A Vara de Delitos de Organizações Criminosas, do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), já reúne 1.151 processos de todo o Estado - entre ações penais, incidentes processuais e medidas investigatórias - em um ano e dois meses de funcionamento, segundo dados do órgão. Neste período, foram proferidas 65 sentenças, para um total de 119 réus. Conforme o TJCE, os processos dessa Vara "possuem alta complexidade e multiplicidade de denunciados".
Em dezembro do ano passado, a Unidade reunia 567 processos, ou seja, o número dobrou em menos de um ano. Naquela época, nenhuma sentença havia sido proferida.
Apesar do alto número de processos para um colegiado formado por três juízes, o TJCE analisou que a Vara "contribui significadamente porque agora o Judiciário cearense conta com uma Unidade especializada para tratar de forma mais adequada esses casos mais complexos".
Dentre os casos, estão crimes cometidos por facções criminosas e por quadrilhas do "colarinho branco" - que se formam na alta sociedade. Além da atividade de facções criminosa, os réus respondem a delitos como tráfico de droga, roubos e ataques criminosos. A exceção fica para os homicídios, que devem ser julgados por uma Vara do Júri.
Advogados
O G1 ouviu dois advogados criminalistas que trabalham em processos que estão na Vara de Delitos de Organizações Criminosas. O advogado Artur Feitosa lembra que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomenda a criação dessa Vara, no País, desde 2006.
"Era uma situação inevitável. Porque os órgãos de percepção penal já tinham criado especialidades nesse setor. A Polícia Civil já tinha a Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas). E o Ministério Público do Ceará já tinha o Gaeco", comenta.
O advogado Kaio Castro acredita que a Vara "trouxe inúmeros benefícios, como compartilhamento de informações de Inteligência, e aproximou o Ministério Público e as delegacias especializadas dos juízes, trazendo mais eficiência e celeridade nas investigações. Prova disso são as inúmeras deflagrações de operações bem complexas que tivemos no decorrer do ano".
Divergências de opiniões
Os advogados divergem sobre a celeridade da Unidade. Feitosa afirma que, no início da implantação da Vara, "houve um inchaço de processos". "Mas com o passar do tempo, em que foram injetados recurso humano, uma estrutura física adequada e fixadas balizas de competência, a Vara começou realmente a cumprir seu objetivo. Hoje, é uma Vara célere, as decisões judiciais possuem um nível técnico elevado e são fruto de um colegiado", pondera.
Já Castro opina que o número de processos é muito alto. "Houve um congestionamento na Vara, por conta da banalização da imputação da organização criminosa. Hoje em dia, muitos processos, só pelo fato de ter pluralidade de réus, são remetidos para a Vara. E em muitos desses processos, os juízes declinam da competência".
"Acreditamos que tem que ter uma norma, uma resolução para restringir mais o envio em massa desses processos do Interior do Estado e das Varas Criminais de Fortaleza para essa Vara", sugere Castro.
Medida de segurança
Os juízes da Unidade não aceitaram dar entrevista sobre o trabalho, por medida de segurança. "A atuação da Vara de Delitos de Organizações Criminosas está pautada no artigo 49-B, do Código de Organização Judiciária do Estado do Ceará, que prevê os mecanismos para resguardar a segurança dos magistrados que proferem as decisões", afirma o TJCE.
Conforme o Código, "a Assistência Militar do Tribunal de Justiça disponibilizará militares para segurança e proteção dos magistrados e servidores atuantes na Vara".
As autoridades tratam o tema com cuidado e discrição no Ceará. Promotores de justiça do Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do Ministério Público do Ceará (MPCE), também se recusaram a dar entrevista sobre o assunto, pelo mesmo motivo, e não responderam a perguntas enviadas para o e-mail da Instituição.
Exemplos de processos
Entre os processos presentes na Vara de Organizações Criminosas, estão as operações Jericó II e Saratoga/Bom Jardim, deflagradas pelo Gaeco no dia 17 de outubro deste ano. As investigações miram duas facções criminosas que atuam no Estado, com crimes como tráfico de drogas, homicídios, ameaças, adulteração de veículos e ataques criminosos.
A Vara decretou, nas duas operações desencadeadas juntas, um total de 32 mandados de prisão preventiva e 25 mandados de busca e apreensão, cumpridos em Fortaleza, Caucaia, Maracanaú, no sistema penitenciário cearense e em presídios de segurança máxima em Catanduvas, no Paraná, e em Taubaté, São Paulo.
Já um processo por roubo, extorsão mediante sequestro e associação criminosa, que inclui o chefe máximo de uma facção no Brasil, Marcos William Herbas Camacho, o 'Marcola', e mais 19 réus, foi enviado à Vara de Organizações Criminosas e devolvido à 3ª Vara Criminal da Comarca de Caucaia. A quadrilha é acusada de roubar R$ 1,4 milhão de uma empresa de valores, em Caucaia, no dia 5 de março de 2000.
Conforme documentos obtidos pelo G1, o juiz de Caucaia explicou, no dia 1º de agosto deste ano, que"a conduta dos acusados atende aos requisitos necessários para a caracterização de organização criminosa", como "associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada" e "divisão de tarefas".
Enquanto o juiz da Vara de de Organizações Criminosas rebateu, no dia 23 daquele mês, que "verifica-se que os fatos que deram origem à ação penal ocorreram no ano de 2000, portanto, antes da vigência da Lei nº 12.850/2013 (que define o conceito de grupo criminoso), afastando-se, desta feita, requisito previsto na Lei nº 16.505/2018 (que determina o funcionamento da Vara Especializada), razão pela qual os autos deveriam permanecer na Comarca de Caucaia". G1 CE
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