Por comercializarem artigos religiosos em pesadas caixas de madeira na cintura, as vendedoras são chamadas de “peneiras”, como é o cado de Josefa Maria da Conceição. Foto: Antonio Rodrigues |
Aos pés do cartão-postal de Juazeiro do Norte, a estátua de Padre Cícero, mulheres comercializam artigos religiosos em pesadas caixas de madeira transportadas na cintura, chamadas de “peneiras”, onde elas armazenam terços, rosários, chaveiros, ímãs de geladeira, entre outros produtos. Por exercerem essas tradicionais atividades, as vendedoras ambulantes ganharam o apelido de “peneiristas”.
Sem as romarias desde a chegada da pandemia da Covid-19, estas comerciantes sofreram um duro golpe. Além da proibição das peregrinações, elas viram o complexo do Horto fechar as portas para visitantes duas vezes, desde que começou o enfrentamento ao coronavírus. Mesmo com o principal ponto turístico reaberto em julho, o número ainda discreto de turistas e romeiros tem impactado diretamente nas suas rendas.
Há 23 anos, a sergipana Regina Santos transformou o Horto como seu segundo lar. Sua chegada em Juazeiro do Norte se deu após sua mãe, artesã de colchas de cama bordadas, tentar a sorte na Romaria de Nossa Senhora das Dores, em setembro. Foi um sucesso de vendas. O bom resultado se repetiu na Romaria de Finados, em novembro. Por isso, decidiu largar sua terra natal, Itabaianinha, trazendo seus cinco filhos mais jovens, em 1996, para morar no Ceará.
Assim como sua mãe, Regina começou a vender ao lado do monumento do fundador da cidade, a partir dos 13 anos de idade, oferecendo velas aos romeiros. Da renda que conseguiu, fez sua primeira “peneira”, incluindo as tradicionais fitinhas do Padre Cícero. Desde então, não parou mais.
Com a facilidade de transportar os artigos religiosos, as peneiristas costumam abordar os visitantes os cumprimentando e oferecendo seus produtos antes de chegarem à estátua. Para evitar concorrência entre si, quando um cliente se aproxima de uma delas, a colega não pode interferir. “Tentar entender o lado da outra e respeitar a venda”, explica Regina.
As comerciantes costumam comprar peças para revenda no próprio Centro de Juazeiro do Norte. Contudo, a maioria delas também fabrica seus artigos, quando chegam em casa, após o exaustivo dia no Horto. É o caso de Regina, que dá forma à terços comuns, terços de braço e rosários.
IMPACTO
O trabalho como peneirista garante o sustento de famílias como a de Josefa Maria da Conceição, 39, juazeirense, que começou com estas vendas aos 10 anos de idade, junto com sua mãe, que vendia doces. Por causa do chamado “ciclo de romarias”, que começa em setembro e finda em fevereiro, na Romaria de Candeias, o lucro era satisfatório por seis meses no ano. “Mesmo fora deste períodoera bom, porque Juazeiro é sempre visitado”, descreve.
Nos seus melhores dias, Josefa chegava a apurar até R$ 200. Na manhã da sexta-feira (20), por exemplo, com movimentação pequena, não conseguiu vender um produto sequer. O impacto da pandemia para as peneiristas é sintomático em outros números: a administração do Horto possui cerca de 200 vendedoras cadastradas, porém, atualmente, apenas 65 estão ativas.
Antes da pandemia, a média diária de visitantes no Horto variava entre 3 mil a 5 mil pessoas em períodos regulares — durante as romarias chega a ser quatro vezes maior. Com a limitação, inclusive, das chamadas “caravanas”, que trazem fiéis de outros estados, mesmo longe da época dos eventos religiosos, a expectativa é que a média gire entre 300 a 500 pessoas. “Nunca tinha presenciado isso. A pandemia veio para destruir muita coisa. Foi ruim, porque caiu muito. Antes, quando não tinha as romarias, apareciam as caravanas e arrumava o suficiente para sobreviver”, aponta Josefa.
PROTOCOLOS
Para evitar contágio, a administração do Horto reduziu a circulação do comércio ambulante e isso afetou diretamente os fotógrafos e as peneiristas, que fazem um revezamento entre os dias que poderão trabalhar aos pés da estátua. “Dia sim a gente vem, no outro dia é outro grupo”, explica Regina. A abertura do complexo também ficou restrita das 7h às 17h, enquanto o comércio pode abrir das 8h às 17h. Com essa limitação, Regina começou a vender, no Centro da cidade, bolos que sua filha mais velha cozinha. “Já é uma ajuda”, garante.
Contudo, em um ano e meio de combate ao coronavírus, o Horto esteve fechado duas vezes. No primeiro momento, não recebeu visitantes por seis meses. Já na segunda vez, a restrição durou aproximadamente um mês. “Foi o momento mais difícil. Minha sorte foi Deus e o auxílio que recebi durante os seis meses, que deu para manter o básico na minha família que tem cinco pessoas”, admite Regina.
Mesmo com o retorno em algumas ocasiões, o complexo só veio funcionar com todos os equipamentos, como o Museu Vivo do Padre Cícero, no antigo Casarão do Horto, há pouco mais de um mês. “Nunca passamos nada parecido. Mesmo depois das romarias, a gente ia se virando sem se apertar”, completa Josefa.
ESPERANÇA
Hoje, o grande desejo destas mulheres vendedoras é que haja um retorno das romarias presenciais: “Que Deus abençoe que volte logo (as romarias), porque está difícil as coisas”, desabafa Josefa. “Espero que tenha pelo menos com a metade ou um terço dos romeiros. Já vai melhorar mais ainda pra gente e o comércio pra todo mundo, porque eu dependo do romeiro”, admite Regina.
Contudo, isso ainda é incerto. Na última celebração que ocorreu em memória da morte do Padre Cícero, a Prefeitura de Juazeiro do Norte proibiu a entrada de caminhões e ônibus com romeiros, entre os dias 17 e 20 de julho, período do evento. Além disso, limitou a capacidade em 30% de igrejas, bares, restaurantes e os chamados “ranchos” — pousadas populares que recebem os fiéis.
A medida também restringiu o acesso à colina do Horto, assim como os funcionamentos da Fundação Memorial Padre Cícero e dos Museus. Além disso, proibiu a fixação de bancas, barracas, entre outros instrumentos de comércio, sejam de pessoas da própria cidade ou de forasteiros. Apenas camelôs de Juazeiro do Norte com pontos já instalados puderam trabalhar neste período.
Fonte: Diário do Nordeste
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