sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Diante da seca, moradores de Salitre pagam caro por água potável


(FOTO: ANTÔNIO RODRIGUES)
A água aqui a gente compra pra beber. São 10 baldes para passar uma semana", desabafa a aposentada Maria Aurora de Carvalho, moradora do bairro Alto Alegre, em Salitre. Do chuveiro de sua casa, nunca caiu uma gota d'água. Assim como ela, os moradores da cidade compram de carroceiros que vendem por R$ 1 uma lata de 16 litros. Município do Cariri cearense com menor média pluviométrica, a realidade não é diferente na zona rural, abastecida em sua maioria por caminhões-pipa da Defesa Civil.

Localizado no Cariri Oeste, a 530 km de Fortaleza, Salitre fica nas divisas com o Piauí e Pernambuco e já figurou entre os maiores produtores de mandioca do Estado - permanece como o maior da região. Por causa disso, foi reconhecido como a "Capital da Mandioca no Estado do Ceará". No entanto, a escassez de chuvas foi uma das principais responsáveis pelo abandono ou paralisação da produção do tubérculo. Em 2016 e 2017, a quadra chuvosa decepcionou, com volumes acumulados de 271 milímetros, e 260,5 milímetros, respectivamente, somando as precipitações de fevereiro a maio. Em 2018, foram registrados 365,4 milímetros. Mesmo assim, ficou abaixo da média histórica do Município: 450,2 mm, conforme dados da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).

Segundo o órgão, a pouca incidência de chuva em Salitre acontece pela sua localização, que está no sotavento da Chapada do Araripe, ou seja, em uma área onde se tem subsidência do ar (movimento do ar de cima para baixo), fator que inibe a formação das nuvens. Outra questão leva em conta o fato de este Município estar afastado do litoral.

Apesar das chuvas escassas nos últimos anos, o "inverno" passado agradou aos produtores de mandioca, e Salitre registrou um crescimento no número de casas de farinhas nos últimos cinco anos. De 102 em 2013, passou a ter 126 em funcionamento, no ano passado. Por outro lado, a boa safra afetou o preço do produto. O saco de 50 quilos que custava R$ 220, hoje está custando R$ 50. Isso fez com que pequenos agricultores desistissem do plantio.

A região que compreende o Município e fazia parte de Campos Sales, cidade vizinha, é uma área de terras arenosas, apropriadas para a plantação de mandioca. Em contrapartida são poucos os riachos que cortam Salitre. Não há fontes naturais e nenhum grande reservatório. Com isso, a captação de água acontece através de poços profundos. O líquido, no entanto, é salgado. Parte da cidade não tem abastecimento e os que recebem, não conseguem utilizar para beber ou cozinhar.

O abastecimento precário obriga os moradores a comprarem água vendida por carroceiros. Maria Aurora de Carvalho, por exemplo, gasta R$ 40 por mês para seu consumo e de mais duas pessoas. Como no bairro onde mora não tem água encanada, seu filho abastece os baldes em um dos poços próximos de sua casa, que serve para banho, lavar a louça, roupas e matar a sede dos animais. "Ontem, comprei dois baldes e está bem pouquinho", conta.

Mercadoria
Água em Salitre deixou de ser direito para ser um negócio há um bom tempo. Nos últimos anos, caminhoneiros da região têm abastecido a carroceria com litros d'água retirados do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), em Araripina, para revender em Salitre. Para a retirada, é paga uma taxa de R$ 15.

Hélio de Souza, por exemplo, percorre todos os dias mais de 60 km para encher os galões e comercializar no Município. De manhã, faz entregas e à tarde busca mais para o dia seguinte. Um tambor de 200 litros custa R$ 25 e a lata de 18 litros custa R$ 1. "Tem gente que nem pode pagar e compra fiado", admite o comerciante.

No Centro da cidade, a situação é um pouco melhor. O fornecimento na torneira existe, mas é feito um racionamento, com a água ofertada em um intervalo de dois dias. Mesmo assim, os moradores pagam uma taxa fixa à Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) de R$ 25.

Ainda assim, a água que sai das torneiras também é salgada e não pode ser utilizada para o consumo humano. "Sempre foi assim, toda vida. Quando tem, a gente enche a caixa do banheiro e caixa-d'água", conta a aposentada Nilza Lopes de Souza. Além dos carroceiros, ela compra um garrafão de água mineral para sua mãe, que está doente. "É mais seguro", completa.

Inverno
No mês de dezembro, uma boa chuva animou os agricultores em Salitre. Com média de 69,4 milímetros para o mês, o Município registrou 157 milímetros, aumento de 126,2%. A cisterna, que para muitos é a única esperança de abastecimento, conseguiu "pegar" uma boa carga mesmo antes da quadra invernosa. "A água dela está sendo pra tudo, porque não tem outra", conta a agricultora Rosalva de Lima Pereira, moradora do Sítio Lagoa dos Crioulos.

Próximo a um campo de futebol, a paisagem se transforma com 12 cisternas, em frente a uma pequena vila. Sem essa tecnologia social, instalada em 2008, a situação seria pior. "Se não tivesse, a gente tinha que ficar economizando só para beber. Agora é para banhar, colocar para os bichos, lavar roupa. A gente pede a Deus para encher. Até agora entrou água, mas a luta é grande", diz Rosalva.

Antes das cisternas, os moradores percorriam cerca de três quilômetros, subindo e descendo ladeira, para pegar água em um pequeno açude. Lá, mesmo a água barrenta consumida pelo gado não era desprezada. Era isso ou morrer de sede. "Chegava meio dia, o sofrimento era grande. Aí, voltava pra pegar um e dois baldes para tomar banho. Subia com lata na cabeça. Eram três latinhas de manhã e duas à noite", lembra a agricultora.

Apesar do alívio, a água da cisterna (de 16 mil litros) só deve durar até o meio do ano. Enquanto a chuva não chega, um caminhão-pipa abastece as comunidades rurais. Se para consumir é difícil, água para produzir é um luxo.

Por isso, a expectativa para que a quadra chuvosa seja boa é grande em Salitre. Em janeiro, choveu 68 milímetros, número bem abaixo da média histórica (101,3 milímetros). "Esse ano, muita gente plantou, mas a lagarta está comendo e provocando prejuízo. Aí é plantar quando chover de novo. Se não chover logo vai ficar só o chão, só a terra arreada", prevê a agricultora. Os legumes colhidos servem apenas para o consumo próprio.

Já na parte serrana de Salitre, onde se concentra boa parte da produção de mandioca, o abastecimento depende da cisterna e dos caminhões-pipa. Contudo, a alternativa sai do próprio bolso dos agricultores que dividem o valor de uma "carrada" para três famílias, por R$ 180. "As pessoas se ajudam", exalta o agricultor Humberto Damião do Nascimento.

Em mutirão, as famílias se também se reúnem para produzir a farinha de mandioca. O pagamento sai através de diárias. "Para quem vive de Bolsa Família e da roça, faz diferença", garante a agricultora Marineide Francisca Alencar. Na serra, a dificuldade de captação é ainda maior porque a água da chuva se infiltra no solo, impedindo a formação dos "barreiros" que servem, principalmente, para a dessedentação animal.           Diário do Nordeste

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