(Foto: Gustavo Pellizzon) |
A
faixa 1 do Lado B do disco "Forró de Cabo a Rabo" (1986), de Luiz
Gonzaga, apresentou o verso: "Olha lá, no alto do Horto, ele está vivo,
padre não está morto". A música "Viva Meu Padim" faz referência
à estátua de 27 metros do Padre Cícero que se tornou cartão-postal de Juazeiro
do Norte. Hoje, dia 1º de novembro, o monumento completa 50 anos de
inauguração.
O
projeto, que começou "por acaso", se tornou símbolo da peregrinação
da fé romeira e hoje é responsável por atrair, em média, 2,5 milhões de visitantes
por ano à cidade. A presença do religioso, fundador da 3ª maior cidade do
Estado, é notável no Município. Em cada palmo da cidade, o santo popular dos
cearenses está presente. Da porta das lojas aos altares de casa. Se não
bastasse isso, numa altitude de aproximadamente 500 metros, sua imagem de
concreto pode ser vista em quase todo o território do Município. É assim que,
na visão dos católicos, a estátua protege os "romeiros do Norte".
Progresso
A
história por trás da construção da estátua do Padre Cícero, que já foi a
segunda maior do País - e hoje ocupa a 5ª posição -, passa pelo próprio
sacerdote. No fim do século XIX, já com suas ordens suspensas por causa do
episódio conhecido como o "Milagre da Hóstia", ele começou a
frequentar a Colina do Horto, antigamente chamada de "Serra do
Catolé". Por lá fazia seu retiro espiritual e idealizou a construção de
uma igreja para Bom Jesus do Horto. Parte do templo começou a ser construída,
mas em 1904 foi interrompida por ordens da Diocese de Fortaleza. Naturalmente,
com o abandono, a edificação foi ruindo até ser demolida, totalmente, no fim da
década de 1930, após a morte do "padrinho".
Os
romeiros foram se apegando ao Horto pelo projeto do sacerdote de construir a
igreja, mas também pelo chamado "pé de tambor", um pé de Timbaúba
onde, supostamente, era um dos locais de refúgio e meditação do Padre Cícero.
Tudo isso mudou em 1967, com a construção de uma antena de televisão exatamente
onde ficava a árvore. "As pessoas se revoltaram. No Horto já havia sido
profanado outro símbolo de fé, que era a igreja, que foi proibida e as ruínas
destruídas", conta a historiadora e pesquisadora Amanda Teixeira.
A
resposta da Prefeitura de Juazeiro do Norte, à época gerida pelo médico Mauro
Sampaio, veio rapidamente: a construção de uma estátua do Padre Cícero na
Colina do Horto, onde poderia ser vista por todas as pessoas da cidade. O
jornalista e escritor Aldemir Sobreira, falecido há três anos, contava que, a
princípio, tentaram encontrar um escultor em Fortaleza, mas procura foi em vão.
Outro
dia, o mesmo Aldemir visitou uma exposição de artes plásticas na Faculdade de
Filosofia do Crato - atual Universidade Regional do Cariri -, onde conheceu o
artista plástico pernambucano Armando Lacerda, que participava do evento, e, na
época, era representante comercial da Cinzano. Vendo seu talento, com uma das
estátuas premiadas naquele dia, não titubeou:
-
Você seria capaz de construir um monumento? - perguntou o jornalista.
-
É minha praia. - respondeu Armando, tirando do bolso do paletó um maço de fotos
de outros trabalhos.
A
Prefeitura já tinha um projeto de monumento de sete metros de altura, fora a
base. Porém, o escultor optou por construir uma estátua de 12 metros. Um galpão
foi montado no antigo armazém de uma usina de algodão, na esquina das ruas São
Paulo e São Francisco. Durante a modelagem, o próprio Armando decidiu aumentar
o tamanho da estátua para 17 metros. Os cálculos pelos engenheiros foram feitos
e a proposta foi aprovada.
