quinta-feira, 28 de maio de 2020

Presídio de segurança máxima vira hospital de campanha no Ceará

A pandemia do novo coronavírus fez com que a Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará (SAP) transformasse o primeiro presídio de segurança máxima do Estado, prestes a ser inaugurado, em hospital de campanha para tratar presos e presas que estão com a Covid-19. O sistema penitenciário cearense já tem 426 casos confirmados da doença e duas mortes.

O presídio de segurança máxima, localizado em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), estava previsto para ser inaugurado em fevereiro deste ano. Mas o atraso na entrega do equipamento veio a calhar com a pandemia, em março, e deu lugar à Enfermaria Máxima de Saúde - como é chamado o hospital de campanha pela SAP - com 190 vagas. O espaço, preparado para a custódia principalmente de líderes de facções criminosas, recebeu primeiro infectados pelo vírus, profissionais da saúde, camas hospitalares e medicamentos.

Segundo o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), que integra o Comitê de Enfrentamento à Covid-19 no Sistema Prisional, o Hospital Geral e Sanatório Penal Otávio Lobo foi desativado e toda a estrutura da unidade (equipamentos e profissionais) foi transferida para a Enfermaria da Unidade de Segurança Máxima, para isolamento dos internos contaminados e melhor acompanhamento pela equipe médica.

A SAP corroborou que "todo e qualquer interno ou interna com sintomas gripais, ou no processo de tratamento leve da Covid-19, passa pelo acolhimento de equipes multissetoriais na Enfermaria Máxima de Saúde". Segundo a Pasta, a unidade de saúde está "totalmente equipada e automatizada para o tratamento e cuidado com os casos suspeitos ou para tratamento de casos mais leves e moderados". 

O Estado, com apoio do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), investiu R$ 28 milhões para erguer o presídio de segurança máxima, com área total de 7.273 m² e 104 celas. As obras começaram ainda em 2018. A unidade é considerada moderna, com amplo sistema de videomonitoramento e alarmes. Mas agora o equipamento não tem data para ser utilizado conforme a função original. 

"O presídio de segurança máxima não será inaugurado enquanto durar a pandemia, porque está servindo de hospital de campanha para o sistema penitenciário", informou um membro do Comitê, que preferiu não se identificar. 

Mortes 
A segunda morte no sistema penitenciário cearense por Covid-19 foi confirmada pelo SAP. Uma detenta de 48 anos do Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa (IPF), localizado também em Aquiraz. A mulher apresentou sintomas no dia 1º de maio e foi isolada. Quando o quadro se agravou, ela foi transferida para o Hospital do Coração, em Messejana, onde estava respirando com ajuda de ventilador mecânico, mas morreu na última quinta-feira (21). 

O primeiro caso com morte foi divulgado pela SAP em 28 de abril deste ano. Um interno da Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPL) II, em Itaitinga, identificado apenas pelas iniciais J.P.L.V., de 36 anos, morreu com dificuldades respiratórias, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Horizonte. 

A reportagem apurou ainda que a SAP já realizou mais de 2,2 mil testes de Covid-19. Conforme o último boletim recebido pelo TJCE, do dia 21 de maio último, as unidades penitenciárias do Estado somam 426 casos da doença confirmados. Deste total, 225 são agentes penitenciários, 142 presos (entre homens e mulheres) e 59 servidores terceirizados. Há o registro ainda de 268 recuperações de infectados pela doença, das quais 180 são de policiais penais, 52 de detentos e 36 dos terceirizados. 

O maior número de registros da Covid-19, 48, está na Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes (destinada a presos do sexo masculino que são gays, travestis, bissexuais, idosos, cadeirantes ou respondem à Lei Maria da Penha), em Aquiraz. Depois, vem os dois presídios em que internos já morreram com a doença: o IPF, com 34 confirmações; e a CPPL II, com 22. Conforme a fonte do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 no Sistema Prisional, a SAP separa detentos com suspeita ou confirmação da doença em três níveis, para evitar a propagação do vírus: isolamento dentro dos presídios, em celas distintas, para aqueles que acabaram de ser detidos ou vieram do hospital; isolamento na Enfermaria Máxima de Saúde, para quem está com sintomas leves da Covid-19; e, em último caso, se o quadro for grave, transferência do preso para uma unidade de saúde pública. 

A Secretaria da Administração Penitenciária não forneceu os números da Covid-19, ao ser demandada pela reportagem, mas garantiu que "os dados epidemiológicos do sistema prisional cearense são compartilhados com o Judiciário, Ministério Público e entidades de controle social". Em nota, a Pasta reforçou que "o banho de sol foi estendido de duas para três horas em todas as unidades prisionais, justamente para garantir maior absorção vitamínica da luz solar e um maior convívio social entre as pessoas privadas de liberdade". E ainda que "o Ceará foi o primeiro Estado da Federação a garantir uso de máscaras para todos os internos e internas". 

Preocupação 
A propagação da Covid-19 no sistema penitenciário cearense preocupa profissionais e familiares dos presos. O diretor financeiro do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará (Sindasp), Rafael Magno, revela que os policiais penais que estão afastados do trabalho por estarem em grupos de risco para contrair a doença (como idosos, diabéticos e doentes cardíacos) têm medo de serem chamados nas próximas semanas, diante da sinalização do Governo do Estado de flexibilizar o isolamento social. 

De acordo com Magno, apesar do alto número de agentes penitenciários recuperados da infecção (cerca de 80%), a doença ainda impacta o trabalho da categoria: "o efetivo diminuiu por conta do número de agentes infectados, de agentes do grupo de risco afastados e de agentes que moram em outros estados e que foram transferidos para unidades prisionais mais próximas de seus estados de origem, o que comprometeu bastante alguns procedimentos". 

A irmã de um detento, que preferiu não se identificar, revela que os familiares dos presos, em geral, estão angustiados com a propagação do vírus e a falta de notícia dos entes queridos, já que as visitas sociais estão suspensas e a troca de "cartas e-mails" entre o cárcere e a rua ainda gera desconfiança da autenticidade. 

"Não sabemos de dados concretos. Aquilo que sabemos é por meio de advogados ou de familiares que estão sendo contactados por assistente social. Sobre a 'carta email', cada unidade faz de um jeito diferente. Em algumas unidades, enviam a foto da resposta com a letra do preso, já em outras apenas trascrevem a mensagem deixando os familiares na dúvida se realmente responderam. Os familiares de internos estão tendo seu direito de acesso à informação negado e tudo está sendo mantido em silêncio", reclama.                       Diário do Nordeste

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