca caiu uma gota d'água. Assim como
ela, os moradores da cidade compram de carroceiros que vendem por R$ 1 uma lata
de 16 litros. Município do Cariri cearense com menor média pluviométrica, a
realidade não é diferente na zona rural, abastecida em sua maioria por
caminhões-pipa da Defesa Civil.
Localizado
no Cariri Oeste, a 530 km de Fortaleza, Salitre fica nas divisas com o Piauí e
Pernambuco e já figurou entre os maiores produtores de mandioca do Estado -
permanece como o maior da região. Por causa disso, foi reconhecido como a
"Capital da Mandioca no Estado do Ceará". No entanto, a escassez de
chuvas foi uma das principais responsáveis pelo abandono ou paralisação da
produção do tubérculo. Em 2016 e 2017, a quadra chuvosa decepcionou, com
volumes acumulados de 271 milímetros, e 260,5 milímetros, respectivamente,
somando as precipitações de fevereiro a maio. Em 2018, foram registrados 365,4
milímetros. Mesmo assim, ficou abaixo da média histórica do Município: 450,2
mm, conforme dados da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos
(Funceme).
Segundo
o órgão, a pouca incidência de chuva em Salitre acontece pela sua localização,
que está no sotavento da Chapada do Araripe, ou seja, em uma área onde se tem
subsidência do ar (movimento do ar de cima para baixo), fator que inibe a
formação das nuvens. Outra questão leva em conta o fato de este Município estar
afastado do litoral.
Apesar
das chuvas escassas nos últimos anos, o "inverno" passado agradou aos
produtores de mandioca, e Salitre registrou um crescimento no número de casas
de farinhas nos últimos cinco anos. De 102 em 2013, passou a ter 126 em
funcionamento, no ano passado. Por outro lado, a boa safra afetou o preço do
produto. O saco de 50 quilos que custava R$ 220, hoje está custando R$ 50. Isso
fez com que pequenos agricultores desistissem do plantio.
A
região que compreende o Município e fazia parte de Campos Sales, cidade
vizinha, é uma área de terras arenosas, apropriadas para a plantação de
mandioca. Em contrapartida são poucos os riachos que cortam Salitre. Não há
fontes naturais e nenhum grande reservatório. Com isso, a captação de água
acontece através de poços profundos. O líquido, no entanto, é salgado. Parte da
cidade não tem abastecimento e os que recebem, não conseguem utilizar para
beber ou cozinhar.
O
abastecimento precário obriga os moradores a comprarem água vendida por
carroceiros. Maria Aurora de Carvalho, por exemplo, gasta R$ 40 por mês para
seu consumo e de mais duas pessoas. Como no bairro onde mora não tem água
encanada, seu filho abastece os baldes em um dos poços próximos de sua casa,
que serve para banho, lavar a louça, roupas e matar a sede dos animais.
"Ontem, comprei dois baldes e está bem pouquinho", conta.
Mercadoria
Água
em Salitre deixou de ser direito para ser um negócio há um bom tempo. Nos
últimos anos, caminhoneiros da região têm abastecido a carroceria com litros
d'água retirados do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), em Araripina,
para revender em Salitre. Para a retirada, é paga uma taxa de R$ 15.
Hélio
de Souza, por exemplo, percorre todos os dias mais de 60 km para encher os
galões e comercializar no Município. De manhã, faz entregas e à tarde busca
mais para o dia seguinte. Um tambor de 200 litros custa R$ 25 e a lata de 18
litros custa R$ 1. "Tem gente que nem pode pagar e compra fiado",
admite o comerciante.
No
Centro da cidade, a situação é um pouco melhor. O fornecimento na torneira
existe, mas é feito um racionamento, com a água ofertada em um intervalo de
dois dias. Mesmo assim, os moradores pagam uma taxa fixa à Companhia de Água e
Esgoto do Ceará (Cagece) de R$ 25.
Ainda
assim, a água que sai das torneiras também é salgada e não pode ser utilizada
para o consumo humano. "Sempre foi assim, toda vida. Quando tem, a gente
enche a caixa do banheiro e caixa-d'água", conta a aposentada Nilza Lopes
de Souza. Além dos carroceiros, ela compra um garrafão de água mineral para sua
mãe, que está doente. "É mais seguro", completa.
Inverno
No
mês de dezembro, uma boa chuva animou os agricultores em Salitre. Com média de
69,4 milímetros para o mês, o Município registrou 157 milímetros, aumento de
126,2%. A cisterna, que para muitos é a única esperança de abastecimento,
conseguiu "pegar" uma boa carga mesmo antes da quadra invernosa.
"A água dela está sendo pra tudo, porque não tem outra", conta a
agricultora Rosalva de Lima Pereira, moradora do Sítio Lagoa dos Crioulos.
Próximo
a um campo de futebol, a paisagem se transforma com 12 cisternas, em frente a
uma pequena vila. Sem essa tecnologia social, instalada em 2008, a situação
seria pior. "Se não tivesse, a gente tinha que ficar economizando só para
beber. Agora é para banhar, colocar para os bichos, lavar roupa. A gente pede a
Deus para encher. Até agora entrou água, mas a luta é grande", diz
Rosalva.
Antes
das cisternas, os moradores percorriam cerca de três quilômetros, subindo e
descendo ladeira, para pegar água em um pequeno açude. Lá, mesmo a água
barrenta consumida pelo gado não era desprezada. Era isso ou morrer de sede.
"Chegava meio dia, o sofrimento era grande. Aí, voltava pra pegar um e
dois baldes para tomar banho. Subia com lata na cabeça. Eram três latinhas de
manhã e duas à noite", lembra a agricultora.
Apesar
do alívio, a água da cisterna (de 16 mil litros) só deve durar até o meio do
ano. Enquanto a chuva não chega, um caminhão-pipa abastece as comunidades
rurais. Se para consumir é difícil, água para produzir é um luxo.
Por
isso, a expectativa para que a quadra chuvosa seja boa é grande em Salitre. Em
janeiro, choveu 68 milímetros, número bem abaixo da média histórica (101,3
milímetros). "Esse ano, muita gente plantou, mas a lagarta está comendo e
provocando prejuízo. Aí é plantar quando chover de novo. Se não chover logo vai
ficar só o chão, só a terra arreada", prevê a agricultora. Os legumes
colhidos servem apenas para o consumo próprio.
Já
na parte serrana de Salitre, onde se concentra boa parte da produção de
mandioca, o abastecimento depende da cisterna e dos caminhões-pipa. Contudo, a
alternativa sai do próprio bolso dos agricultores que dividem o valor de uma
"carrada" para três famílias, por R$ 180. "As pessoas se
ajudam", exalta o agricultor Humberto Damião do Nascimento.
Em
mutirão, as famílias se também se reúnem para produzir a farinha de mandioca. O
pagamento sai através de diárias. "Para quem vive de Bolsa Família e da
roça, faz diferença", garante a agricultora Marineide Francisca Alencar.
Na serra, a dificuldade de captação é ainda maior porque a água da chuva se
infiltra no solo, impedindo a formação dos "barreiros" que servem,
principalmente, para a dessedentação animal. Diário do Nordeste
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