segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Dificuldades na importação de trigo encarecem alimentos no Ceará

A escalada do dólar e as incertezas em torno da safra na Argentina preocupam cada vez mais a cadeia do trigo no Ceará, já que o país vizinho é o principal fornecedor do produto para o Estado. De acordo com o Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria do Ceará (Sindpan-CE), esses fatores têm prejudicado o setor e são responsáveis por um salto de até 30% no preço da farinha de trigo nos últimos 12 meses e de, em média, 10% no do pão. O sindicato não descarta novas altas ao longo deste ano, caso o preço de trigo tenha uma nova alta.

Ângelo Nunes, presidente da entidade, explica que "fatores políticos entre Brasil e Argentina" também contribuíram negativamente para essa situação. "O cenário de importação do trigo pelo Brasil tem sofrido muita instabilidade nos últimos 12 meses devido a fatores políticos entre Brasil e Argentina, safra e alta do dólar".

Ele pontua que a panificação tem acompanhado o setor de massas e biscoitos, operando os reajustes nos produtos que são derivados do trigo. Atualmente, o quilo do pão francês está custando, em média, R$ 13, conforme o Sindpan-CE.

A superintendente do Centro Internacional de Negócios (CIN) da Federação das Indústrias do Estado do Ceará, Ana Karina Frota, lembra que o país vizinho é o principal fornecedor de trigo para o Brasil e também a outros países.

Além disso, no fim do ano passado, movida pela instabilidade econômica interna, a Argentina já havia aumentado suas tarifas de exportação, encarecendo as importações do produto pelas empresas cearenses. 

Estiagem 
Agora, a preocupação é que a estiagem no país derrube o volume de trigo exportado, o que pode prejudicar ainda mais a cadeia local. Na última semana, de acordo com reportagem do jornal argentino "La Nación", o país sul-americano poderá perder quase US$ 700 milhões em receita com exportações de trigo em 2021, segundo estima o produtor Néstor Roulet, ex-vice-presidente das Confederações Rurais Argentinas (CRA), a partir de dados da Bolsa de Rosário. 

Segundo Roulet, o país deve produzir 4,2 milhões de toneladas de trigo a menos que o volume projetado pela Bolsa de Rosário em abril deste ano, quando o plantio não havia começado. De uma previsão inicial de colheita de mais de 22 milhões de toneladas, agora pouco mais de 18 milhões de toneladas seriam colhidas. E o saldo para a exportação seria reduzido de 14,4 milhões de toneladas para 10,2 milhões de toneladas. 

"Caso isso se torne realidade, o Ceará vai precisar de outros países exportadores de trigo, porque a Argentina é o nosso principal fornecedor depois de Estados Unidos e Paraguai. Além de ser responsável pela maior parte das nossas exportações, o trigo da Argentina possui uma qualidade que se adequa melhor à nossa indústria", detalha a superintendente do CIN da Fiec. 

Diversificação
As incertezas em torno da safra, na avaliação de Ana Karina Frota, reforçam a necessidade e importância de o Ceará buscar diversificação na importação do trigo. "Nós sempre comentamos sobre essa concentração de mercado no que se refere à balança comercial. Quando consideramos as importações, o momento é de diversificar mercados, procurar outros fornecedores e buscar preços competitivos", diz a superintendente do CIN, acrescentando que isso ajudaria a reduzir os danos à indústria alimentícia local. 

Ela também lembra que as importações cearenses de trigo já haviam sofrido há alguns meses, quando a Argentina ampliou as vendas para países asiáticos. "Tivemos dificuldade para comprar o produto, porque o estoque argentino não era suficiente. Naquele momento, as empresas, principalmente de panificação, ficaram muito apreensivas com a possibilidade de ter que comprar o trigo de outros mercados, como por exemplo Estados Unidos e Canadá, e esse produto ser taxado no imposto de importação", destaca. 

Taxas 
O trigo comprado da Argentina não possui alíquota de importação, por se tratar de um acordo do Mercosul. O Centro Internacional de Negócios explica que em compras oriundas de outros países fora do bloco aplica-se uma tarifa de 10% para a importação. Para tentar driblar o problema, o Brasil estabeleceu a cota anual de 750 mil toneladas de importação do cereal de países de fora do Mercosul com isenção da taxa. 

Ainda conforme o CIN, a cota entrou em vigor no mês de novembro do ano passado e vale para importações feitas até 17 de novembro deste ano. A indústria brasileira vem negociando junto ao Governo Federal a prorrogação do prazo de vigência da tarifa zerada para fornecedores de outros países e pleiteia o aumento da cota de importação de trigo com tarifa zerada. 

Dólar 
Também responsável pela alta de preços em outros produtos da mesa do cearense e dos brasileiros, o dólar acumula em 2020 um aumento de cerca de 35%. Partindo de R$ 4,02 em 2 de janeiro, a moeda americana ultrapassou o patamar de R$ 5 no início da pandemia e não voltou mais, encerrando o pregão da última sexta-feira (28) a R$ 5,41. 

O professor de Economia da Universidade de Fortaleza e conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-CE), Ricardo Eleutério, explica que a alta do dólar, ao mesmo tempo em que beneficia as exportações, prejudica as importações. 

"Para a importação, a alta do dólar encarece, porque precisamos de um volume maior de real para adquirir o mesmo dólar para importar aquele produto que seja; bens de capital, máquinas e equipamentos e commodities", explica.

Ele reforça que isso desestimula as importações. "Se aquela indústria não possui a matéria-prima domesticamente, ela vai ter que importar e isso vai pesar nos custos finais", diz. "Então, a alta do dólar encarece os produtos importados, commodities ou outros, e isso pode provocar uma pressão inflacionária. Como estamos, porém, em uma recessão mais profunda, talvez as empresas importadoras de matéria-prima não repassem todo o aumento derivado dessa desvalorização cambial para os produtos finais", avalia Eleutério.                                Fonte: Diário do Nordeste

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