quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Após ataques de facções, governador contraria PT e pede lei antiterrorismo

Imagem: Lucas Seixas - 28.ago.2019/Folhapress

Uma nova onda de ataques feitos por uma facção criminosa no Ceará tem afetado a rotina da população e a sensação de segurança no estado desde o último sábado (21). Neste ano, já é a segunda vez que isso acontece em razão de mudanças no sistema penitenciário.

Em sua primeira entrevista a um veículo nacional após os crimes, o governador Camilo Santana pede que haja uma legislação mais rigorosa contra o terrorismo, o que, por vezes, esbarra no posicionamento de seu partido, o PT.

Santana também defende que o governo federal atue mais fortemente nas áreas de fronteira. "Todo esse problema da violência no país é devido a um fator: droga, tráfico de droga. Se você for olhar, a responsabilidade de combater o narcotráfico é da União, não é dos estados", disse ao UOL em entrevista por telefone.

No sábado, começaram ataques a ônibus, carros, caminhões e edificações, que foram incendiados. Eles foram registrados na capital, Fortaleza, e em outras cidades, como Canindé, Quixadá, Quixeramobim, Paracuru e Jucás. As ações criminosas teriam sido ordenadas pelo GDE (Guardiões do Estado), facção que rivaliza com o PCC (Primeiro Comando da Capital) e reclama de mudanças nos regimes nos presídios estaduais.

Santana qualifica como terrorismo os atos ocorridos no estado e pede uma punição mais dura a que quem seja flagrado cometendo o crime, o que demandaria uma alteração na legislação. Também colocaria o governador em rota de colisão com seu partido. O PT e outras siglas já se posicionaram contra modificações na lei que tipifica o terrorismo com o receio de que elas atinjam ativistas ou movimentos sociais.

No ano passado, o então senador Lindbergh Farias (PT-RJ), por exemplo, chamou o projeto de tentativa de criminalizar o MST: "Em cima desse texto, podem prender militantes de movimentos estudantis, movimentos sindicais, estamos criminalizando o MST".

legislação aponta ser classificado como terrorismo os atos ligados a "xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, paz pública ou incolumidade pública".

Desde 2016, um projeto no Senado tenta incluir nela pontos como:
"incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado, com o objetivo de forçar a autoridade pública a praticar ato, abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral"

"interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ou bancos de dados, com motivação política ou ideológica, com o fim de desorientar, desembaraçar, dificultar ou obstar seu funcionamento".


O tema está na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. No início de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) já se mostrou a favor desse projeto. Esses itens haviam sido vetados, há três anos, pela então presidente Dilma Rousseff (PT) por pressão do partido e de movimentos sociais.
É preciso "que essas ações sejam consideradas, tipificadas como terrorismo", disse o governador. "Você jogar uma bomba, jogar um coquetel molotov hoje, não tem uma pena... Tanto que, às vezes, pessoas que cometem esse crime pouco tempo depois estão soltas."

Para Santana, uma legislação mais dura poderia "intimidar esse tipo de ação covarde". "Tipificá-la como terrorismo garante que as pessoas estarão presas e punidas de forma mais rigorosa", afirmou.

“Muitas pessoas do meu partido ou da esquerda acham que isso pode punir algumas questões de movimentos sociais. Acho equivocada essa interpretação”
Camilo Santana (PT), governador do Ceará

Responsabilidade da União
O governador, porém, também espera uma atuação mais forte do governo federal no combate ao tráfico de drogas. "A droga entra pelas fronteiras do Brasil. De quem é a responsabilidade de proteger as fronteiras? Da União. Não é dos estados", comentou. "Ninguém vai conseguir enfrentar o problema da violência se não houver uma pactuação nacional. Essa é uma questão interfederativa, onde cada um cumpre seu papel, suas responsabilidades."
Para o político, o crime "ultrapassou os limites dos estados".

Santana também comentou o fato de advogados terem sido presos nos últimos dias. Para evitar que eles façam a comunicação com criminosos que estejam fora dos presídios, os detentos passam por revista após os encontros, e não os advogados. "Uma série de medidas que a gente vem tomando para evitar essa transferência de qualquer tipo de comunicação, de qualquer tipo de material que entre no presídio", comentou.

"Ninguém consegue resolver esse problema de uma vez por todas. Isso é um processo", avalia Santana, que vê na criação do Susp (Sistema Único de Segurança Pública), no ano passado, como um primeiro passo. "O que está faltando um pouco é mais a operacionalização."

O governador está em contato com o ministro da Justiça, Sergio Moro. O ex-juiz da Operação Lava Jato já liberou vagas em presídios federais para a transferência de detentos que estão no sistema estadual e tenham ligação com a facção. Ainda não foi debatida a ideia de envio da Força Nacional de Segurança, segundo Santana.

Para o petista, as transferências são importantes. "Você desarticula o contato, desestrutura de certa forma", disse Santana.

"Em janeiro, tínhamos todas as facções aqui juntas. O sistema prisional ainda estava desestruturado. É apenas uma facção. Temos conseguido dar respostas rápidas", falou. "A partir do momento que eu sentir que haja necessidade de conversar com o presidente [Jair Bolsonaro, para pedir a presença de tropas federais], eu serei o primeiro a ligar para ele e colocar a necessidade, como fiz em janeiro."

O governador diz que sua gestão tem feito tudo que está ao alcance para lidar com os ataques, que seriam uma tentativa de intimidar o estado. "Novas lideranças estão tentando demonstrar força", diz.
Foram mais de 50 prisões efetuadas nos últimos dias, com quase 40 crimes registrados. Ao menos dez lideranças criminosas foram identificadas e serão transferidas para presídios federais. O governo já transferiu mais de 250 presos para outras unidades prisionais no estado.

Questionado sobre que certeza poderia dar aos cidadãos de que não haverá outra onda, ele disse que a garantia que pode oferecer é a de que vai continuar com "um trabalho duro, rigoroso, com combate ao crime organizado no estado". "É claro que isso é um processo."                     UOL Notícias

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