sábado, 22 de fevereiro de 2020

Frutos nativos geram renda para moradores da Chapada do Araripe

Na beira da rodovia, catadores vendem maracujá peroba, pequi, leite da janaguba e outros produtos colhidos na Chapada do Araripe.(Foto: Antonio Rodrigues)
Bacupari, maracujá-boi, cambuí, araçá, araticum, mangaba. Boa parte dos brasileiros pode não ser muito familiarizada com estes nomes, mas, na Chapada do Araripe, sul do Ceará, eles compõem o paladar da população. São frutos nativos que, além de presentes no cotidiano para o consumo in natura, se tornaram importante fonte de renda para as comunidades rurais.

Nesta época do ano, período da quadra invernosa, além do popular pequi, muito consumido no Cariri cearense, outros frutos colorem a paisagem verde, vizinha à Floresta Nacional do Araripe (Flona Araripe), nos territórios de Crato, Nova Olinda, Jardim e Santana do Cariri, até próximo a divisa com o estado de Pernambuco.

“Aqui dá tudo!”, enfatiza o entregador José Nilton de Lima, que sempre conviveu com pequi, pitomba, macaúba, cambuí e o maracujá peroba. Morador da comunidade de Guritiba, em Crato, sua relação com os frutos sempre foi apenas para o consumo. “Chupar e jogar no mato. Às vezes, faz um suco”, conta.

A prima dele e vizinha, a agricultora Bernadete dos Anjos, já consegue desenvolver outros produtos a partir do processamento da mangaba, como sorvete, creme e suco. “É uma planta nativa e medicinal. O chá serve para pressão alta”, acredita. A safra deste fruto começou em novembro e seguiu até início de fevereiro.


A facilidade de as plantas frutíferas crescerem na Chapada do Araripe se dá por dois fatores: clima e profundidade do solo. “Como as raízes são maiores e fortes, precisam de espaço para crescer e aqui é ideal”, explica o engenheiro agrônomo José Araújo Marôpo.


Renda
As margens da CE-292, que liga Crato a Nova Olinda, se tornaram uma verdadeira feira livre, impulsionada, principalmente, pelo pequi. Mas nos últimos anos outros produtos têm ganhado espaço, principalmente o bacupari, chamado pelos moradores de maracujá peroba. Ele tem sua safra neste mês de fevereiro, que dura entre 15 a 20 dias. 

Vendido a R$ 3 o saco com aproximadamente 20 unidades, o amarelo do bacupari se destaca de longe nas barracas. De sabor mais doce que o maracujá convencional, normalmente é consumido in natura ou como suco. Com ele, os catadores têm sobrevivido. “Além de ser nativo, não tem agrotóxico”, exalta Aldisio Sebastião da Silva, do Sítio Mané Coco, que há quatro anos vende na rodovia.

Opções 
Pelas mãos do agrônomo José Araújo Marôpo e da auxiliar administrativa Maria Tereza Praxedes, o cambuí, que possui um sabor doce e ao mesmo tempo 'travoso’, tem se popularizado no Cariri. Juntos, eles criaram uma linha de 25 produtos com o fruto nativo, a partir de 2006. Da polpa, fizeram o vinho e, depois, a cachaça. A partir da casca e sementes, surgiram geleia, doce, licor, vinagre, mousse, bolo, cocada, entre outros.


O processo de fabricação do vinho é idêntico ao convencional de uva, mas com outros cuidados para não desencadear uma fermentação nociva. Após passar por testes, ser patenteado e conquistar o selo orgânico, o vinho de cambuí tem produção anual de 3 mil litros. “É isento de qualquer inseticida”, reforça Marôpo. 

Além de estimular a economia local, o vinho do cambuí é mais saudável que os convencionais. Segundo o agrônomo, ele possui 235 mg/ml de taninos, polifenóis responsáveis pela neutralização dos radicais livres. Este valor dez vezes maior que de uva. 

Expansão 
A partir das experiências com as bebidas, Tereza sentiu um certo desperdício da casca e do bagaço do cambuí. Disso, veio a ideia de produzir licor, geleia e vinagre. Depois de alguns testes, ampliou a cadeia para picolé, sorvete, cocada, trufa, doce e até uma massa triturada para fabricar pães. Tudo é vendido em casa e nas feiras orgânicas de Crato.

A partir da experiência com o cambuí, os dois perceberam as possibilidades de trabalhar outros frutos nativos, como o maracujá-boi, araticum e mangaba. Deles, surgiram cachaça, licor, doce, geleia. Tudo é comprado de catadores da Chapada do Araripe e isso acaba gerando renda para as famílias. 

Para Marôpo, o trabalho desenvolvido com os frutos nativos é uma forma de estimular os produtores a gerar uma renda e melhorar o aproveitamento destas riquezas naturais. 

“Acredito que 90% é perdido, porque não tem escoamento. O pessoal ainda não desenvolveu nada na linha de processamento”, lamenta. 

Com a renda, Tereza destaca que nos últimos anos os moradores têm tido um novo olhar para a preservação da Chapada do Araripe. “Ao invés de cortar as árvores, o pessoal está plantando, tendo mais cuidado. Há 20 anos, a gente via as pessoas derrubarem muito. Hoje, estão procurando mudas”, completa.                     G1 CE

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