A
construção
De
forma bem artesanal, a estátua do Padre Cícero foi construída por muitas mãos.
Um destes pares é do aposentado Severino Antônio Santana, 76, que na época
tinha entre 15 e 16 anos. Morador da Rua do Horto, que na época já havia um
número razoável de imóveis, ele foi contratado pela Prefeitura de Juazeiro do
Norte. "O prefeito veio e pediu para arrumar um pessoal daqui para
trabalhar. O resto do pessoal, carpinteiros, engenheiros, pedreiro, essas
coisas, veio da rua", conta. O valor pago para cada servente era 50
cruzeiros novos por semana.
A
primeira etapa foi planear o terreno. Depois, foram cavados os alicerces,
colocado os andaimes de madeira e as ferragens das colunas. Um molde de gesso
foi feito no ateliê, no Centro da cidade, para ganhar forma em concreto. Como
um quebra-cabeças, as peças eram muito pesadas e, por isso, foram elevadas por
uma espécie de carretel, puxadas por alguns cabos de aço. "Foi feita a
base, o pé e, depois, a estátua", explica Severino. A cabeça do santo foi
encaixada por último.
A
obra durou aproximadamente dois anos. "Só teve um acidente e foi por causa
das armações de madeira. Ela nunca aconteceu de quebrar, mas um dia torou. Um
senhor caiu, quebrou duas costelas e o braço, e não veio trabalhar mais",
lembra o aposentado.
Severino
se sente orgulhoso de ter participado da construção da estátua, pois, passou
quase toda sua vida ao lado do monumento. "O cara trabalhar para o Padre
Cícero, fico até emocionado", confessa.
Golpes e
inauguração
Na
época da construção, os jornais noticiaram que havia pessoas peregrinando pelo
interior do Nordeste pedindo dinheiro com a justificativa que estavam
angariando recursos para a construção da estátua. Por causa da repercussão, o
prefeito Mauro Sampaio teve que vir a público e lançar uma nota nos periódicos
explicando que a obra era do Município e que não dessem dinheiro aos golpistas.
O
médico aproveitava para ressaltar que o projeto tinha como objetivo estimular o
turismo em Juazeiro do Norte. "Ele queria fugir da ideia de romaria, de
uma população muito pobre, que vinha a Juazeiro pedir a bênção e realizar
práticas diversas de fé. Esse discurso era muito forte, dizendo até que a
estrutura do horto ia contar com praça, playground, várias atrações. Seria um
complexo turístico", explica Amanda Teixeira.
A
data de entrega da obra foi escolhida, justamente, pelo período da Romaria de
Finados, que já se apresentava como o mais popular evento religioso de Juazeiro
do Norte. "Não havia hospedagem para todas as pessoas. Elas ficaram
acampadas. Embora disseram que era um empreendimento turístico, a cidade não
estava preparada", ressalta Amanda.
Como
o acesso à Colina do Horto ainda era difícil, a cerimônia de inauguração
aconteceu aos pés da Basílica de Nossa Senhora das Dores. Grandes veículos de
comunicação de todo o País estiveram presentes. Os jornais diziam que houve
entre 100 mil a 200 mil pessoas na ocasião. As luzes da cidade foram apagadas
por 30 segundos para, em seguida, os 24 refletores iluminarem a estátua.
Rivalidade
O
professor e memorialista Renato Casimiro conta que, no dia da inauguração,
apareceram pelo chão da Basílica alguns pedacinhos de papel, contendo um
versinho que dizia o seguinte: "Se chifre for baioneta e estátua avião,
Juazeiro está preparada para defender a nação".
A
provocação teria partido de habitantes do Crato. "Nessa época, (os
cratenses) já estavam vendo Juazeiro 'passar a perna'. A cidade cresceu mais.
Vêm indústrias, conjuntos habitacionais, estação de televisão, nosso próprio
aeroporto. Era uma fase bastante otimista", lembra. Diário do
Nordeste
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