A abolição da
escravatura no Brasil é revista pela Mangueira, conferindo protagonismo a um
cearense, o Chico da Matilde. (Foto: Oscar Liberal)
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"Brasil, o
teu nome é Dandara/E a tua cara é de cariri / Não veio do céu / Nem das mãos de
Isabel/A liberdade é um dragão no mar de Aracati." Assim canta a
comunidade da Mangueira no samba-enredo que representa a agremiação no carnaval
deste ano. Das "histórias para ninar gente grande" que a escola
selecionou para recontar na Sapucaí duas têm protagonistas cearenses que
escreveram "páginas ausentes" na narrativa oficial. A primeira delas
é a dos índios cariris e de sua resistência à colonização portuguesa; e a
segunda do Dragão do Mar, líder negro responsável pela abolição da escravatura
no Ceará quatro anos antes do restante do Brasil.
"Construir
uma narrativa na qual a representatividade popular possa gerar valores
associados ao patriotismo é importante para o momento que a gente vive.Olhar
para a história do Brasil com o interesse de construir uma narrativa que vai
exaltar índios, negros e pobres, neste momento específico da política nacional,
eu acho fundamental", observa o carnavalesco Leandro Vieira, responsável
pelo enredo da Mangueira desde 2016, quando estreou como campeão do Grupo Especial
com o desfile em homenagem a Maria Bethânia.
Para ele, a
ideia de que "somos brasileiros há cerca de 12.000 anos, mas insistimos em
ter pouco mais de 500" é um dos pilares fundamentais do novo enredo.
"Ao índio brasileiro, além de ser negado o protagonismo, foi negada uma
questão fundamental da preservação, que é a da memória", alerta Leandro. E
é nesse sentido que os indígenas cearenses ganham relevo no desfile. Isso
porque uma das alas da Mangueira será dedicada à Confederação dos Cariris.
Ornamentos que
remetem aos povos indígenas brasileiros estão no barracão da Mangueira. (Foto: Oscar Liberal)
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Movimento de
resistência à dominação portuguesa que ocorreu entre 1683 e 1713 e que também
ficou conhecido como Guerra dos Bárbaros, a confederação se estendeu pelos
territórios do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba e, na ótica de Leandro
"foi uma das guerras mais importantes, com uma das maiores representações
do indígena brasileiro como combatente".
"Para se
ter noção da articulação desses índios, as tropas que combatiam e tentavam
exterminar o Quilombo de Palmares, que é superfamoso no imaginário brasileiro,
foram desviadas das lutas e da guerra à população quilombola para combater o
levante indígena cariri. Essa é uma passagem que quase ninguém conhece e é
importante ser divulgada", destaca.
O embasamento
teórico para conceituar o desfile, Leandro tirou de artigos, livros, teses e
conversas com professores universitários. "Sempre fui amigo dos meus
professores de História; sempre gostei de ser íntimo do conhecimento histórico.
Então (o enredo) nasce disso, desse acúmulo de material", observa ele, já
tendo declarado em outras entrevistas que a Mangueira desfilará com resposta
crítica ao projeto "Escola Sem Partido".
Chico da Matilde
Além da
"cara de Cariri", a escola contará com uma alegoria toda dedicada a
Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde, também conhecido como Dragão
do Mar. O jangadeiro que liderou o Movimento Abolicionista no Ceará, pioneiro
no País, recusando-se a transportar para os navios negreiros os escravos
vendidos para o Sul, é um dos personagens que mais chamaram a atenção de
Leandro.
“Ele está
intimamente ligado à questão da abolição da escravidão no Brasil e ao mesmo
tempo o conhecimento da existência dele e da sua luta é nulo em relação ao que
é dado à Princesa Isabel. Dentro da minha cabeça, isso se dá pelo fato de estarmos
falando de um personagem eminentemente popular, e a narrativa oficial nunca
concedeu protagonismo a personagens ou representantes eminentemente
populares", reforça.
O próprio
carnavalesco se questiona por ter passado 30 anos sem saber dessa versão da
História. Ele só tomou conhecimento da resistência e bravura de Chico da
Matilde quando esteve no Ceará, há cinco anos. "Isso é muito tarde, ainda
mais para um país eminentemente negro, onde as questões negras ainda estão
sendo debatidas", avalia.
Depois dos
cariris e do Dragão do Mar, o Ceará é lembrado ainda por um
"anti-herói" no enredo da Mangueira: o General Castelo Branco. No
texto de apresentação, a crítica é feita à rodovia que "corta" São
Paulo com "nome de batismo" em homenagem ao primeiro general "do
Golpe 1964". Uma menção aos "Anos de Chumbo" está igualmente
prevista para o desfile na madrugada da terça-feira, dia 5 de fevereiro.
"História
para ninar gente grande é essa que nos foi contada, essa narrativa quer nos
adormecer", arremata Leandro. Salve os caboclos de julho/Quem foi de aço
nos anos de chumbo/ Brasil, chegou a vez/ De ouvir as Marias, Mahins,
Marielles, malês - dizem no samba. Em 2019, afinal, a Mangueira canta para nos
despertar. Diário do Nordeste
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