(Foto: Natinho Rodrigues) |
Falta
dinheiro, comida e garantias. Em Fortaleza, pelo menos, 204.177 famílias seguem
em situação de extrema pobreza. Isto considerando os registros formais dessa
condição, pois essa quantidade refere-se às famílias inscritas junto à
Prefeitura no Cadastro Único - mecanismo do Governo Federal que identifica e
caracteriza a população de baixa renda para inserção nos programas sociais. Nas
famílias extremamente pobres, a renda familiar mensal por pessoa é de apenas R$
89,00. A permanência da desigualdade de renda tem como efeito privações como a
fome, pois a condição social, avalia a Prefeitura e pesquisadores, guarda
estreita relação com o acesso a alimentos em quantidade e qualidade adequadas.
Outras
39.728 famílias de Fortaleza estão em situação de pobreza, conforme o
Ministério da Cidadania. Nesse caso, a renda mensal por pessoa é de somente R$
178,00. Uma vendedora de desinfetante (que não vamos identificar devido à
condição de vulnerabilidade), que se desloca todos os dias 11km com dois filhos
em busca de alimentação, ilustra a persistência do drama antigo: a privação do
acesso a alimentos como efeito da baixa renda. A família sai Barra do Ceará
rumo à Parangaba todos os dias para garantir o almoço.
A
refeição é feita no único restaurante popular mantido pela Prefeitura na
capital cearense. No local, que serve 1.400 refeições por dia, o prato custa R$
1,00. É uma abundância de comida para quem muitas vezes não tem o básico em
casa. Com o trabalho, a vendedora explica que apura R$ 200,00 mensais. O
dinheiro, somado aos R$ 179,00 que ela recebe do programa de transferência de
renda do Governo Federal, Bolsa Família, compõe o orçamento da família.
Com
dois filhos pequenos e moradora de um imóvel alugado, por R$ 300,00, no bairro
Barra do Ceará, a alternativa da vendedora é sempre buscar comida onde o custo
for menor. No período letivo, explica ela, o filho mais velho vai para a creche
e garante um pouco de alimentação a tarde. Mas nas férias, a situação se
complica. A criança de três anos, almoça junto com a mãe e o irmão na
Parangaba.
O
restaurante é o único do tipo na Capital e a oferta de alimentos é inferior à
demanda. A fila se forma antes da 10h e segue até mais 12h. Quase sempre, a
quantidade de refeições acaba antes de fila terminar.
A
escassez também é sentida pela população em situação de rua. Nas praças do
Centro os moradores de rua seguem uma dinâmica própria de alimentação. As
doações são as únicas "certezas" para saciar a fome, conta um das
pessoas (que não será identificada) moradora da Praça do Ferreira. No local, o
alimento que é um direito humano, quando chega através do poder público, ainda
é insuficiente diante da demanda.
O
diagnóstico da Prefeitura é que em três pontos do Centro (Praça José de
Alencar, Praça da Lagoinha e nas proximidades da Estação de Metrô) o número de
pessoas em situação de rua chega a 400. Mas foi apenas em junho desse ano, que
a Capital recebeu o primeiro refeitório social destinado a esta população. No
local são servidas 400 refeições diariamente para moradores de rua. Esse
público é prioritário na política de garantia de segurança alimentar, explica o
titular da Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS),
Elpídio Nogueira. A vulnerabilidade, esclarece o secretário, além da quantidade
está atrelada à qualidade da alimentação dessas pessoas.
Ausência
de pesquisas locais
Embora
existam ferramentas para identificação e classificação da insegurança alimentar
e nutricional no nível local, esse mapeamento, de modo geral, não é feito pelos
municípios, segundo a nutricionista e coordenadora do Grupo de Estudos em
Política de Segurança Alimentar e Nutricional (GPSAN) da Universidade Estadual
do Ceará (Uece), Marlene Marques.
Para
mensurar os riscos na Capital, conforme a professora, é feito um paralelo com a
situação de segurança alimentar identificada para o Ceará pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), na última Pesquisa Nacional de Amostra por
Domicílio feita especificamente sobre o tema em 2013. O levantamento considera
a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar e Nutricional, que classifica a
insegurança alimentar em leve, moderada ou grave. No caso extremo a pessoa
sofre com a privação total de alimentos.
"Na
falta de uma pesquisa local, podemos fazer um paralelo com a situação
identificada para o Ceará em 2013. Neste caso teríamos cerca de 35% de pessoas
vivendo em insegurança alimentar". De modo geral, explica ela, os grupos
mais vulneráveis são aqueles em que incidem os mais graves indicadores sociais,
assim a insegurança alimentar "é maior entre as pessoas com menos anos de
estudo e de menor renda. É maior nos domicílios com pessoas menores de 18 anos
e entre as pessoas de raça cor/negra e parda em relação à raça/cor branca, e
embora seja menor entre as mulheres em relação aos homens, ao analisar ao tipo
de insegurança alimentar por sexo, a pesquisa revela que há mais mulheres que
homens em situações de insegurança alimentar moderada e grave".
Carência
de recursos
A
pesquisadora Marlene Marques avalia que para reverter a situação de insegurança
alimentar é preciso avançar em programas que incidam sobre as causas dessa
condição. Dentre as ações que tem sido adotadas no Brasil nesse processo está o
de transferência de renda, como o Bolsa Família. Outros incidem nas
consequências da insegurança alimentar, como a distribuição de cestas básicas.
Nesse último quesito, a situação de Fortaleza também é complicada.
O
chamado benefício eventual de distribuição de cestas básicas sofre os efeitos
do contingenciamento de recursos do Governo Federal, relata o secretário,
Elpídio Nogueira. No momento, o município sequer tem contrato em vigor para
garantir esse benefício. "Não está funcionando como é para funcionar. Eu
devo ir ao Ministério (da Cidadania) no próximo mês para tentar discutir essa
questão", relata o secretário.
G1 CE
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