quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Especialistas indicam lockdown e diagnóstico precoce para conter a segunda onda da Covid-19 no Ceará

No decreto mais recente, o governador Camilo Santana restringiu a circulação de pessoas nas cidades e instaurou "toque de recolher". Foto: Fabiane de Paula

Leitos quase esgotados, vacinas chegando a conta-gotas, contágio acelerado, curva de óbitos crescendo. O cenário da Covid-19 no Ceará é desolador e preocupante. Um novo isolamento social rígido, ou lockdown, deixa, portanto, de ser encarado como mera possibilidade, e passa a ser orientado por especialistas como estratégia urgente para frear a nova onda da pandemia. 


A convite do Diário do Nordeste, a análise foi feita pelo médico sanitarista e coordenador da Fundação Oswaldo Cruz no Ceará (Fiocruz-Ceará), Carlile Lavor; pelo infectologista e consultor da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), Keny Colares, e pelo geógrafo Eustógio Dantas, que mapeia e estuda o avanço espacial da Covid-19 em Fortaleza. 


Lockdown 

Embora, há uma semana, o Governo tenha tomado medidas mais drásticas de contenção do contágio e determinado uma série de restrições sociais, Keny compreende que a estratégia ainda é fraca e que não deve repercutir numa queda significativa de novos casos.


“Quando o lockdown é bem feito, já tem as primeiras respostas com duas a três semanas. Agora, a gente nunca conseguiu fazer lockdown que mereça esse nome aqui em Fortaleza. A gente nunca fechou como em outros países fizeram”, enfatiza o infectologista, que diz entender as pressões socioeconômicas que recaem sobre o governador Camilo Santana (PT) no momento de decidir pela medida. No entanto, ele ressalta que se o isolamento não ocorrer de maneira completa, “o resultado vai acabar vindo, também, incompleto”.


Ainda de acordo com Keny, diferentemente do ano passado, na primeira onda, quando ações rígidas foram tomadas logo após a confirmação do primeiro caso da infecção, “dessa vez, por vários motivos, a gente está esperando mais tempo pra tomar uma medida. Mas, assim como em Manaus a segunda onda foi pior do que a primeira, aqui também pode acontecer”. 


A contenção da transmissão viral é imprescindível neste momento, segundo o profissional, para dar às redes pública e privada de assistência hospitalar tempo para cuidar dos doentes e, também, para permitir que as autoridades sanitárias consigam barganhar a importação de mais vacinas e organizem uma logística eficiente de rastreamento de casos e contatantes. 


“A estratégia de rastreamento só consegue ser efetiva se houver uma antes como o lockdown, que baixe muito o nível de transmissão. Se a doença está muito espalhada na cidade, essa estratégia não consegue funcionar” porque a rede estaria colapsada e os profissionais da saúde, sobrecarregados, observa Keny. No momento, a taxa de positividade da doença no Estado, conforme o IntegraSUS, é de 26,91%, e a de letalidade gira em torno de 2,67%. 


Rastreamento 

Para Carlile, o rastreamento de casos e contatantes deveria ser, inclusive, a prioridade do Governo agora. “Medidas coletivas são importantes, mas a busca do caso individual, daquele que está espalhando o vírus, é essencial pra gente conter a disseminação da doença”, entende o sanitarista. Essa busca, segundo ele, teria de ser acompanhada do aumento da capacidade de testagem do Estado e envolver equipes de Saúde da Família para monitorar cada residência. 


Atualmente, os testes de detecção da Covid-19 feitos pela rede pública levam até sete dias, pelo menos, para serem examinados e publicados, o que dificulta o tratamento do paciente no início da doença e o isolamento dos que convivem fisicamente com ele por 14 dias. “Essa pessoa tem que deixar de circular, ficar em casa e evitar que o vírus passe para outros membros da família e vizinhos”, diz Carlile.


De acordo com o gestor, a Fiocruz-CE tem capacidade para analisar e liberar até dez mil resultados de exames de Covid-19 em 24 horas. Entretanto, o equipamento não vem sendo aproveitado pelo Estado para acelerar o rastreamento dos casos. 


No último mês de dezembro, exemplificou o médico, o centro de testagem da Fiocruz-CE recebeu mais exames de Santa Catarina, no sul do País, do que do Ceará. “Examinar pessoas sadias não temos como, mas, examinar sintomáticos, temos condições de fazer”, assegura Carlile, explicando que a procura pela unidade pode ser feita, também, por prefeituras, que devem garantir a coleta e o transporte adequado das amostras. 


Vacinação em regiões vulneráveis 

Isolada, pode não ser tão eficiente, mas, somada ao lockdown e ao rastreamento de casos, a campanha de vacinação contra a Covid-19 é fundamental para o controle da pandemia.


Contudo, segundo o geógrafo Eustógio Dantas, para além de faixa etária e comorbidades, é preciso que a campanha considere fatores urbanos e demográficos na escolha dos grupos que prioritariamente serão vacinados. Isso porque há regiões da Capital, por exemplo, em que a vulnerabilidade da população à doença é maior devido à precarização de infraestrutura, de saneamento básico, de acesso a serviços e de adesão às medidas individuais de proteção. 


“Não posso pensar em vacinação se não levar em conta isso, porque é nesses lugares em que o adoecimento se dá com maior ênfase, em que a morte se dá com maior intensidade. E nós estamos falando aqui só de casos confirmados, porque, se fôssemos considerar os que, de fato, deram, esses números são bem superiores. Muitas pessoas que moram nessas áreas não fizeram exame e simplesmente se trataram utilizando medicações que tinham à mão”, disse. 


Eustógio também é favorável ao lockdown. “O isolamento social é a estratégia que suscitou bons resultados. Recentemente, ouvimos falar do caso inglês que passou por três lockdowns associados à vacinação e à redução dos casos graves. Devemos levar a sério”. 


Combate a tratamentos com remédios sem eficácia 

Outro assunto que também deve ser levado a sério agora pelas autoridades sanitárias, segundo Keny Colares, é a naturalização de “tratamentos precoces” com hidroxicloroquina e ivermectina, medicamentos sem comprovação científica de eficácia contra a Covid-19. 


Para o infectologista, esse tratamento tem sido “muito destrutivo” para o controle da pandemia porque passa para as pessoas uma falsa sensação de segurança contra o coronavírus e estimula a não aderência a medidas de isolamento e distanciamento social, além de reduzir a pressão por novas vacinas. “A gente não está sendo duro o suficiente com as pessoas e com as instituições que estão defendendo essa atitude criminosa ou que estão caladas, coniventes. Isso responde por grande parte da nossa falência da resposta à pandemia”, critica o médico.


Fonte: Diário do Nordeste

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