O município de Sobral, na Região Norte do Ceará, celebra nesta
quarta-feira (29) os 100 anos do eclipse solar total que resultou na
comprovação da teoria da relatividade geral, proposta pelo físico alemão Albert
Einstein.
Ao escurecer a manhã de 29 de maio de 1919 na cidade, por pouco
mais de cinco minutos, o fenômeno astronômico trouxe à luz uma nova concepção
de tempo, espaço e gravidade para o mundo.
Sem a teoria da relatividade, não seria possível utilizar
tecnologias de transmissão sem fio, como celulares, GPS ou portas
automatizadas.
Ao contrário do que defendia Isaac Newton em sua lei da
gravitação universal – soberana no período -, a teoria de Einstein previa que a
velocidade da luz era a única constante do universo, e não o tempo.
E ainda, que a massa dos corpos – como o Sol, planetas ou um
buraco negro, cujas matérias são energias condensadas, deformava o espaço
próximo a eles, gerando desvio (deflexão) na trajetória de um feixe luminoso.
Resumidamente, é como se o espaço fosse um enorme tecido – como
uma tela vazada – e o Sol um objeto circular de grande massa, pesando sobre
ele. Ou seja, quanto mais massa o objeto tem, maior é a mudança provocada na geometria
do espaço, que é indissociável do tempo.
O momento ideal para se confirmar ou refutar uma curvatura da
luz – ação da gravidade – seria durante um eclipse solar total, quando é
possível visualizar o posicionamento das estrelas próximas ao Sol. Do
contrário, o forte brilho do astro-rei inviabilizaria a observação.
Etapas
da comprovação
Levando em conta a posição geográfica, o eclipse daquele 29 de
maio poderia ser visto em Sobral e simultaneamente na Ilha do Príncipe, na
costa ocidental africana. O que atraiu pesquisadores ao Ceará cientistas
ingleses americanos e brasileiros de outros estados.
No interior do Ceará, o dia amanheceu nublado e até com
chuviscos, mas, pouco antes do eclipse ocorrer, o vento levou as nuvens para
longe e o céu ficou limpo.
Entre as 8h58 e 9h03, a Lua encobriu totalmente o Sol, formando
uma grande sombra na região. E, imediatamente, a temperatura caiu.
O momento tão aguardado foi registrado por câmeras fotográficas,
acopladas nos telescópios dos cientistas recém-chegados a Sobral. A primeira
etapa de verificação empírica da teoria foi, então, concluída com sucesso.
A segunda ocorreu cerca de dois meses depois, quando o mesmo
grupo de estrelas foi fotografado, no mesmo local, pelos expedicionários
britânicos. Mas durante a noite, quando se capta a localização real das
estrelas, cujas luzes viajam em linha reta, já que não há interferência do sol.
Constatação
Após meses de complexos cálculos e comparação das chapas
fotográficas, confirmou-se o que o físico previa. “Foi notada uma sutil
diferença na posição das estrelas, devido à massa do Sol, que mudaria o
percurso da luz ao redor dele”, reitera o diretor técnico-científico do Museu
do Eclipse e do Planetário de Sobral, Emerson Ferreira de Almeida.
“Esse eclipse de Sobral foi importante para a Teoria da
Relatividade não só porque foi a primeira tentativa bem-sucedida, mas também
porque todas as condições favoráveis estavam presentes”, destaca, lembrando
que, pelo menos, outras quatro tentativas foram realizadas anteriormente, sem
sucesso, em diferentes partes do mundo.
Em novembro daquele mesmo ano, a comunidade científica anunciou,
em Londres, a veracidade nos fundamentos da Teoria. O fato contribuiu para o
reconhecimento da genialidade do físico e consagração de sua carreira. “A
questão que minha mente formulou foi respondida pelo radiante céu do Brasil”,
declararia Einstein posteriormente.
Memórias
Embora o eclipse de Sobral tenha se tornado um capítulo
importante na história da Ciência moderna, é raro encontrar quem fale sobre o
ocorrido nas ruas da cidade. O silêncio prevaleceu entre as últimas gerações,
mas ainda há quem resguarde memórias do passado.
Professora de História aposentada, Minerva Sanford, 88, relembra
os breves relatos repassados por sua mãe – na ocasião, com 12 anos – sobre
quando aconteceu o eclipse total.
De acordo com ela, seu avô materno, John Sanford, um
nova-iorquino radicado na região, recebeu integrantes da expedição
norte-americana em sua casa.
Ele, inclusive, foi um dos dois únicos intérpretes disponíveis
na cidade para viabilizar o contato entre os cientistas estrangeiros e os
brasileiros. “Todo o relacionamento deles com o povo local foi feito através de
meu avô”. Quanto ao eclipse, sua mãe dizia que a manhã “ficou como se fosse
seis da noite”.
Alguns moradores alheios à representatividade científica do
fenômeno, acrescenta ela, chegaram até mesmo a cogitar o fim do mundo e
ocuparam as igrejas como forma de se proteger do mau presságio. “Deve ter
havido um certo susto na época porque não tinha nem imprensa praticamente que
divulgasse essas coisas”, considera Minerva.
Secretária da Diocese de Sobral, Zuleika Ximenes Viana, de 90
anos, recorda a própria mãe – então com 14 – quando fala do eclipse.
“A minha mãe morava em uma fazenda quando surgiu a notícia do
eclipse por aqui. Ela contava, e era muito engraçado, que as galinhas subiram
no poleiro pensando que estava anoitecendo, mas a noite foi curta e as elas
desceram desconfiadas”, ri-se, reproduzindo a voz de sua genitora.
Programação
Como forma de popularizar o acesso a informações do eclipse e
comemorar o seu primeiro centenário, haverá hoje uma programação extensa,
incluindo eventos dentro e fora de Sobral.
Após passar por uma reforma, o Museu do Eclipse da cidade será
reinaugurado e selos postais temáticos serão lançados no Brasil e na Ilha do
Príncipe.
Desde ontem, o município reúne autoridades brasileiras e
entidades científicas em seu 1º Encontro Internacional em alusão ao eclipse. Em
conexão com a Ilha do Príncipe, o evento se encerra amanhã, oferecendo ao
público palestras, bate-papos, lançamentos de livros e apresentações culturais.
A partir das 14h desta quarta, a Global Opera in Science sobe ao
palco do Theatro São João, também em Sobral. A apresentação será transmitida
simultaneamente em Campos dos Goytacazes (RJ), Portugal, Ilha do Príncipe e
Noruega.
No Rio de Janeiro, está prevista para hoje a abertura da
exposição “O Eclipse – Einstein, Sobral e O GPS”, no Museu de Astronomia e
Ciências Afins (MAST).
Já em Brasília, o Congresso Nacional abriga desde 14 de maio,
até o próximo dia 15 de junho, a exposição “Centenário do Eclipse de Sobral”. A
mostra fica no corredor de acesso ao Plenário. G1
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