Problemas
graves e urgentes são como batata quente nas mãos do Poder Público brasileiro:
o Governo municipal joga para o estadual, que rebate ao federal, que devolve às
esferas locais. A solução fica no limbo. Assim tem sido em relação às oito
Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) finalizadas e abandonadas em municípios
do interior do Ceará, cujos R$ 12.250.000 investidos na construção ficam mais
inúteis ao propósito principal: servir à saúde da população.
De
acordo com o Ministério da Saúde (MS), o Ceará "conta com nove UPAs 24h já
com atestado de conclusão emitido: Acaraú, Barbalha, Boa Viagem, Cascavel,
Juazeiro do Norte, Morada Nova, Quixeramobim, Sobral e Tianguá", mas ainda
aguardando "contratação de pessoal e aquisição dos equipamentos para
funcionamento". A Pasta federal garante que "as unidades já foram
habilitadas e estão com os repasses de incentivo financeiro de investimento
efetuados".
No
entanto, a UPA de Sobral, mencionada pelo Ministério da Saúde "está
funcionando normalmente" desde quando foi inaugurada, no início deste mês,
conforme a reportagem comprovou.
Em
agosto do ano passado, a reportagem já havia denunciado o abandono de nove
unidades, confirmado pelas respectivas prefeituras, que alegavam incapacidade
financeira para manutenção dos equipamentos de saúde. Quase um ano depois, o
argumento se mantém. A reportagem verificou que oito das UPAs permanecem como
elefantes brancos no interior: apenas a de Jaguaribe foi inaugurada, no último
dia 29 de junho, dois anos após a conclusão da obra.
Se
em Sobral, a situação está regularizada, a cerca de 110 km de lá, Acaraú vive
uma realidade bem distinta: com construção concluída, segundo o MS, desde 2016,
a UPA do Município é, na verdade, um casarão abandonado. Aparentemente pronto,
mas fechado e sem nenhum equipamento, a única vida que o prédio abrigava,
quando a reportagem esteve lá, era a de um cachorro - testemunha de uma
estrutura em deterioração pelo tempo e o desuso.
Quanto
à UPA de Barbalha, o prefeito Argemiro Sampaio afirmou, em agosto passado, que
"não existia demanda" no Município, que a construção havia sido
"um programa eleitoreiro" e que, a partir de 2019, uma policlínica
municipal passaria a funcionar no local. Até hoje, o equipamento nunca foi
instalado, e o prédio segue abandonado. E por tempo indeterminado, segundo a
secretária de Saúde, Pollyanna Callou. Segundo moradores, a UPA chegou a ser
inaugurada, mas nunca funcionou, e materiais chegaram a ser roubados do local.
Em
Boa Viagem, o prédio pronto e fechado deverá ser utilizado como Unidade Básica
de Saúde (UBS) e Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Para isso, de acordo
com o secretário de Saúde, Williams Vaz, o Município aguarda autorização
federal. "Precisaríamos de uma contrapartida muito alta para a UPA
funcionar, mas não temos essa condição financeira. A obra foi realizada na
gestão passada. Foram detectadas várias inconformidades na construção. Um
processo administrativo está apurando", completou.
Problemas
Já
em Cascavel, a cerca de 62km de Fortaleza, a Prefeitura confirma a existência
de uma UPA entregue e inativa desde 2012. Em nota, a gestão informou que o
Governo do Estado vai "doar" os equipamentos necessários ao
funcionamento da unidade, que passa por "obras de reparo necessárias por
conta do período que ficou parada". As verbas para custeio do equipamento,
afirma a nota, "deverão ser obtidas por emendas parlamentares que também
estão sendo viabilizadas".
Em
Juazeiro do Norte, o prédio que seria destinado à UPA no bairro Lagoa Seca foi
concluído, mas nunca aberto. Mato e infiltrações ocupam as áreas externa e
interna do equipamento, e itens da estrutura chegaram a ser roubados. Uma
auditoria feita ano passado identificou vários itens incompatíveis com o
projeto e, por isso, a Secretaria de Saúde de Juazeiro do Norte e a
Procuradoria Geral do Município protocolaram Ação Civil Pública por ato de
improbidade administrativa contra as empresas que executaram a obra. Após
solução do imbróglio judicial, sem previsão, a UPA deve ser convertida em
policlínica.
No
município de Morada Nova, informa a secretária de Saúde, Luciana de Almeida
Lima, a UPA deverá começar a funcionar após o atendimento das adequações
físicas exigidas pelo Ministério da Saúde. Os serviços deverão ser concluídos
ainda neste semestre e, segundo a titular, equipamentos clínicos e mobília
estão assegurados pelo Governo do Estado.
Situação
semelhante é verificada em Quixeramobim, cuja UPA está pronta e fechada desde
2016. Os móveis e ferramentas médicas, orçados em R$ 2 milhões, virão do
Estado. A Secretaria de Saúde do Município informou estar em processo de
planejamento para ativar a unidade, o que deve ocorrer no primeiro semestre de
2020.
Em
Tianguá, a realidade é igual. A estrutura da UPA começou a ser construída em
novembro de 2013. O prazo de entrega era de 180 dias. Mas há quase seis anos, a
população espera pelos serviços de saúde que seriam oferecidos pela Unidade de
Pronto Atendimento. De acordo com o prefeito de Tianguá, Jaydson Aguiar, as
conversas com o Governo Estadual e a União para inaugurar a UPA estão
avançadas. Segundo ele, na semana passada, chegou parte dos imóveis para
equipar a unidade. Apesar de nunca ter funcionado, a estrutura vai precisar de
reparos. A promessa é inaugurar até o fim de 2019. Quando estiver em
funcionamento, a perspectiva é atender nove mil pessoas.
Readequação
A
Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) afirmou, em nota, que envia o custeio
mensal de R$ 85 mil a R$ 250 mil a todas as 36 UPAs ativas no Ceará, "a
depender do porte". Mas como o projeto de construção é tocado pelos
Governos Federal e Municipal, a Pasta estadual só assume o dever de repasse a
partir da inauguração.
Em
maio de 2018, o Governo Federal autorizou estados e municípios a utilizarem a
estrutura das UPAs inativas em outra finalidade na área da saúde (como para UBS
e Caps), a fim de que não perdessem as estruturas já erguidas. Mas, segundo a
Pasta, nenhum município cearense solicitou a readequação. O prazo para
solicitação era junho deste ano, e foi prorrogado para novembro. Diário do Nordeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário